quarta-feira, 30 de abril de 2008

O monopólio da representação

Um primeiro esclarecimento: não defendo, longe disso, que a Assembleia Legislativa da Madeira se transforme numa espécie de assembleia municipal de âmbito e objectivos mais alargados. Porém, ninguém me tira da cabeça que a nossa assembleia só poderá voltar a ser a sede da vontade política dos madeirenses quando for legalmente possível que grupos de cidadãos a ela concorram, ou quando for constitucionalmente permitida a criação de partidos políticos regionais
Repare-se. Neste momento, e por força da autonomia que a revolução democrática de Abril viabilizou, o povo da Madeira tem duas sedes de representação política: a Assembleia da República e a Assembleia Regional. Só que a escolha dos deputados a uma e outra câmara é mediada pelos mesmíssimos partidos, independentemente da natureza e vocação distintas de cada um desses órgãos. Ou seja, em ambos os casos, estamos condenados a escolher os deputados que os directórios dos partidos do sistema nos impõem. A limitação, não custa vê-lo, é óptima para eles, uma vez que lhes permite esse notável desígnio que consiste em controlar e filtrar a expressão da nossa vontade. Porém, não custa igualmente admiti-lo, é péssima para nós, por poder conduzir, no limite, a um défice de representação.
Um exemplo: alguém se sente efectivamente representado pela profª Julia Caré ou pelo dr. Maximiano Martins? Alguém sabe (para lá obviamente do que é feito constar pela propaganda oficial) o que andam por lá a fazer os drs. Guilherme Silva e Hugo Velosa? Sinceramente, não creio. Do mesmo modo que não acredito que esse seja um defeito meu ou dos restantes eleitores.
Os filósofos do fundamentalismo jurídico-formal sorrirão certamente, com a condescendência que só podem ter os sábios, perante a indigência aparente do argumentário. E explicarão, lá bem do alto das suas cátedras, que as razões legais e constitucionais são muito mais complexas do que se imagina, devendo portanto ser deixadas nas suas iniciáticas mãos.
Devo confessar a minha pasmada admiração pelos sábios. E não resisto à tentação de partilhar convosco a sedução que me causam as ciências ocultas. Só que, cá de baixo, a minha indigência cultural, com a boa companhia do senso comum, passa os dias a afligir-me com a ideia de que os sistemas políticos têm como finalidade organizar as sociedades e servir os cidadãos. E leva a impertinência ao ponto de insinuar que era bom que esses sistemas não fossem vistos apenas como produtos mais ou menos esotéricos do deleite intelectual ou especulativo de uns quantos bem intencionados académicos.
Isto é, o que me dizem as minhas óbvias lacunas culturais é que os sistemas políticos têm de ser compreendidos e aceites pelos cidadãos cuja vida regulam, sob pena de se descolarem da realidade. E garantem-me também que, enquanto assim não for, não cessará de aprofundar-se o inconveniente divórcio entre eleitos e eleitores.
De maneira que volto ao tema: não era mais útil que a Constituição da República permitisse, pelo menos, a criação de partidos regionais? Por que razão se persiste na teimosia de obrigar os eleitores da Madeira autónoma a continuarem a ver os seus problemas regionais tratados por partidos de expressão e vocação nacional? Ou será que alguém pensa que, por mais autonomia que tenham as direcções regionais dos partidos do sistema, não são estas muitas vezes obrigadas ou a um jogo de cintura ou a um processo negocial com a sensibilidade das direcções nacionais, em nome de conveniências que pouco ou nada têm que ver com os interesses dos eleitores?
É claro que sei que o problema não tem que ver apenas com o maior ou menor esoterismo científico com que se desenham os sistemas de mediação. O problema é outro: é político. Quando os sistemas se sedimentam e cristalizam, ninguém quer perder o monopólio da representação. E essa é que é a verdadeira questão.
Bernardino da Purificação
Post scriptum
Afinal, a proposta explicativa do penúltimo artigo não é tão excêntrica quanto isso. O dr. Jardim himself admite já uma recomposição do espectro político nacional, e quer ter as suas tropas em estado de prontidão para essa eventualidade. Não espanta: a ameaça secessionista sempre fez parte do seu arsenal político.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Crise de representação

Um dia, estou firmemente convencido disso, há-de ser equacionado o problema da representação política na Madeira. Será mais tarde, será mais cedo, mas o tempo dessa discussão acabará por chegar e impor-se com a força das coisas urgentes.
Note-se. Não ponho em causa a democraticidade formal da escolha dos nossos eleitos. O que quer dizer que não lhes contesto nem a legitimidade jurídica nem a legitimidade política. Faço também questão de sublinhar que não pretendo alinhar no perigoso estribilho anti-classe política. Por uma razão simples: a demagogia não é de todo o meu terreno de eleição. Não obstante, considero quase impossível passar ao lado da gritante e progressiva diminuição da qualidade relativa do grupo de pessoas que nos representa. Do mesmo modo que entendo que começa a ser tempo de começar a entender-se a função política como uma responsabilidade e não como um agradável privilégio.
No que diz respeito à qualidade (política, entenda-se, não pessoal), o que se sabe é que a maioria dos nossos representantes não tem sequer existência política real: poderão ser, conceda-se, alguma coisa na vida interna dos partidos a que pertencem; não são, porém, rigorosamente nada fora deles. E a escassa minoria que o eleitorado conhece (descontando a meia dúzia de honrosas excepções) supera à tangente o teste da mediocridade.
Ou seja, andam para aí umas quarenta ou cinquenta almas a decidir e a falar em nome do povo, mas o povo não as conhece de lado nenhum. No entanto, ninguém parece incomodar-se grandemente com o assunto: nem os eleitores, que vão votando por inércia nas quatro ou cinco caras que conhecem; nem os directórios partidários, que têm mais que fazer (como cuidar das respectivas carreiras, por exemplo) do que preocupar-se com minudências semelhantes.
Dirão alguns, assim como quem acha que a justificação resolve, que o problema é uma expressão da tão falada crise da democracia representativa. E dirão outros, num tom algures entre a resignação e o cinismo, que esse é, no fim de contas, o preço que devemos alegremente pagar pela democracia que temos. E o facto de uns quarenta ou cinquenta desconhecidos se ocuparem dela, em nosso nome e para nosso refastelado descanso, deve ser tido à conta de um bónus adicional do nosso sistema de governo. Pode até ser. O problema é que isso não resolve o défice de participação cívica que se vê a olho nu nesta comunidade insular a que pertencemos.
Devo admitir que, se a sociedade dita civil conseguisse respirar na Madeira para além dos partidos, o problema não teria porventura a acuidade que tem. A maçada é que não consegue: entre nós, com efeito, tudo começa nos partidos, acaba nos partidos, esgota-se nos partidos. E o resultado é o que se vê: vota-se num Martins e sai-nos um Almada; elege-se um Aguiar e levamos com um Coelho; e um dia, não tarda nada, depois de escolhermos um Jardim, lá teremos de gramar aquele senhor sem figura nem rosto que, não há muito tempo, o congresso do PSD aplaudiu delirantemente de pé. Um embuste, em suma. Porém, democrático.
É evidente que não há democracia sem partidos. Mas era importante que se começasse a tentar perceber por que razão há cada vez mais eleitores à margem da política e alheados do voto. Do mesmo modo que considero fundamental que o nosso sistema de partidos se ajuste às nossas circunstâncias sociais e políticas, por forma a reduzir-se ao mínimo possível a sub-representação ou mesmo a ausência de representação. Até porque a democracia, para além da legitimidade jurídica dos eleitos, exige ainda uma outra legitimidade: a do exercício. Ora essa mede-se pela maior ou menor adesão que as políticas e as ideias em cada momento conseguem. E a mim o que francamente me preocupa é o deserto de políticas e de ideias donde vão brotando os tais quarenta ou cinquenta simpáticos/as senhores/as que, em nosso nome, vão governando a vida. A deles e a nossa.

Bernardino da Purificação

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Hipótese excêntrica

A hipótese, admito, é arrojada. Se calhar, quase louca e a roçar o disparate. Mas, garanto-vos: tendo em conta alguns dos indícios fornecidos pelos factos das últimas semanas ou dias, ela pode ser racionalmente sustentada sem um esforço argumentativo por aí além.
Vejamos. Tem subido de tom nos últimos tempos a reflexão e discussão que alguns sectores da intelectualidade política lusa vêm fazendo sobre a eventual inexorabilidade de uma recomposição do sistema partidário nacional.
Sintetizando, é mais ou menos esta a tese que, tendo saído já do espaço diletante das tertúlias, vem sendo crescentemente amplificada:
a) os estudos de opinião revelam que o PS canibalizou o centro sociológico do país ao PSD;
b) os mesmo estudos revelam também que um aparente crescimento do BE e do PCP (a par das exigências das circunstâncias da economia global) forçarão cada vez mais o PS a tornar-se um partido pragmático e de geometria ideológica variável, mais centrista que socialista, mais do centro do que da esquerda; muito mais, em suma, social-democrata, nos termos em que ela é hoje entendida e teorizada;
c) nessas circunstâncias, e porque está no poder, tem melhores condições para ocupar e instalar-se no espaço político e sociológico que o PSD tradicionalmente reclama e ocasionalmente ocupa quando tem a responsabilidade da governação;
d) a conjugação destes dados poderá conduzir a uma cisão no PSD - de um lado ficaria a franja do partido mais ideologicamente contígua com o PS; do outro ficaria o PSD profundo, basista, popular e liberal, que se encarregaria de atrair para o seu seio a direita democrata-cristã que actualmente vive acantonada no PP.
A tese, embora discutível, é mais ou menos esta nas suas premissas fundamentais. E vem sendo de tal modo apelativa e intelectualmente estimulante que ainda não há muitos dias alguém com a notoriedade de José Miguel Júdice dava dela pública nota. É claro que alguns dos principais teóricos do PSD saltaram de imediato a terreiro tentando impedir que a ideia germinasse. Mas como geralmente acontece em períodos de crise, as ideias, por mais exóticas que possam parecer, acabam sempre por fazer algum caminho. E aqui retomo a hipótese de que falava no início deste texto: e se o dr. Jardim não estiver a fazer mais do que marcar uma posição na perspectiva de um eventual divórcio litigioso entre o eleitorado tradicional do PSD e os tais "barões e baronetes" que o líder madeirense tanto tem verberado?
Repare-se. Não é verdade que Alberto João Jardim tem vindo a subir o tom da expressão do seu distanciamento político relativamente aos candidatos (sobretudo Manuela Ferreira Leite) do sistema? Não é igualmente verdade que o dr. Jardim vem apelando a uma rebelião das bases contra os "notáveis" do partido? E não é verdade também que o líder insular já declarou com todas as letras que este não é o partido em que se revê? Claro que tudo isto é verdade. E quem o assegura são os factos. Deste modo, não creio que seja assim tão grande o salto lógico que nos leve a equacionar a estratégia de Jardim à luz da teoria atrás referida de recomposição do sistema partidário do país.
Seja: até ver, esta hipótese não passa de uma mera construção da razão. Mas quem disse que são sempre os acontecimentos, mais a força imanente que às vezes os impulsiona, quem determina a abertura dos caminhos do futuro?
Bernardino da Purificação

