Com a paciência dos crentes, o país deu ao presidente da República o tempo que sua excelência entendeu que precisava. Com a inquietação de quem se encontra à beira do desconhecido, a nação preparou-se para a hora da revelação suprema. Terá sido, porém, com a indignação dos enganados que percebemos que alguém com responsabilidades de Estado tem andado entretido a brincar com coisas sérias; que é muito maior do que pensávamos o lado paranóico da novela que alguém urdiu em Belém; que esta gente não tem, em suma, estatura adequada e bastante para a função que o nosso voto lhe deu.
Não exagero se disser que isto chegou segunda-feira ao ponto do absurdo. O Palácio anunciou-nos uma comunicação solene do presidente da República. O que nos ofereceu, todavia, não passou de um abstruso monólogo de um comentador político de quarta categoria. Fizeram-nos crer que nos dariam a chave reveladora da trama fandanga que nos impingiram. Só nos deram, porém, um espectáculo confrangedor e piroso de um presidente insolitamente atreito a dúvidas pueris e estados de alma preocupantes. Corrijo. Mais do que ao ponto do absurdo, chegámos, isso sim, ao cume do patético.
E que dizer das dúvidas angustiadas de sua excelência? Será crime, perguntou torturado o nosso dubitativo presidente, desconfiar da putativa existência de conspirações, vigilâncias, olhos escondidos na sombra, ouvidos indiscretos à escuta, ou outras malfeitorias quejandas? Claro que não, senhor presidente. Tranquilize-se. Nada disso é crime. Tal como o não é o medo do escuro. Tal como o não são os terrores nocturnos das almas atormentadas. Peço-lhe, portanto, que resista à inquietação e combata a angústia. Duvide as vezes que quiser. E procure, faça o favor, todos os fantasmas que o delírio lhe quiser deparar. Vai ver que lhe faz bem. Convém é que se abstenha de amplificar suspeitas tolas, ainda que por interposta pessoa. E, já agora, procure não cair na tentação de mandar publicar, mesmo que à socapa, os juízos caluniosos a que possam conduzi-lo os sobressaltos do espírito. Sabe, isso sim já pode ser considerado crime. Mesmo que o titular da acção penal se esteja nas tintas, se calhar por comiseração, para as embrulhadas em que nos possam colocar as dúvidas lancinantes do nosso supremo magistrado. Ou que se continue a fazer de conta que nada de anormalmente grave aconteceu.
O país ensandeceu, vociferou o dr. Jardim. Então não é que desta vez o homem tem mesmo carradas de razão?!
Bernardino da Purificação