quinta-feira, 24 de abril de 2008

Avançar para a rectaguarda

Estou perplexo com a forma como o dr. Jardim vem gerindo o processo de uma candidatura-que-esteve-para-ser que acabou por tornar-se numa candidatura-que-já-não-é. Não me refiro à forma como recua. Nada disso. Nesse particular, aliás, Jardim segue os manuais: para não perder a face, ensaia a retirada dando a entender que a qualquer momento pode regressar à linha da frente. Nada a dizer, pois, quanto isso. O que me suscita o reparo é, basicamente, o conjunto de incongruências em que o dr. Jardim tem incorrido. Para não falar da aparente ingenuidade que a dado momento acabou por revelar. Ou do complicado erro estratégico que logo de início cometeu.
As incongruências, primeiro.
Segundo o dr. Jardim, Manuela Ferreira Leite protagoniza uma candidatura de facção. Que divide em vez de unir. E que terá por isso escassíssimas hipóteses de derrotar o PS de Sócrates. Ora, é bem provável que o líder do PSD-Madeira tenha razão. Só que, seguindo a sua linha de raciocínio, compreende-se mal que Jardim tenha andado, primeiro, a tratar da sua eventual candidatura em encontros mais ou menos conspirativos com Luís Filipe Meneses, e acabado, depois, por declarar o seu apoio à então ainda só provável candidatura de Santana Lopes. Como quero acreditar que até os políticos são intelectualmente honestos, aceito tomar esta contradição de Jardim à conta de um vulgar e simples lapso. Lamento por ele: perdeu uma excelente oportunidade de, ao menos uma vez, ser congruente em todo este processo. Porque se Ferreira Leite é candidata de facção, o que dizer de uma qualquer candidatura da ala menesista, seja uma nada provável do próprio Jardim, seja a de Santana entretanto já no terreno, ou seja uma outra de um Mendes Bota qualquer? Ou será que Meneses não foi desalojado da liderança por, entre outras razões, não passar de um líder de facção, e de, em consequência, não ter conseguido unir o PSD?! Haja decoro.
Agora a ingenuidade.
Devo dizer que foi o que me deixou mais espantado. É que Jardim é um político experimentado. Tem fama de saber de cor os caminhos ínvios do jogo político. E diz quem o conhece que é difícil apanhá-lo desprevenido. Pois bem, até pode ser tudo isso e muito mais. Só que ninguém me tira da ideia que desta vez cometeu um grosseiro erro de avaliação. Repare-se. Porque pertencem ao mesmo espaço político-ideológico, de pendor populista e basista, nunca poderiam ser ambos candidatos. Se Jardim avançasse, Santana Lopes dificilmente avançaria e vice-versa. Ora, a dada altura, Jardim ter-se-á convencido de que Santana ficaria calmamente à espera da sua decisão. E é aqui que reside, a meu ver, o seu erro de avaliação. Não percebeu que para Santana seria sempre crucial ser candidato. Porque sem a conquista de um espaço vital no partido a sua carreira política poderia ficar em causa. Sendo que, nas actuais circunstâncias, só uma candidatura lhe poderia assegurar um espaço autónomo de intervenção política, não dependente dos humores de ninguém. Não obstante, Jardim deu-se ao luxo de ir tratando com Meneses de uma sua eventual candidatura, sem perceber (se percebeu, então é pior) que isso seria interpretado por Santana como uma sentença de exclusão. Pois bem, acabou por receber o troco. E fica-lhe mal dar agora a entender que Santana lhe poderá ter sido desleal.
Fica para o fim o equívoco estratégico.
É evidente que Jardim lá sabe com que linhas se cose, mas isto de deixar passar a ideia de que só uma coligação de direita é capaz de desalojar Sócrates cheira-me a erro crasso. Mesmo que isso possa ser verdade, não se anuncia a tanto tempo das eleições. Porque diminui o PSD. Porque o torna refém do CDS. E porque pode levar o "povo de esquerda", mesmo o que esteja zangado com Sócrates, a admitir um voto útil no PS. Não obstante, insisto: Jardim lá saberá.
Bernardino da Purificação

2 comentários:

Andesman disse...

Disse alguém que o PSD bateu no fundo. Por muito mal que algo esteja pode sempre piorar.

amsf disse...

Quaisquer conversações prévias que tenha havido entre Santana e Jardim foram tão superficiais que ambos ficaram convencidos que o outro o apoiaria. Para Santana Lopes não era imaginável que Jardim estivesse realmente interessado em candidatar-se...
Não me parece que se possa ter a certeza de que Jardim não se venha a candidatar...neste momento ele está a fazer tudo o que pode para que o PSD se afunde e ele apareça como um unificador das várias facções que nos próximos dias vão-se degladiar na comunicação social...