domingo, 27 de abril de 2008

Falta de comparência

A oposição política da Madeira é especialista em faltas de comparência. Está lá, mas é como se não estivesse. Anda por aí, parafraseando o inefável Santana, mas é como se não andasse em lado nenhum.
Eu sei que ela existe. Posso até jurar que já a vi umas três ou quatro vezes. Só que, por mais que me esforce, não lhe consigo recordar um golpe de asa, uma ideia.
Sejamos justos: a oposição na Madeira é com certeza um lugar perigoso. Sobretudo para quem não tem a mais pequena pachorra para o enxovalho constante, para me ficar apenas pela mais benigna das medidas de retaliação a que estão sujeitos os que resolvem dar uma expressão pública e política à sua discordância. Só que não me parece que esse facto desonere quem por lá anda da responsabilidade do trabalho e da competência.
Repare-se. O dr. Jardim anda há mais de uma semana a dar pública nota de que as suas preocupações se resumem a ele próprio, à sua carreira política, à reforma que considera ter direito, e ao prémio carreira que, por achar que merece acima de todas as coisas, é capaz de colocar à frente de outros interesses mais relevantes. E a oposição que faz? Nada. Limita-se a observar em silêncio, os crentes pondo velinhas aos céus para que o homem vá mesmo embora, os menos crentes acariciando a ideia de uma eventual partida como uma espécie de benção do destino, e os descrentes de todo limitando-se a procurar nas cartilhas o ensinamento dos clássicos para contingências semelhantes. Só que, entretanto, o dr. Jardim vai ocupando sozinho o espaço mediático regional. E, em consequência, pelo menos a manter-se o actual estado de coisas, só ele beneficiará com a manobra de comunicação que tem montada sobre o terreno. De que forma? Simples: deixando a ideia de que está claramente para além, e acima, da nossa política mais ou menos paroquial; ou então (que me seja permitido o futebolês), fazendo circular a impressão de que joga para um campeonato duma divisão superior. Ora, é preciso que alguém recorde à oposição uma realidade tão singela quanto esta: embora primacialmente apontada para o espaço mais vasto da política nacional, a manobra político-mediática do dr. Jardim tem de ter necessariamente uma leitura regional, que ultrapasse o mero e restrito universo social-democrata. Não apenas por nela estarem envolvidos meios do Governo. Mas sobretudo por conter zonas de sombra que importa esclarecer.
Alguém sabe, por exemplo, se o dr. Jardim pensou nas consequências regionais de uma sua eventual candidatura à liderança nacional do PSD? Por exemplo, caso ganhasse, quem ficaria no seu lugar no Governo? Haveria eleições antecipadas? Se sim, quando e com que candidato a presidente por parte do PSD? Já agora, com que programa? E a estabilidade política de que o PSD-Madeira assegura ser o único agente e garante? E a Autonomia? Como poderia ser ela perspectivada nesse novo quadro político? Passariam, o dr. Jardim e o PSD, a defender o estado unitário? Avançariam, ao invés, para a ruptura constitucional? Se sim, de que maneira e com que parceiros políticos?
Como se calcula, o elenco de questões com as quais Jardim deveria ser confrontado não se esgota neste singelo e apressado enunciado. O problema é que nem estas nem outras quaisquer foi a oposição ainda capaz de formular. E assim sai sempre a perder. Porque se o tivesse feito, não só embaraçaria o dr. Jardim, como repartiria com ele o espaço mediático. Mas mais do que isso: se o tivesse feito não permitiria que os eleitores pudessem pensar que temos uma oposição gazeteira ou uma oposição demissionária.
Bernardino da Purificação

sábado, 26 de abril de 2008

Um eterno Carnaval

Porque vai continuar na ordem do dia da política regional (muito mais desta do que da nacional), volto ao tema da putativa candidatura de Alberto João Jardim à liderança do PSD.
Quem se tiver dado à maçada de acompanhar as reflexões que tenho feito aqui no terreiro da luta, percebeu com certeza que não acredito, nunca acreditei, que o dr. Jardim admita, ou tenha admitido, ser candidato à direcção nacional do partido a que pertence. Pelo menos, desta vez.
Aceito que, nesta fase da sua vida política, Jardim possa não pensar noutra coisa. Não obstante, creio firmemente que, no seu exame de cenários e circunstâncias, o líder madeirense percebeu de imediato que não é este ainda o seu momento.
O que tem feito então o dr. Jardim: andado a brincar aos avanços e aos recuos, só para ir entretendo o fastio e o ócio que na sua conduta cada vez se percebe mais? Não, claro que não. Mesmo a despeito da sedução que nunca escondeu pelos aspectos lúdicos e puramente cénicos do jogo político. Mas então como explicar o aparente paradoxo da frenética acção dos últimos dias? Sem a presunção das teses acabadas, o que me parece é o seguinte: Jardim quer, de facto, ser líder do PSD; não só quer, como acha que um dia pode vir a sê-lo; não desconhecendo as linhas de fractura que minam a coesão do partido, sabe que é estratégica e tacticamente mais avisado aguardar que se vão progressivamente anulando, até pouco ou nada restar delas; percebe, por outro lado, que depois de uma experiência populista mal sucedida, o partido tem de passar necessariamente por uma solução política e mediaticamente mais susceptível de ser levada a sério (ainda por cima, com Cavaco, vigilante, a espreitar do seu gabinete de Belém); e não ignora também que uma sua saída precipitada e prematura deixaria atrás de si, na Madeira, um rasto de caos, de que se conhecem já, aliás, alguns afloramentos tão indigentes quanto patéticos. Isto é, Jardim sabe, em suma, que o PSD não está ainda suficientemente maduro para que possa tentar apanhá-lo sem riscos escusados. De maneira que, na minha modestíssima opinião, o líder insular não estará a fazer mais do que (espero que ninguém se incomode com o sabor agrícola da analogia) tentar colocar o seu alvo (a presidência do PSD) na estufa de um amadurecimento suficientemente rápido para poder apanhá-lo daqui a pouco mais de um ano.
É isso que penso: Jardim aposta tudo no rápido desgaste da solução que vier a sair destas próximas directas. Mas, para que possa ser ele a capitalizar esse desgaste, tem de deixar aos militantes do PSD (e até aos da restante direita) a ideia de que ele, e só ele, os advertiu dos tempos de desgraça que hão-de agora seguir-se aos tempos da tragédia menesista-santanista; e de que ele, e só ele, pode fazer a unidade mobilizadora capaz de recuperar o partido (e a restante direita) da previsível derrota eleitoral marcada para o próximo ano. Até porque nessa altura já não sobrarão nem Meneses, nem Santana, nem Ferreira Leite, nem outro qualquer representante da tralha cavaquista-barrosista. E ainda que, eventualmente, haja depois que contar com Rui Rio, Pedro Passos Coelho, ou mesmo Rebelo de Sousa, Jardim achará que essas são contas para fazer na altura devida. O que é preciso é que não esqueça o maior de todos os seus adversários: ele próprio. Porque há muito ainda a fazer (se é que alguma coisa pode ser feita) para destruir a imagem grotesca de um Jardim em cuecas, de dedo do meio elegantemente em riste, proferindo, com toda as letras, as indecorosas palavras: eu quero é que a Assembleia da República se f... É verdade que esta é uma imagem de Carnaval. Mas quem disse que o Carnaval não é quando o homem quiser...?
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Avançar para a rectaguarda

Estou perplexo com a forma como o dr. Jardim vem gerindo o processo de uma candidatura-que-esteve-para-ser que acabou por tornar-se numa candidatura-que-já-não-é. Não me refiro à forma como recua. Nada disso. Nesse particular, aliás, Jardim segue os manuais: para não perder a face, ensaia a retirada dando a entender que a qualquer momento pode regressar à linha da frente. Nada a dizer, pois, quanto isso. O que me suscita o reparo é, basicamente, o conjunto de incongruências em que o dr. Jardim tem incorrido. Para não falar da aparente ingenuidade que a dado momento acabou por revelar. Ou do complicado erro estratégico que logo de início cometeu.
As incongruências, primeiro.
Segundo o dr. Jardim, Manuela Ferreira Leite protagoniza uma candidatura de facção. Que divide em vez de unir. E que terá por isso escassíssimas hipóteses de derrotar o PS de Sócrates. Ora, é bem provável que o líder do PSD-Madeira tenha razão. Só que, seguindo a sua linha de raciocínio, compreende-se mal que Jardim tenha andado, primeiro, a tratar da sua eventual candidatura em encontros mais ou menos conspirativos com Luís Filipe Meneses, e acabado, depois, por declarar o seu apoio à então ainda só provável candidatura de Santana Lopes. Como quero acreditar que até os políticos são intelectualmente honestos, aceito tomar esta contradição de Jardim à conta de um vulgar e simples lapso. Lamento por ele: perdeu uma excelente oportunidade de, ao menos uma vez, ser congruente em todo este processo. Porque se Ferreira Leite é candidata de facção, o que dizer de uma qualquer candidatura da ala menesista, seja uma nada provável do próprio Jardim, seja a de Santana entretanto já no terreno, ou seja uma outra de um Mendes Bota qualquer? Ou será que Meneses não foi desalojado da liderança por, entre outras razões, não passar de um líder de facção, e de, em consequência, não ter conseguido unir o PSD?! Haja decoro.
Agora a ingenuidade.
Devo dizer que foi o que me deixou mais espantado. É que Jardim é um político experimentado. Tem fama de saber de cor os caminhos ínvios do jogo político. E diz quem o conhece que é difícil apanhá-lo desprevenido. Pois bem, até pode ser tudo isso e muito mais. Só que ninguém me tira da ideia que desta vez cometeu um grosseiro erro de avaliação. Repare-se. Porque pertencem ao mesmo espaço político-ideológico, de pendor populista e basista, nunca poderiam ser ambos candidatos. Se Jardim avançasse, Santana Lopes dificilmente avançaria e vice-versa. Ora, a dada altura, Jardim ter-se-á convencido de que Santana ficaria calmamente à espera da sua decisão. E é aqui que reside, a meu ver, o seu erro de avaliação. Não percebeu que para Santana seria sempre crucial ser candidato. Porque sem a conquista de um espaço vital no partido a sua carreira política poderia ficar em causa. Sendo que, nas actuais circunstâncias, só uma candidatura lhe poderia assegurar um espaço autónomo de intervenção política, não dependente dos humores de ninguém. Não obstante, Jardim deu-se ao luxo de ir tratando com Meneses de uma sua eventual candidatura, sem perceber (se percebeu, então é pior) que isso seria interpretado por Santana como uma sentença de exclusão. Pois bem, acabou por receber o troco. E fica-lhe mal dar agora a entender que Santana lhe poderá ter sido desleal.
Fica para o fim o equívoco estratégico.
É evidente que Jardim lá sabe com que linhas se cose, mas isto de deixar passar a ideia de que só uma coligação de direita é capaz de desalojar Sócrates cheira-me a erro crasso. Mesmo que isso possa ser verdade, não se anuncia a tanto tempo das eleições. Porque diminui o PSD. Porque o torna refém do CDS. E porque pode levar o "povo de esquerda", mesmo o que esteja zangado com Sócrates, a admitir um voto útil no PS. Não obstante, insisto: Jardim lá saberá.
Bernardino da Purificação

