segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Parêntesis de votos pios

Há de facto qualquer coisa no ar. Não sei se é das renas e trenós do Natal que ficcionamos (jingle bells, jingle all the way). Ignoro se será do tim-tam-tum das minhas cada vez mais velhas memórias. Nem sei se é coisa do odor balsâmico a azevinho, se do vermelho-único das manhãs-de-páscoa, ou se do brilho lustroso do alegra-campo. Do bolo de mel não há-de ser que o dito corre por aí demasiado industrializado para o genuíno gosto dos nostálgicos. E do ambiente dos shoppings também não porque, segundo se diz, a crise passeia-se para cá e para lá num tropel de cobiça contida ou necessidade adiada à espera da estação dos saldos. No entanto, queira-se ou não, há por aí qualquer coisa que nos distrai das maçadas quase diárias perpetradas pelos permanentes maçadores do costume.
Ignoremos, pois, por uma semana o dr. Cunha que nos dá cabo do orçamento sem se preocupar um bocadinho que seja com a ameaça real da crise. Deixemos de lado por uns dias as evasões mensais do dr. Jardim e as suas diatribes anti-Sócrates só para se desresponsabilizar e dizer que está vivo. Façamos de conta que o dr. Jardim Ramos resolveu finalmente ficar quieto depois da louça que desajeitadamente partiu no Hospital. E finjamos que não percebemos nem que o dr. Gouveia decidiu não existir, nem que o dr. Aguiar continua a achar que isto não merece mais do que uns quantos números de circo, nem que o líder do PP deixou de perceber se, por causa da estratégia nacional, deve piscar o olho ao PS ou ao PSD.
Aceitemos, em suma, deixar dentro de um parêntesis de votos pios a nossa consciência crítica. Ao menos por uns dias. Com a promessa, claro, de voltarmos ao terreiro logo que passem as festas. Entretanto, que possamos ter todos um feliz Natal. Mesmo os que não o mereçam. Até já.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A fuga ao tribunal das contas