A contas com o passado

Como não sou bruxo nem adivinho, não sei de todo se alguma vez passou pela cabeça do dr. Jardim avançar mesmo para uma candidatura à liderança nacional do PSD. Para lá, obviamente, do esbracejar a que se entregou nos últimos dias, assim do género "agarrem-me, se não vou-me a eles". Como é patente, Jardim foi agarrado. De acordo, julgo eu, com os seus mais íntimos desejos. E nos termos, espero eu, da análise que ele próprio terá feito da situação.

Vamos lá a ver. Se o dr. Jardim quisesse de facto ser candidato, elevaria de tal maneira o limite das condições, ao ponto de exigir a desistência de todos os outros concorrentes? Só quem não conhece o PSD poderia imaginar um cenário semelhante. Ora, Jardim conhece. Porventura, melhor que ninguém. E assim sabe com certeza que a ala cavaquista-mendista-barrosista é como água e azeite relativamente à facção menesista-santanista-populista: podem coexistir no mesmo espaço, mas decididamente não se misturam. De maneira, que o cenário que Jardim colocou como condição para uma sua candidatura só poderia acabar como acabou: com um estampanço no tecto das coisas impossíveis. Porque Manuela Ferreira é muito mais do que ela na candidatura que lançou. E Jardim não o ignora. E porque a suportar a candidatura de Manuela está o sentimento de que é urgente reconduzir o PSD para patamares de respeitabilidade e credibilidade que as últimas lideranças têm posto em causa. E nem mesmo um político como Jardim poderia ignorar este facto. Mas como gosto de pensar que até na política há princípios, espero com franqueza que o pelo menos aparente recuo de Jardim possa ter ficado a dever-se a outros motivos.

Note-se. Jardim antecipou eleições, quase paralisou a vida da Região por causa delas, assegurou que tinha um programa para cumprir, exigiu aos eleitores que plebiscitassem as suas propostas, e agora, um escasso ano volvido sobre a turbulência política que provocou, pura e simplesmente resolvia cavar daqui para fora, ainda por cima deixando no lugar que o povo lhe deu um herdeiro destituído de legitimidade electiva? Não acredito. Ou melhor, não quero acreditar.

Mais. Em oposição ao que foi dito, pode-se sempre argumentar que, se porventura chegasse a ser líder do PSD, nada obrigaria Jardim a abandonar as suas actuais funções na Madeira. Mas então seria política e eticamente aceitável transformar o Governo regional em instrumento da guerra partidária do PSD contra o Governo central? Não acho. E espero sinceramente que Jardim também não.

Mais ainda. Ao longo do último ano, o líder madeirense andou a pedir a Cavaco Silva que interviesse no diferendo que opõe o governo regional a Lisboa, o presidente fez-lhe a vontade, veio à Madeira acompanhado do número dois do governo de Sócrates, fez da visita um panegírico a Jardim e à sua obra, passou deliberadamente ao lado de uma polémica provocada ou pela truculência ou pela imprudência do líder madeirense, e agora, borrifando-se totalmente para o esforçado sacrifício presidencial, resolvia pura e simplesmente ir embora, com a agravante de o poder fazer contra a linha social-democrata tida como herdeira de Cavaco e do cavaquismo? Sinceramente, não acredio. Ou, dizendo melhor, não quero acreditar.

É claro que estas minhas crenças sentir-se-iam muito mais confortáveis se o dr. Jardim não tivesse contribuído para alimentar as especulações sobre uma sua eventual candidatura à liderança nacional do PSD. Mas, como não gosto de fazer processos de intenção, prefiro ficar-me pelo que escrevi no sábado passado neste blogue: Jardim simplesmente gesticula para ver se o vêem e fala alto para ver se o ouvem. Porque sabe que o passado constitui um lastro que, para seu tormento, não conseguirá nunca atirar pela borda fora.
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A criminalidade encapuzada

Quem, como eu, seja um consumidor compulsivo de jornais, não pode ficar indiferente ao número cada vez mais elevado de casos de assaltos à mão armada que a imprensa regional tem vindo ultimamente a registar entre nós. Todos os dias, ou perto disso, somos supreendidos, de uma forma que já vai começando a banalizar-se, com preocupantes notícias de encapuzados e de roubos mais ou menos violentos.
Acredito que as autoridades de investigação estejam a fazer tudo que podem para combater uma praga que perturba a vida de cada vez mais pessoas, e belisca a imagem de tranquilidade que, apesar de tudo, ainda vai sendo associada à Madeira. Do que duvido é que as restantes autoridades estejam a fazer tudo o que lhes compete na urgente tarefa de atacar as causas de um fenómeno que merece ser encarado com seriedade.
Entendamo-nos. Eu sei que as abordagens ao fenómeno da criminalidade e da violência estão balizadas por dois pontos de partida teóricos de sinal contrário: um que entende que a violência, independentemente da forma que assuma e das causas que possa ter, só se resolve por via da repressão radical das suas manifestações; e um outro que, por olhar para a violência como um sub-produto de determinadas circunstâncias económicas e sociais, entende que a única forma eficaz de combatê-la é actuando a montante dos factos que a tornam visível.
No seu desenvolvimento, e se analisados ao arrepio da visão sistémica que a análise social exige, estes dois pontos de partida conduzem a outros tantos equívocos: ou à desresponsabilização de quem organiza a sociedade e dita as regras da economia; ou à quase desresponsabilização de quem pratica a violência, apesar da autonomia da vontade de que todos somos portadores.
Se repararmos, o discurso político está infelizmente demasiado contaminado por estas duas formas radicalmente distintas de ver o problema. É por isso que a direita opta por desenvolver uma retórica de matriz securitária. Mas é por isso também que, de uma forma mais ou menos contemplativa, a esquerda se limita a incluir a criminalidade no lote das múltiplas expressões das denominadas "contradições sociais" do capitalismo.
O mais grave, porém, é a costumeira atitude do poder político perante estas duas posições antagónicas. No meio do barulho que elas provocam, os governos ensaiam quase sempre fugas em frente. E mentem, na maior parte das vezes. Ou minimizando a importância dos problemas, para evitarem, conforme dizem, o alarme público. Ou refugiando-se em estatísticas mistificadoras da realidade.
Alguém, certamente céptico, disse um dia que há três maneiras de mentir. Uma é falsear a verdade. Outra é omiti-la. E a terceira é fazer estatísticas. Ora, o que todos nós esperamos é que, em cada momento, e independentemente do ruído político que possam fazer as esquerdas ou as direitas, o governo faça o que lhe compete, e não se fique no engano a que conduzem estes três caminhos falseadores da realidade. É preciso, pois, que dispense às polícias os meios humanos, materiais e legais suficientes para a repressão dos fenómenos de violência. Mas é preciso também que não esqueça as responsabilidades que tem ao nível da regulação da nossa vida social, bem como da informação que não pode deixar de ser dispensada aos cidadãos.
Ignoro, porque isso nunca nos foi dito por quem de direito, se há qualquer estudo sério sobre a expressão e natureza das causas da criminalidade que parece aumentar na Região. Mas sei que anda muita gente por aí excluída do desenvolvimento que se vê e apregoa; sei também que a política de alojamento e ordenamento urbano tem muito que se lhe diga (veja-se o que ocorre em determinados bairros periféricos); e sei igualmente que tem havido nos últimos anos um aumento da heterogeneidade do nosso tecido social, para me ficar por um eufemismo politicamente correcto. Creio, assim, que nenhum governo responsável pode fechar os olhos a esta realidade. Sob pena de poder deixar o problema nas mãos dos delinquentes e da gritaria dos radicais, sem cuidar de saber que entre uns e outros há cidadãos que não só têm direito à segurança, como necessitam de ter dela uma percepção satisfatória.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 22 de abril de 2008

Abuso da vontade alheia

O senhor presidente do Governo Regional defende a reedição de uma aliança dos partidos da direita, PSD e PP, tendo em vista um mais eficaz combate ao partido socialista. Como vivemos num país livre, o dr. Jardim tem todo o direito de pensar o que muito bem quiser e entender. E porque a liberdade de expressão é apanágio da democracia, tem obviamente também o direito de verbalizar aquilo que pensa. Aliás, bem vistas as coisas, o chefe do executivo madeirense tem todos os direitos e mais alguns. Até, como ontem aconteceu, o de aproveitar as cerimónias públicas para expressar as suas opiniões de dirigente partidário!
É capaz de ser embirração minha, mas confesso que o facto me impressionou. Então um presidente de governo vai inaugurar uma escola e, assim sem mais nem menos, desata a intervir nas querelas internas do partido a que pertence, adiantando receitas, propondo mezinhas, apontando soluções mais ou menos salvíficas? Não teria sido institucionalmente mais correcto dar uma conferência de imprensa na qualidade de presidente do PSD-Madeira para poder exprimir à vontade os seus pontos de vista partidários?
Como se calcula, as perguntas são meramente retóricas. Aliás, o próprio dr. Jardim não só lhes conhece as óbvias respostas, como de certeza que as antecipou no momento em que decidiu aproveitar a boleia da sua condição de presidente para intervir na qualidade de dirigente de um partido. Quem pensa que Jardim não tem um apurado sentido das conveniências, engana-se redondamente. E a prova provada de que o tem é o simétrico e não menos apurado sentido da provocação e da inconveniência de que tanto gosta de fazer alarde. Acreditem: o que ontem se passou numa escola da Ribeira Brava foi absolutamente intencional. Medido até ao milímetro. Planeado até ao pormenor.
O que o senhor presidente quis deixar bem vincado é que o Governo que lidera está empenhado em combater o partido socialista e o Governo por este suportado. E assim em jeito de união nacional da RAM, ou de sinédoque política (porque se toma o todo pela parte), procurou, com essa declaração, envolver-nos a todos na sua por certo patriótica tarefa.
Confesso que pensava que os governos governavam e os partidos combatiam. Um erro, já se vê. E tenho de admitir também que achava que a circunstância de pelo menos metade dos madeirenses não ter votado no partido do poder deveria constuir um obstáculo ético a esta censurável tentativa de generalização e apropriação da vontade alheia. Outro erro, como é evidente. Porque, afinal, se a política tudo permite a quem exerce o poder, é porque não há a mais pequena margem para limitações de ordem ética. Tão cristalino como a água. E esse é que é o verdadeiro problema.
Bernardino da Purificação

domingo, 20 de abril de 2008

Séneca e os paus mandados

O dr. Cunha e Silva tem uma percepção desfocada da realidade. Aprendeu com Jardim a rodear-se de paus mandados. E, tal como sucedeu a Jardim, ele também vive já no isolamento da sua torre de marfim. Primeiro erro: não percebeu, se calhar porque nunca lho explicaram, que até os paus mandados desenvolvem interesses próprios nem sempre coincidentes com os do chefe a quem devem e juram obediência. Segundo erro: não quer perceber, porque o ego não deixa, que o constante elogio dos paus mandados não é mais do que um truque de quem lhe conseguiu apanhar o ponto fraco. Terceiro erro: não consegue perceber, porque isso é coisa que não lhe interessa, como é virtual a realidade que lhe chega através dos olhos dos seus paus mandados.
Ao dr. Cunha e Silva basta-lhe, pois, o que lhe dizem, vêem e ouvem os seus colaboradores mais chegados. Para além, é claro, das sentenças de Reader's Digest que, em forma de livro de citações, lhe decoram a secretária e a cabeceira, e que ele utiliza metódica e sistematicamente nas prédicas quinzenais da revista do Diário (o homem, imagine-se, até cita Séneca!). Não admira: de tanto se levar a sério, tem-se na conta de um verdadeiro líder; e de tanto lhe acenarem com a hipótese de mandar nesta terra de trezentas mil almas, acabou por ver-se como um verdadeiro escolhido do destino. Veja-se bem do que é capaz uma explosiva mistura de paus mandados com doses homeopáticas de cultura em forma de citações!
Cunha e Silva acha-se, em suma, sucessor por direito próprio, e candidato à sucessão por força dos seus incontáveis méritos. E nem sequer percebeu ainda (se calhar, porque Séneca não lho explicou nas citações a que acedeu) que não é mais do que um simples peão de um jogo de xadrez alheio (vá lá, concedo, dada a função que tem, até pode ser que seja bispo).
Apetece, pois, lembrar o que o dr. Cunha e Silva faz questão de esquecer.
O lugar de vice-presidente só foi criado e teve existência quando tal conveio ao dr. Jardim. Nunca se tratou de premiar ou escolher quem quer que fosse. Nem, como os factos demonstram, amarrou o dr. Jardim a qualquer sentimento de gratidão ou de dívida política.
Quando Miguel de Sousa foi vice-presidente, Jardim espreitava a possibilidade de dar um fôlego nacional à sua carreira. E agora, com Cunha e Silva, o que estava em cima da mesa era a possibilidade de Jardim vir a trocar o Funchal por Bruxelas, e o seu lugar de presidente do Governo regional pelo cargo de comissário europeu (assegura quem sabe que Durão Barroso e Morais Sarmento lho haviam prometido).
Ou seja, em ambos os casos, o lugar foi criado à medida das necessidades, da estratégia e dos interesses particulares de Jardim. E como um dia destes se há-de ver, à vice-presidência de Cunha acabará por suceder o mesmo que à vice-presidência de Sousa: isto é, lá veremos o fim da experiência; e lá assistiremos a mais um salto para a geração seguinte. Porque, para supremo azar, primeiro do presidente, e depois do actual vice, a porta europeia fechou-se para Jardim no momento em que Barroso foi desafiado a chefiar a Comissão Europeia. Tal como antes (ou seja, exactamente quando o PSD se entregou a Cavaco) se lhe havia fechado a janela que podia dar para uma carreira política nacional.
É claro que, já avisado, Cunha e Silva tentou imprimir uma marca porventura mais autónoma à sua vice-presidência. E o resultado aí está aos olhos de todos em forma de cartazes gigantescos que quase nos asseguram que há dois governos - um da Região, o de Jardim, e outro da vice-presidência, o de Cunha. Só que, com Jardim irremediavelmente confinado aos estreitos horizontes da ilha, nem o frenesi obreirista, de que tanto se orgulha o dr. Cunha, lhe há-de mudar o destino. Experimente perguntar a Séneca e logo verá. Mas vá directamente à fonte. Não se limite às impressões dos seus paus mandados. Nem se contente com a homeopatia dos livros de citações.
Bernardino da Purificação

sábado, 19 de abril de 2008

A razão e o instinto

Por muito que dele queiramos fugir, acabamos sempre apanhados pelo passado. No mais das vezes, o facto é uma arreliadora maçada: confronta-nos com os esqueletos que passamos a vida a tentar esconder no armário do esquecimento. Mas, por outro lado, o facto acaba por dar-nos uma certeza reconfortante: por mais voltas que dêm alguns, a impunidade é muito mais relativa e contingente do que possa supôr a sua presunção.
Embora não o lamente, também não o digo com gozo. Mas estou em crer que, desgraçadamente para ele, o dr. Jardim vem vivendo, nestes últimos dias, um desses infelizes momentos de acerto de contas com o passado.
Explico-me. Se repararmos, nunca o PSD esteve tanto à mercê de um qualquer aventureiro. Não obstante, apesar do seu voluntarismo e da elevada conta em que se tem, o dr. Jardim não tem a mais pequena hipótese de lhe deitar a mão. E, assim, vai consumindo os dias a pôr-se em bicos de pés a ver se o vêem. E a falar alto sobre os vários candidatos que vão aparecendo para ver se o ouvem.
Façamos um esforço e reconheçamos, sem alegrias, tristezas, ou estados de alma quejandos, que deve ser um exercício penoso, o do líder regional do PSD. Mesmo que os suspeitos do costume se tenham apressado a declarar ao país que Jardim é sempre um bom candidato. E mesmo que os candidatos conhecidos só não sejam improváveis porque, entretanto, Santana, Meneses, e tutti quanti a eles se alaparam (do indizível Mendes Bota ao inenarrável Rui Silva), se deram, com um zelo digno de nota, ao trabalho de colocar a fasquia da exigência à altura de um pé descalço.
Não levemos a sério, pois, a afirmação de Jardim de que apoiaria uma potencial candidatura de Miguel Cadilhe. Com ela, o que Jardim quer (sei eu, como diria o Gato Fedorento) não é mais do que afirmar que nunca há-de apoiar ninguém (para além, é claro, de procurar assim associar-se à imagem de respeitabilidade e credibilidade que Cadilhe tem, mas que, por exclusivas culpas próprias, Jardim tem cada vez menos). Porque sabe que Miguel Cadilhe nunca se meteria em aventuras de directas. E porque não ignora que o tempo que nos separa das eleições social-democratas não dá a mínima hipótese a candidatos sem boa imprensa, sem o suporte de alguns barões, ou destituídos de apoios ao nível do aparelho partidário.
Ou seja, o que ele quer é acenar aos candidatos efectivos esta singela mensagem político-aritmética: na Madeira há uns milhares de votos prontos para um negócio que possa parecer lucrativo. Para ambas as partes? Claro que não. Jardim não tem pachorra, nem feitio, nem tempo para pensar em repartir lucros em negócios que possa vir a fazer. Muito menos com candidatos sem pedigree político, como Aguiar Branco, ou com soluções de passagem, como Pedro Passos Coelho.
Aliás, racionalmente, ele até acha que Ângelo Correia joga bem e está certo quando, depois de tirar suavemente o tapete a Meneses, insinua agora um discreto apoio a Passos Coelho, ao mesmo tempo que, prudentemente, espera que Ferreira Leite ou Rui Rio se definam. Jardim exulta com estas manobras. Porém, o instinto de outsider, que já tomou conta dele, só lhe indica um caminho: começar por nunca apoiar ninguém, mas aceitar fingir, sempre sob determinadas condições (que é como quem diz com reserva mental), que quem vier a ganhar poderá vir a ser ungido, quem sabe, com o benefício do seu desprendido apoio.
Mas é pena. Isto estava mesmo era ao seu jeito. O problema é o passado. Tanto o remoto, como o recente. Ou, dizendo melhor: o problema é a memória dos que não esquecem nem o passado remoto nem o passado recente. E eu tenho para mim que os próximos dias ainda são capazes de mostrar que a memória é o maior inimigo dos políticos. Sobretudo dos que, ao arrepio do que recomenda a razão, se deixam controlar e dirigir pelos instintos.
Bernardino da Purificação

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Funchal: a eficácia ou o brilho?

Manda a honestidade intelectual que declare, desde já, que não tenho a certeza de que a minha análise traduza com rigor a realidade. Não vejam nela, portanto, qualquer grelha de observação de adesão obrigatória. E resistam à tentação de a ela aderirem de forma desprevenida e acrítica. Dito isto, porém, há uma coisa que garanto: ela corresponde exactamente ao que penso; está em total acordo com as impressões que venho colhendo ao longo de vários anos de obervação atenta; e não tem qualquer motivação enviezada ou escondida.
A questão que se segue é a mais importante: falo de quê? Eu explico. Em texto anterior relacionado com a desastrada afirmação de Jardim sobre a Assembleia Legislativa da Madeira, escrevi que o líder madeirense exerce a sua função no cómodo respaldo de dois amortecedores de desgaste político: um situado a montante do poder político regional - o governo central; e outro situado, por força das precedências políticas, a jusante desse poder - as câmaras municipais da Região. Como é bom de ver, esta afirmação exigiu uma reflexão sobre a actividade das câmaras e dos seus presidentes, que acabou por se centrar no município do Funchal, dada a sua extensão territorial e a sua importância política e simbólica. Ora, é de um aspecto particular dessa reflexão que trata o texto de hoje.
O que se passa é que dei comigo a concluir o seguinte: não tenho a certeza de que o Funchal ganhe alguma coisa, enquanto cidade, com o facto de ser ocasionalmente presidido por políticos de alto perfil. Ao contrário, sou levado a crer que alguns dos erros urbanísticos e demais equívocos de planeamento são, em grande medida, provocados pela circunstância, nada inocente ou singela, de certos presidentes poderem ter uma agenda política paralela (e, em muitos casos, sobreposta) à agenda autárquica.
Faça-se uma retrospectiva e medite-se um pouco nos mandatos de Virgílio Pereira. O que é que resultou para a cidade desses mandatos? Sinceramente, o que retenho é uma distribuição, com critérios eleitorais óbvios, de uns saquitos de cimento; um ostensivo fechar de olhos à forma anárquica como a cidade foi galgando as agora chamadas zonas altas e super-altas (Santo António e, em particular, São Roque); e uma grande atenção aos aspectos da comunicação. Compreende-se: Virgílio Pereira foi um presidente de Câmara com ambições políticas de outra ordem. E essa circunstância marcou a sua acção. É claro que não esqueço o que de muito foi feito na área ambiental. Só que, convenhamos, a política ambiental da Câmara de Virgílio, teve um nome e um rosto diferentes dos de Virgílio - os de Raimundo Quintal.
Diagnóstico similar pode ser feito a propósito dos mandatos de Miguel Albuquerque. Independentemente das simpatias que o actual presidente da Câmara Municipal do Funchal possa recolher junto do eleitorado, o que é que se retém dos seus sucessivos mandatos? Mesmo correndo o risco de poder parecer excessivamente rigoroso ou injusto, parece-me que muito pouco, tendo em consideração todo o aparato comunicacional e mediático que tem tido no seu centro, não o município, mas o próprio presidente da Câmara.
Certo: o passeio marítimo existe; os serviços camarários foram informatizados; algumas escassas medidas de apoio à habitação social estão no terreno; as Poças do Governador estão valorizadas; a Ponta Gorda foi beneficiada; e algumas ruas foram "devolvidas aos munícipes", no dizer dos clichés da propaganda. Mas, com franqueza, não será isto (a par de uma boa meia dúzia de licenciamentos feridos de ilegalidade e polémica) demasiado escasso para tanto tempo de mandato? Não deve o Funchal ambicionar bastante mais, agora que dobra os quinhentos anos?
É claro que sei que, com toda a probabilidade, alguma outra coisa estará a ser feita em vários outros domínios. Mas basta passar os olhos pelos jornais para concluirmos que as obras atrás citadas correspondem aos grandes emblemas escolhidos pelo próprio presidente da Câmara. Ora se é ele quem os escolhe, é porque lá terá a consciência de que a pouco mais se pode agarrar.
Em clara oposição a estes dois exemplos, temos a gestão camarária de João Dantas. Por não ter um perfil político elevado, quase ninguém se lembra do que fez pela cidade. E por não ter uma estratégia pessoal de comunicação, somos levados à injustiça de não ver nele o melhor presidente da Câmara que o Funchal teve depois do 25 de Abril.
Assim de memória recordo apenas algumas das realizações da Câmara do seu tempo: lançamento de uma rede de esgotos estruturada por toda a cidade; alargamento da rede de distribuição de água potável às zonas altas e super-altas do Funchal; ampliação do sistema de recolha de lixo; criação de duas novas centralidades que são as praças de Colombo e do Carmo; e, note-se bem, elaboração de um plano rodoviário que contemplava o prolongamento da Avenida do Mar para leste, que teria o mérito de resolver muitos dos estrangulamentos de trânsito que hoje em dia se verificam na cidade, mas que Miguel Albuquerque fez o favor de mandar às urtigas com a ideia peregrina de desqualificar o velho Almirante Reis.
Feito este exercício de memória, a que conclusão fui forçado a chegar? À mais óbvia: o Funchal, enquanto cidade, ganhou quando teve na presidência alguém confortável com a sua função de autarca; ou seja, alguém que mais nada ambicionava em termos pessoais ou políticos. É claro que uma Câmara assim dirigida acaba por herdar a imagem politicamente baça de quem a preside. Mas o que pode perder em termos de projecção e imagem mediática, ganha com certeza em termos de dedicação e eficácia. E isso, a meu ver, faz toda a diferença. Para melhor, já se vê.
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A mercearia e a concorrência

Pelas notícias de hoje, deu para perceber que a comunicação social vai ocupar a agenda do PS-Madeira nos próximos dias. Não admira: segundo a tese oficial socialista, a sua posição relativa no contexto eleitoral passa em grande medida pela forma como os media veiculam, ou não veiculam, a sua mensagem. Daí a forte pressão política exercida não há muitas semanas sobre a RTP-Madeira, a pretexto dos seus critérios editoriais. E daí também a nova ofensiva política, mediática, e, novidade das novidades, também judicial, ensaiada agora a propósito da situação atípica, e porventura ilegal, que caracteriza a actual fase do Jornal da Madeira.
Convenhamos que o PS tem razão ao colocar a questão do JM da forma que coloca. Na verdade, é a todos os títulos imoral que uma empresa detida e mantida pelo sector público se permita o desplante de entrar no mercado publicitário com práticas de dumping. Isso só acontece porque nesta terra não há um mínimo de respeito pela iniciativa privada. Pelo menos, no sector da comunicação social. Se houvesse, no preciso momento em que escolheu a opção de tornar-se gratuito, o JM cessaria de imediato as suas incursões no mercado publicitário. A menos que esse passo se inserisse num plano devidamente pensado e estruturado de tentativa de viabilização da empresa e da sua centena de postos de trabalho, que levasse a que, por exemplo, e à semelhança do que ocorre com a RTP, todas as receitas da publicidade servissem para ir amortizando o seu gigantesco passivo. Mas que passasse também pela definição de uma política editorial condizente com a sua condição de empresa pública. Como não é isso que acontece, o que se constata é que o JM não só não cumpre a função de serviço público a que estará obrigado, em função da sua condição de órgão integralmente detido pela Região, como desrespeita as regras da concorrência.
Nestas circunstâncias, o que parece evidente é que o único plano efectivamente existente, no que toca ao Jornal da Madeira, é, por um lado, continuar a utilizá-lo como veículo da propaganda do Governo e do partido do poder. E, por outro (é esta a única, refinada e perveresa novidade), como instrumento de pressão e chantagem sobre os jornais privados: se estes se "portarem bem", acabará um dia a publicidade no JM; mas como fazem questão de se "portar mal", terão santa paciência, mas vão ter de pagá-lo nas contas dos anúncios.
Decididamente, os críticos têm razão: o JM, de uma única penada, não só desvirtua as regras da equidade política, como arrasa as regras da concorrência comercial. E o pior é que, um dia, quem vai pagá-lo, injusta e imerecidamente, serão as mais de cem famílias que dele dependem em termos de subsistência. E tudo isso porquê? Apenas e só porque quem manda comete o miserável desrespeito de continuar a vê-los, não como as pessoas e profissionais que são, mas sim como meros instrumentos das suas pequeninas vontades e caprichos de ocasião.
E sobre a RTP, que dizer? Por agora, mas prometendo voltar ao tema em próxima oportunidade, digo apenas que, embora o compreenda, lamento profundamente que o tom das críticas e das respostas se tenha situado ao nível de uma contabilidade que só não é de mercearia, porque em vez de arroz e feijão, pretende medir tempos de antena. É que para lá dessa discussão centrada na espuma do confronto político, o que a RTP precisa é que se discuta que modelo de televisão pública pode e deve ter uma Região como a nossa, idependentemente de quem estiver no poder. Só que isso, pelos vistos, é pedir de mais.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 15 de abril de 2008

A casa de pasto

Do discurso que Cavaco Silva teve que proferir antes do banquete da Assembleia Legislativa houve uma passagem que me agradou particularmente. Terá sido a única, devo dizer, já que a restante arenga praticamente se limitou a percorrer, sem rasgo nem variações, a escala das palavras que são de circunstância.
Ora, disse Sua Excelência o seguinte: "Da parte dos poderes regionais deve ser cultivada a dignidade que justamente reclamam para si próprios". Na mouche. Só foi pena que o presidente tivesse reduzido a questão da dignidade a oitenta e sete caracteres (podem contá-los à vontade), num discurso de alguns milhares, quando, afinal, era sobre ela que os madeirenses esperavam que se falasse.
É claro que pode sempre alegar-se que o chefe de Estado não estava nada à espera que Jardim não resistisse a armadilhar-lhe a visita. Conceda-se: muito provavelmente, os seus assessores tinham apontado para um discurso mais ou menos neutro e cheio de lugares comuns - um discurso, em suma, adequado a um ambiente normal ou próximo da normalidade. Confiaram em Jardim, os ingénuos. Só que com Jardim nunca é de fiar. Como toda a gente sabe. E como Cavaco e os seus assessores tinham a obrigação de saber. Conclusão: apanhados de surpresa (!), os escribas da Presidência só terão tido tempo para uma pequena adenda. E lá arranjaram maneira de enxertar no discurso de circunstância as tais supracitadas oitenta e sete letrinhas, correspondentes a uma sentença com um total de dezasseis palavras. E a coisa ficou assim a saber a pouco, quase nada.
Digamos, pois, que Cavaco se limitou a cumprir os serviços mínimos. E foi pena. Porque se o preocupasse, de facto, a dignidade das instituições autonómicas, não se teria ficado por um acrescento de dezena e meia de vocábulos a um discurso cheio de coisa nenhuma. Teria com certeza ido mais longe. Só que, pelos vistos, teve medo de despertar a truculência malcriada do senhor da ilha. Mas esse, claro, já não é um problema de Jardim. É do Palácio de Belém, onde mora um presidente que, no mais completo descaso da dignidade das instituições autonómicas que diz defender, aceitou vir à Madeira para, entre outras coisas, ir a um banquete à casa da nossa democracia.
Carradas de razão têm, pois, todos os que dizem que o Presidente não deveria ter aceite que, no âmbito da sua visita, se tivesse entendido dispensar a realização de uma sessão solene da Assembleia Legislativa da Madeira. É evidente que não tinha, nem tem, poderes para impô-la. Mas tinha, ao menos, o direito e a capacidade de recusar o papel de comparsa maior de uma deliberada desconsideração do parlamento madeirense, entretanto ampliada pela atoarda de Jardim. Reduzir a casa da nossa democracia a mera casa de pasto, não é coisa que um presidente da República possa ou deva aceitar. Porque, se não, fica a faltar-lhe a legitimidade para falar da dignidade das instituições autonómicas. Mesmo descontando o facto nada singelo de a sua exortação lhe ter ocupado menos do que dúzia e meia de palavras.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 14 de abril de 2008

A im(p)unidade política

Se alguém se atrevesse a escrever ou dizer que o dr. Jardim pertencia a um "bando de loucos", o mais certo é que apanhasse com um processo judicial. Por muito menos do que isso já muita gente se sentou no banco dos réus. E por bastante menos do que isso já muita gente foi condenada.
Em tempos idos, como se sabe, o bom nome resgatava-se com um par de tabefes. Agora é diferente. Porque mais sofisticados, engendrámos várias instâncias de mediação de conflitos. E porque mais civilizados, é na Justiça que reparamos as injúrias. Nada a dizer: a acção directa não é coisa que se recomende, ainda que por vezes a gravidade ou a frequência de certas afrontas possam ser um teste difícil até à paciência de um santo.
Consumado o intróito, convém esclarecer o seguinte: interessa-me pouco continuar a chover no molhado. O que me traz hoje aqui não é o problema das relações de Jardim com o parlamento e com a oposição parlamentar. Nem muito menos o dos excessos verbais verificáveis no confronto político regional. O problema é outro: é o de saber se todos os cidadãos são iguais perante a lei, ou se, ao contrário, há cidadãos mais iguais do que outros por imperativo da própria lei.
No fundo, a questão é esta: se eu chamasse louco ao dr. Jardim, levaria com um processo, seria julgado, e com toda a probabilidade condenado. Em processo crime. E em instância cível. E o mais certo é que me servisse de emenda. Mas se fosse o dr. Jardim a chamar-me louco a mim? Que poderia eu fazer perante o agravo? De acordo com a lei, teria a possibilidade de intentar uma queixa-crime, bem como o direito de, em processo cível, tentar ir ao bolso do meu ofensor. O problema é que todos sabemos que não é assim que se passam as coisas. Por ser um simples cidadão, eu teria de responder perante duas jurisdições: uma crime e outra cível. O dr. Jardim, por ser político e ter imunidade, só teria de responder, em tempo útil, perante uma: a cível. Mesmo que o demandasse em processo-crime, sua excelência só iria responder lá para as calendas, quando deixasse de ocupar funções políticas, ou seja, quando já tivesse deixado de fazer qualquer sentido julgar a razão da minha queixa.
Em suma, por ser um simples cidadão, eu sairia do tribunal como delinquente e com uma obrigação indemnizatória às costas. Ao passo que o dr. Jardim, por ter sido eleito deputado, por ser presidente do Governo, e por pertencer, por via disso, ao Conselho de Estado, seria apenas civilmente responsabilizado. Mesmo tendo ambos cometido a mesma falta.
Sem pretender alinhar pelo discurso fácil anti-políticos, parece-me que é cada vez mais urgente debater a questão das imunidades. Não com o objectivo de eliminá-las. Mas sim com o propósito de delimitar o seu âmbito bem como as condições do seu exercício.
É claro que, no quadro de uma democracia representativa, os eleitos devem poder exercer a sua função com o mínimo possível de constrangimentos. Mas daí até poderem ofender tudo e todos mais ou menos impunemente vai a distância que separa o razoável do indefensável. E o mesmo se diga da possibilidade que têm de distribuir processos a torto e a direito, sem que o mesmo lhes possa acontecer, em virtude da forma demasiado lata com que a imunidade política se aplica e exerce.
Dada a exiguidade e natureza deste espaço, o tema não pode aqui ser abordado com a exaustão que merece. Ainda assim, atrevo-me a avançar com a seguinte proposta: haja a justiça, o discernimento e a decência de alterar a lei por forma a que os políticos tenham obrigatoriamente de suspender a sua imunidade quando entendem maçar alguém com processos-crime. Uma vez que a suspensão só produziria efeitos para aquele processo em concreto, nunca constituiria qualquer limitação à actividade política. E teria pelo menos dois méritos: quem fosse visado ficaria em pé de igualdade, podendo responder à medida e da mesmíssima forma; por outro lado, nenhum político ousaria sequer pensar, como frequentemente acontece, que tem o perverso direito de utilizar a Justiça como instrumento de perseguição pessoal ou política. Acreditem que esta situação ocorre muito mais vezes do que se imagina. Em prejuízo da qualidade da nossa democracia. E em claro (e cobarde) atentado aos direitos das vítimas.
Bernardino da Purificação

domingo, 13 de abril de 2008

Um bando de loucos

É impressionante a forma como o dr. Jardim consegue manter refém da sua todo-poderosa vontade o presidente da República e a Assembleia Legislativa da Madeira. Impressionante e, devo dizê-lo, lamentável. Então o presidente da República vem à Madeira em visita oficial, o parlamento não o recebe em sessão solene porque alberga "um bando de loucos", de acordo com as mimosas palavras do chefe do governo madeirense, e o chefe de Estado aceita e nada diz? Estranho. Cavaco Silva engole a afronta de só poder encontrar-se com o tal "bando de loucos" à mesa da informalidade de um jantar. O presidente da Assembleia Legislativa aceita passar pela vergonha de ser apresentado ao chefe de Estado como o homem que dirige o manicómio. Os deputados vergam-se sem um um pio perante a sua pública desconsideração. E quem os elegeu rebola-se de gozo por mais uma demonstração do desconchavo verbal do seu divertido líder.
Estranho? Se calhar, nem por isso. Jardim tem, de facto, um poder imenso. Para além de praticamente inamovível (sem que possa cair-se em rupturas capazes de, no limite dos limites, fazer perigar a unidade do Estado) o presidente do Governo Regional goza de um privilégio que nenhum outro poder eleito detém neste país: governa sem ónus. Para ele a governação só tem benefícios: não há medidas impopulares para aplicar; não há impostos para lançar e cobrar (ainda que a lei o admita); não obstante, há dinheiro suficiente, e ainda bem, para fazer obras e resolver problemas a pessoas eternamente agradecidas.
No caso específico da Madeira, a configuração constitucional da Autonomia permitiu, na verdade, este pequeno monstro democrático: o presidente do Governo regional consegue ter a vida mais facilitada do que um autarca ou do que um membro do governo central. Porque está suficientemente distante da enxurrada e do buraco da estrada para não ter de aturar a indignação popular; porque se encontra suficientemente próximo da grande obra pública para açambarcar louros e méritos que nem sempre são seus; e porque anda alegre e suficientemente à margem das grandes decisões de política económica para poder responsabilizar o estado central por tudo o que de mau nos possa acontecer.
Isto é, o actual figurino constitucional da Autonomia permitiu à Quinta Vigia ter-se transformado numa espécie de bunker dotado de dois preciosos amortecedores de impopularidade: as Câmaras municipais, por um lado, e o Governo central, por outro. Quer isto dizer que Jardim não tem mérito? Nada disso. O que isto quer dizer é que o poder de Jardim se exerce, no plano formal, numa espécie de terra de ninguém (onde não há culpas, responsabilidades, ou pecados originais)que ele soube perceber, ocupar e fazer sua. É por isso que não acredito que fale com grande convicção quando reivindica para a Madeira uma autonomia tendencialmente ilimitada. Não obstante, toda a gente parece recear a chantagem. Até, pelos vistos, o presidente da República. Pelo que ninguém neste país parece sentir-se com suficiente força política e legal para explicar ao dr. Jardim que a democracia tem regras e o seu poder tem limites. E assim vamos andando de desconchavo em desconchavo.
Bernardino da Purificação

Cunha e Miguel: uma coligação possível?

Diz quem viu que, no domingo em que se encerrou o congresso do PSD, Miguel de Sousa e João Cunha e Silva andaram, quase de braço dado, a passear no Madeira Shoping. Ao que parece, a cena terá sido verdadeiramente enternecedora: dois responsáveis políticos que se detestam exibindo uma cumplicidade carregada de significado. Bonito. Nada melhor do que o alarme de um estado de necessidade para aproximar companheiros desavindos.
Quem viu diz também que o passeio teve todos os ingredientes das verdadeiras encenações. O que não me espanta: em primeiro lugar, a plateia era mais que muita, o que dá sempre imenso jeito a quem quer fazer passar uma determinada mensagem; depois, toda a gente sabe que nem Cunha e Silva nem Miguel de Sousa brincam em serviço quando em causa pode estar o futuro. Ora, como no caso de ambos o futuro (o político, entenda-se) começou a acelarar-se no passado congresso, nada melhor do que fazer passar a ideia de que os rancores do passado estão definitivamente enterrados. Mesmo que isso possa ser uma rematada mentira.
Quando me contaram o enlevo com que andou a exibir-se semelhante par, confesso que não fiquei propriamente surpreendido: eu sei que eles sabem que, nas actuais circunstâncias, uma aliança é-lhes muito mais útil, ainda que de difícil digestão, do que uma guerrinha inconsequente e estéril; e sei também que eles sabem que, sobretudo em circunstâncias como as actuais, é-lhes politicamente mais proveitoso engolir uma dose, por mais indigesta que seja, de pragmatismo.
Que circunstâncias são essas? As que se conhecem: Albuquerque, apesar da reconhecida antipatia jardinista, não está disposto a entregar os pontos (veja-se, aliás, a entrevista que deu ao Expresso do passado sábado), e conta com os apoios de Jaime Ramos e Miguel Mendonça; Manuel António é, conforme Jardim disse pela boca de Marcelo, o preferido do momento; e Guilherme Silva continua, desinteressadamente, a aceitar imolar-se como solução transitória. Ora, neste quadro, e porque marcar homem-a-homem três ou quatro adversários directos é tarefa praticamente impossível, Cunha e Silva e Miguel de Sousa terão, provavelmente, resolvido colocar um parêntesis na quezília pessoal que os desunia, e contrapôr a outras alianças a sua própria coligação. Reflectindo um pouco, se calhar terá sido por isso que Miguel de Sousa adoptou neste congresso um perfil propositadamente baixo que de todo não lhe encaixa.
Neste quadro, e partindo do princípio que ele é real (alguém um dia disse que só o real é racional, e só o racional é real), o que importa é perceber os termos do negócio entre ambos celebrado. Eu sei que é atrevimento conjecturar sobre ideias, intenções ou pensamentos alheios. Mas não me admirava nada que as condições do acordo pudessem passar pela seguinte partilha: o governo para Cunha e Silva, e a Assembleia para Miguel de Sousa. Com a vantagem de assim poderem garantir a Jardim a mais pacífica das sucessões possíves.
Bernardino da Purificação

sábado, 12 de abril de 2008

Ainda a estátua de Jardim

Um texto que há dias escrevi a propósito da mais recente paródia do PND contra o dr. Jardim (sob a forma de proposta de elevação de uma estátua de cinquenta metros em homenagem ao líder madeirense) suscitou um comentário de um visitante deste blog que se identifica como amsf.
No texto em questão, que pode abaixo ser lido na íntegra, defendi a idéia de que obrigar a casa dos representantes do povo da Madeira a discutir propostas assumidamente ridículas acaba por ter o efeito perverso de ridicularizar a própria Assembleia. E deixei expresso o entendimento, que aproveito para reiterar, de que o legítimo direito de combater o jardinismo não ganha nada em passar pelo achincalhamento, que considero ilegítimo, das instituições autonómicas.
Em contraponto com esta posição, o comentário de amsf, do qual se deduz um apoio inequívoco à paródia do PND, lança para reflexão as seguintes três ideias:
1) Quem pugna pela dignificação da Assembleia Legislativa da Madeira é cúmplice de uma instituição que aceitou submeter-se ao poder executivo regional, em total desconformidade com a matriz eminentemente parlamentar do regime autonómico;
2) Se a ALR pretende ver reconhecida a sua dignidade institucional, então deve fazer por merecê-la;
3) o humor cínico é a arma legítima dos que, sendo sérios, não vêem a seriedade reconhecida e recompensada.
Com o devido respeito pela opinião alheia, devo retorquir que me parece que estes argumentos são portadores de alguns equívocos, no que toca à observação da realidade, e encerram alguma confusão de conceitos.
Vejamos. Não creio sinceramente que os que defendem a dignificação da Assembleia Legislativa da Madeira sejam cúmplices de quem ou do que quer que seja. Nem objectiva, nem subjectivamente. Se, por razões de classificação, eles tiverem de ser alguma coisa, direi que serão simplesmente autonomistas. É esse o meu caso. Não confundo autonomia com jardinismo, nem sistema de autogoverno com conflitualidade partidária.
É claro que tenho consciência de que o PSD é visto muitas vezes, por ele próprio e pelos seus adversários, assim como uma espécie de partido institucional da autonomia. Só que essa é, a meu ver, uma percepção simplista e/ou oportunista potencialmente perigosa, uma vez que acaba por conduzir as restantes forças partidárias à exclusão do arco autonómico. E, no limite, pode levar à aparência de que combate a autonomia quem combate o PSD. Só um observador apressado ou desatento não conseguiu perceber ainda que o PSD se tem alimentado dessa confusão de perspectiva. Donde, e sem qualquer ofensa, quem me parece ser objectivamente cúmplice da perversão do regime é quem não consegue separar as águas, ou seja, quem ainda não percebeu que só é possível combater o jardinismo e o PSD no quadro do regime autonómico e das suas instituições políticas.
A Assembleia está governamentalizada? Pois está. Essa é uma situação anómala e, no limite, anti-democrática e anti-autonómica? Pois com certeza. Mas isso resolve-se achincalhando-a ou transformando-a em palco de comédia? Com franqueza, não me parece. Essa, aliás, insisto, tem sido a estratégia do partido do poder. Ou será que não é também por essa via que se explicam algumas das boçalidades que por lá vamos observando?!
Dito isto, seria pouco sério da minha parte não reconhecer que deve ser extremamente difícil andar no confronto político nestas circunstâncias. É claro que o reconheço. Porém, faz-me confusão que não se perceba que qualquer nivelamento por baixo da qualidade das instituições se reflecte negativamente de forma igual por todos seus agentes. Ou será que alguém pensa que o clima de circo, mais ou menos apalhaçado, que ocasionalmente se instala nos plenários parlamentares, só diminui, aos olhos da opinião pública, os representantes do partido do poder?
Perceba-se de uma vez: do alto dos sessenta e tal por cento de votos que ainda é capaz de valer, só a Jardim dá jeito que o parlamento não tenha crédito, independentemente de poder contar com gente de qualidade em todos os quadrantes políticos; e só a Jardim interessa que a classe política seja desconsiderada de um modo geral pela opinião pública. Porque pairando acima dessa pelo menos aparente mediocridade reinante, ele lá vai continuando a sobressair e a ditar as suas regras. De maneira que só ele fica a ganhar com o circo.
Bernardino da Purificação






sexta-feira, 11 de abril de 2008

A mulher de César

O dr. João Machado é o rosto do fisco na Madeira. Infelizmente para ele, a sua condição de director das Finanças regionalizadas sobrepõe-se quase à sua própria identidade. De maneira que foi com um sobressalto de alguma inquietação que, nas imagens televisivas do último fim de semana, vi o rosto do fisco regionalizado no palanque destinado aos dirigentes do PSD reunidos em congresso.
O que se passou foi o seguinte: muito antes de poder fazer qualquer juízo de valor sobre o facto, e antes mesmo de ter a capacidade de decidir se enveredaria, ou não, por qualquer processo de intenção - coisa que, declaro desde já, me recuso a fazer - vi as Finanças que nos vão ao bolso na cadeira onde estava sentado o dr. João Machado. Porque ele há cargos assim: colam-se de tal modo à pele de quem os ocupa, que primeiro vemos a função e só depois o indivíduo. Maçador, sem dúvida. Mas é como as coisas são.
De maneira que, dizia, no passado fim de semana, nas imagens que a TV me levou a casa sobre o congresso do PSD, identifiquei primeiro o rosto do fisco (ou seja, o rosto de quem tem acesso privilegiado a todo o tipo de informação relevante sobre a vida das pessoas e das empresas) e só depois a pessoa do dr. João Machado. O que, podendo ser para ele uma enorme contrariedade, não deixa também de ser para mim uma fonte de grande incomodidade.
Uma vez que me considero uma pessoa de boa fé, não gosto de fazer juízos sobre pessoas que não conheço. Pelo que foi com algum embaraço que dei por mim a interrogar-me sobre se o fisco devia ocupar lugares de direcção partidária, por mais insignificantes que sejam ou possam parecer. A resposta que a minha consciência me deu é tão óbvia que nem precisa de qualquer verbalização. Não obstante, lá estava ele perante quem o quisesse ver, com o à vontade de quem conhece de cor os corredores partidários.
É claro que sempre se argumentará que quem foi ao congresso na condição de dirigente partidário foi o dr. João Machado e não o Director de Finanças. E dir-se-á logo a seguir que até os cobradores dos nossos impostos têm o direito constitucional de pertencerem a um partido, de serem dele dirigentes, e de professarem publicamente uma ideologia política. Só que a questão não deve ser vista exclusivamente à luz da lei. Ela, a meu ver, deve ser vista de tal modo que os contribuintes, todos eles, possam sentir-se seguros de que o fisco os trata a todos por igual, e de uma tal maneira que o próprio responsável pela cobrança dos impostos se sinta sempre seguro de que ninguém duvida da sua equidade e isenção.
Posta assim a questão, e sem entrar em quaisquer considerações de ordem moral, o que espero é que o facto de o rosto do fisco ter estado no congresso do PSD como dirigente partidário possa ser sempre um problema exclusivamente dele, e nunca, mas mesmo nunca, um problema também dos (e para os) contribuintes.
Bernardino da Purificação

A estátua de Jardim

Como se pode verificar pela sua mais recente proposta política (a da erecção de uma estátua de cinquenta metros de altura, de homenagem ao dr. Jardim), o PND do dr. Baltasar Aguiar considera que o humor, em versão mais ou menos hiperbólica, mais ou menos disparatada, é a melhor forma de combater o denominado "regime jardinista". Lá terá as suas razões para pensar como pensa. E o facto de agir em conformidade não é mais do que uma das expressões da liberdade que a democracia a todos garante e que ninguém (?) quer ver mitigada. Ainda assim, e apesar de não pretender condenar-lhe os gostos ou censurar-lhe as ideias, não resisto a dois ou três reparos que a minha consciência democrática me dita. Os seguintes.
O dr. Baltasar Aguiar não é um cidadão qualquer - é um deputado à Assembleia Legislativa da Madeira. Por resultar da expressão da vontade dos madeirenses, a Assembleia Legislativa é o mais importante órgão da nossa Autonomia política. E se a sua condição de deputado lhe confere uma capacidade de intervenção que os cidadãos não eleitos não têm, impõe-lhe também, e de forma correlativa, um acréscimo de deveres. Pugnar pela dignificação das instituições parece-me constituir um desses deveres.
Mais. O dr. Baltasar Aguiar candidatou-se à Assembleia Legislativa da Madeira porque bem quis e entendeu. Ninguém seguramente o forçou. Nem sequer, estou certo, o Manuel Bexiga que animou a sua criativa, bem humorada e bem sucedida campanha. Acontece, porém, que não me recordo de ter ouvido dizer que o achincalhamento das instituições autonómicas fazia parte do seu programa político.
Ora, é justamente neste conjunto de motivos que se situa o meu reparo: o dr. Baltasar Aguiar, com intenção ou sem ela, de forma planeada ou irreflectida, alinhou com todos aqueles que quase diariamente mais não fazem do que diminuir constantemente a imagem do parlamento. E isso, como compreenderá, não pode passar sem uma nota de reparo.
Entenda-se que esta observação não tem nada a ver com o facto de o dr. Baltasar ter escarnecido ou pretendido escarnecer do dr. Jardim. Nada disso. Ninguém, aliás, pode negar ao Dr. Baltasar o democrático direito de o fazer. Assim como ninguém deve recusar-lhe a prerrogativa de escolher o registo que mais jeito lhe der. Não obstante, parece-me evidente que transformar a casa dos representantes de todos os madeirenses em palco de rábula ou paródia política é de pouco aviso. Porque apouca o parlamento. E porque ajuda nessa reprovável tarefa todos os que, por perversa intenção, reduzem a sua conduta política a um mero e sistemático exercício de diminuição da importância do confronto parlamentar, em nome, claro está, da preeminência de órgãos que preferem dispensar a dialéctica e o contraditório.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Veneza funchalense

Confesso que não gostei do tom com que Miguel Albuquerque falou aos funchalenses. Diz quem o conhece que um dos méritos do presidente da Câmara é o de ser capaz de interagir de uma forma agradável com os munícipes. Não ponho isso em causa, apesar de entender que esse não é um mérito por aí além - é uma obrigação. Ontem, porém, o cavalheiro em questão surgiu aos nossos olhos, no jornal da TV, com uma arrogância que me impressionou. Como se, de repente, o verniz que gosta de exibir tivesse, ele também, ido com as várias enxurradas que atascaram nos últimos dias a vida da cidade. Ora, é preciso que alguém explique ao senhor presidente de uma Câmara, que corresponde, em termos populacionais, a cerca de metade da Região, que as capas de verniz devem servir para todas as ocasiões, e não apenas para as de bom tempo. Ser afável nas visitas e nas festas, mas pesporrente nos momentos adversos, é coisa que não fica bem. Muito menos a um presidente de Câmara, que é, como se sabe, a instância de poder mais próxima dos cidadãos. De maneira que não gostei da forma altaneira e peremptória com que sua excelência, em jeito de condenação, decretou ser ilegítimo e pouco sério qualquer balanço de culpas. Até porque, em manifesta contradição com o que antes dissera, não se coibiu logo a seguir de responsabilizar os munícipes. Como se fossem estes os culpados do cenário quase veneziano em que o Funchal mergulha cada vez que chove mais do que sua excelência, lá do alto do brasão que ostenta e da pianola que toca, acha que deve chover. Há munícipes imprudentes? Claro que há. Mas quem fiscaliza? Quem tem os meios de detecção e prevenção dos problemas? Também os munícipes? Acaso quer o senhor Presidente que os cidadãos "virem" bufos e controleiros das condutas imprudentes alheias para facilitar a vida à Câmara que dirige? Haja pachorra!
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Elogios de Gama: e se...?

Apetece-me voltar ao tema que animou a malta nas últimas duas semanas. É capaz de saber a prato requentado, eu sei bem. Mas, como me palpita que a coisa vai dar ainda muito que falar, o melhor é ir mantendo o lume aceso, ainda que brando.
Apesar das muitas explicações ensaiadas, a verdade é que subsistem ainda muitas dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram o presidente da Assembleia da República a vir à Madeira prestar vassalagem ao presidente do Governo regional. Note-se: neste momento interessa-me pouco discutir a justeza ou o disparate dos elogios de Gama a Jardim. Até porque, como se sabe, os pilares do discurso político têm, infelizmente, muito mais que ver com critérios de oportunidade e de interesse do que com vagos conceitos de justiça ou de verdade. O que me interessa, portanto, muito mais do que as palavras de Jaime Gama, é o imenso dark side que se esconde atrás delas. Ou não fosse o seu autor conhecido pela racionalidade quase à prova de bala com que gosta de envolver todos os seus gestos e intervenções públicas.
O que motivou, então, o socialista presidente da Assembleia da República? Tormentos de consciência por ter um dia comparado Jardim a um imperador sanguinário? Pouco verosímil: o homem é pouco dado a estados de alma. Tentar abrir caminho a uma espécie de détente entre Sócrates e Jardim? Pouco provável: para essa tarefa, se porventura a pretendesse, o primeiro-ministro arranjaria alguém com menos peso institucional. Acautelar a possibilidade de uma futura coligação parlamentar no caso de o PS falhar a maioria absoluta? Impossível: a ala esquerda socialista fritaria quem se atrevesse a imaginar um queijo ainda mais limiano que o de António Guterres. Então, o que é que verdadeiramente se passou?
Imaginemos que Jardim quer mesmo sair mas não tem para onde ir (politicamente falando, entenda-se). Tomemos como certo que ao PS também dá jeito que Jardim saia. Olhando assim as coisas, o que é daqui resulta? Simples: nem mais, nem menos, do que a constatação de que os interesses jardinistas e socialistas desta vez se confundem. Mas pode isso explicar os elogios de Jaime Gama? Pode. Sobretudo, se o lugar que Jardim pretenda, ou que se pretenda para Jardim, precisar de uma prévia operação de limpeza de imagem. E aqui era fundamental que fosse alguém como Gama, sobretudo por ter dito o que disse, a lidar com o passado. Maquiavel sabia o que dizia quando teorizou sobre os fins e os meios. A explicação é diletante e ingénua? Até pode ser. Mas cá no Terreiro da Luta tem-se visto cada uma...!
Bernardino da Purificação

terça-feira, 8 de abril de 2008

A Terceira Via e o Projecto

À hora em que iniciou o seu discurso no congresso do PSD, Cunha e Silva estava longe de imaginar que o presidente do partido tinha pedido ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa que lançasse na TV o nome de Manuel António Correia, como uma espécie de terceira via na disputa da sucessão. Se lhe passasse pela cabeça a traição, teria dito certamente outras coisas. Mas como lhe faltam ainda faculdades divinatórias, lá caiu ele no discursozito carregado de escassíssimos sentidos apontado a um único objectivo: o de explicar aos congressistas e à RAM que essa coisa de governar uma autarquia é uma coisa, ainda que essa autarquia seja o Funchal, mas que liderar a Região em direcção ao futuro é outra coisa bem diferente. Tão diferente, imagine-se, que até precisa de um projecto.
Apesar de achar que Cunha e Silva não merecia a partida que Jardim lhe pregou (é um maroto, este Jardim), confesso que fiquei encantado. Na verdade, gosto sinceramente de projectos. E até aceito a sugestão implícita do "vice" de que a Madeira precisa de uma boa meia dúzia deles. Quanto mais não seja, para poderem ser contrapostos ao casuísmo reinante, que se exprime pela construção de marinas, que um dia acabarão por vir abaixo, que se afirma pela edificação de pomposos centros cívicos (seja lá isso o que for), que as Câmaras hão-de depois arrendar a preços malucos, e que passam por essa prova de bom gosto de novo rico que consiste em trazer Boccellis, Carreras, e outros líricos de renome, para umas dispendiosas soirées para os amigos.
Não sei se foi deste projecto que Cunha e Silva falou no seu discurso. Se calhar, até foi. Mas sei que se eu fosse o dr. Jardim (cruzes, credo, abrenúncio, que me seja perdoada tão atrevida comparação), também iria a correr ligar ao Marcelo pedindo-lhe encarecidamente que lançasse para a corrida um outro nome, uma outra via.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Querem tramar o António

Desta vez tramaram-te bem, Manuel António. Tu a fingires que não era nada contigo, assobiando para o lado, falando com o povo assim à maneira do nosso estimado Presidente, os outros engalfinhados em estúpidas guerras de desgaste, e tu, tranquilo, no doce remanso de quem sabe que as corridas de fundo são sempre ganhas por corredores de fundo. Pois bem, tenho uma novidade para ti: o teu sossego acabou, bastando para tanto que o dr. Jardim tivesse atirado o teu nome para o terreiro de uma disputa de que pretendias continuar a parecer alheado. Tramaste-te, em suma. Porque agora, depois do prof. Marcelo ter anunciado ao país que neste momento és tu o favorito de Jardim, vais ter de te haver com os pequenos e médios conspiradores que andam por aí a vender a ideia de que só Cunha e Silva e Miguel Albuquerque têm o pedigree necessário para a disputa do cadeirão presidencial. E olha que essa gente não é nada simpática. De maneira que daqui te envio os protestos da minha solidariedade.
Bernardino da Purificação

domingo, 6 de abril de 2008

Os Delfins

O dr. Jardim é assim: quer ir embora, mas ao mesmo tempo quer ficar; e promete não indicar sucessor, ao mesmo tempo que se entrega ao esforçado deleite de ir metodicamente eliminando todos aqueles que, segundo ele, não encaixam no perfil de cargo que ele e só ele moldou.
Os madeirenses têm sorte: não precisam de se preocupar com a maçada da escolha do futuro presidente do Governo Regional. Jardim himself há-de encarregar-se da selecção, bem como da posterior eliminação, dessa curiosa fauna formada por pretendentes, aspirantes e candidatos, até ficar apenas o chosen one, isto é, aquele que o líder do povo elegerá.
Confesso que gosto do método. O povo não será havido nem achado porque simplesmente, e ao contrário do que diz a cantiga, é Jardim, e não o povo, quem mais ordena. E assim se há-de cumprir a Democracia.
É claro que entendimento diferente deverão ter os integrantes da simpática fauna atrás descrita. Até porque, a cada dia que passa, o dr. Jardim vai elevando a fasquia da exigência para níveis quase proibitivos. Ao ponto de ter já chegado ao exagero de achar que o seu sucessor não pode ter rabos de palha no que diz respeito à sua vida económica e pessoal!
Mas, queiram ou não, é assim que vai ser. Para alegria do dr. Jardim, bem como de todos os que, como este que do Terreiro da Luta vos fala, nele confiam para nos ir resolvendo os problemas e livrar de maçadas.
Só há uma coisa que, tenho de admiti-lo, não percebi muito bem: por que razão teve o dr. Jardim necessidade de afirmar o óbvio? Será que, durante todo este tempo, têm andado a perfilar-se candidatos com os ditos cujos de palha na sua vida económica e pessoal? Será?
Bernardino da Purificação