Por alguma razão que desconheço, os partidos políticos regionais não querem que o Tribunal de Contas lhes escrutine a subvenção parlamentar que recebem do erário. Fazem mal. Revelam que, no fundo, estão-se nas tintas para a sacrossanta transparência de que todos falam mas poucos praticam. E dão pública nota de que não querem tratar da questão do financiamento partidário com o rigor que os cidadãos reclamam e o sistema político exige.
Enquanto elementos estruturantes da democracia, entendem que a única entidade fiscalizadora a que devem estar sujeitos é o Tribunal Constitucional. E enquanto instrumentos necessários à participação dos cidadãos no governo da res publica, consideram que estão acima da maçadora possibilidade de terem as suas contas auditadas por entidade diversa da que lhes fiscaliza e generalidade dos gastos. Acho mal. Mesmo que os partidos não sejam pertença do Estado. E mesmo considerando que a actividade partidária não deve ser colocada em plano idêntico ao do objecto de uma instituição, de um organismo, ou de uma empresa estatal.
Suponho que não erro se disser que os partidos recebem do Estado dois tipos de cheque. O mais generoso é emitido no quadro do financiamento partidário público. Financia a actividade partidária globalmente considerada. E as despesas que permite são fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional. Um outro, de montante mais modesto e finalidade específica, assume a forma de apoio público à acção parlamentar. Sai directamente do orçamento da Assembleia Legislativa. E tem sido até agora, e a meu ver bem, controlado pelo Tribunal de Contas. Ora, é esta linha de demarcação que a generalidade das forças políticas madeirenses pretende pura e simplesmente eliminar. Procurando fazer passar a ideia de que os dois cheques são afinal um só. E garantindo a quem os ouve que partido e grupo parlamentar não passam afinal de duas maneiras de dizer a mesma coisa.
Sei nada de leis. Mas tenho para mim que financiar a actividade de um grupo parlamentar é coisa distinta de financiar um partido político. Se o legislador tivesse pretendido tratar como uma só as duas realidades não teria sentido especial dificuldade lexical ou jurídica em fazê-lo. Porém, não foi esse o seu entendimento. Assim como não foi esse o seu objectivo. E isso há-de ter um significado político e jurídico qualquer. É pertinente, aliás, recordar que a própria mesa da Assembleia fez há anos a mesmíssima demarcação semântica e legal das duas realidades. Se não o tivesse feito, não teria descontado ao partido socialista as verbas que passou a atribuir a dois deputados que dele desertaram. E não me passa pela cabeça que a mesa do parlamento possa ter posto um interesse partidário qualquer à frente da sua obrigação de cumprir a lei. Não o fez, certamente. De maneira que me espanta a ligeireza com que praticamente todos pretendem agora fazer de conta que, para efeitos de financiamento, tanto faz dizer grupo parlamentar como partido político. E sou levado a pensar que a única finalidade de tão repentina a abstrusa confusão é apenas driblar o Tribunal de Contas. Ao ponto a que isto chegou!
A demagogia faz-me urticaria. Mas, numa altura de crescentes dificuldades, não posso deixar de sublinhar que é por estas e por outras que temos a crise instalada nos nossos mecanismos de representação política. Ninguém leva a sério os deputados. São geralmente vistos como uma dispendiosa inutilidade. E fazem, eles próprios, o favor de continuamente se desacreditarem. Se tivessem um pingo de respeito por quem os elegeu, não estariam tão entretidos a tentar fugir ao Tribunal de Contas. Estariam a fazer trabalho político relevante e efectivo. E se dessem um mínimo de atenção às crescentes necessidades que por aí andam aceitariam, isso sim, um dispositivo legal qualquer que os obrigasse a devolver aos contribuintes as verbas que a sua notória preguiça todos os anos fizesse sobrar. Talvez pudesse começar por aí, quem sabe, a reconciliação entre os cidadãos e a instituição parlamentar. Mas com gente desta índole isso seria pedir de mais.
Bernardino da Purificação

domingo, 14 de dezembro de 2008

A teoria da irresponsabilidade

Afinal, o dr. Cunha é capaz de aprender. Não com os erros, que o indivíduo em causa não erra. Nem sequer com os livros, que o cavalheiro tem mais que fazer do que maçar-se com eles. Mas sim com as pequenas coisas da vida. Como, por exemplo, a harmonia suave do canto de um passarinho. Como, outro exemplo, o milagre da plantinha que rompe a terra buscando o sol. Ou então, derradeiro exemplo, como a simplicidade tocante e profunda de uma citação servida por uma colectânea à ordem na mesa de cabeceira.
Corrijo. O dr. Cunha não é só capaz de aprender. A bem dizer, e isso nota-se semana-sim-semana-não, a sua capacidade vai um pouco mais longe. Ascende ao patamar da reflexão. E, não se riam, vai até ao ponto do processamento da informação apreendida. Podem crer. Este nosso dr. Cunha é um exemplo. Uma quase inspiração.
Bolas. Como o texto se vai escrevendo a si próprio, constato agora que sou obrigado a corrigir novamente. O dr. Cunha de facto aprende. É mesmo capaz de pôr alguma escassa ordem no caos informativo a que acede. Mas a força do intelecto que demonstra ter não se fica por aqui. Acreditem. Por muito que isso nos possa surpreender, o dito dr. Cunha dá mostras de conseguir realizar o pequeno milagre da produção de ideias. De teorias autênticas. E eu, como é evidente, não posso deixar de assinalá-lo. Porque admiro o sincretismo prolixo que se surpreende em cada texto que assina. E porque tenho um fraco pela forma desinibida e kitsch com que o cavalheiro partilha connosco as mais recentes aquisições da sua tenaz homeopatia cultural.
Admito que estas minhas considerações possam ser acolhidas com incredulidade ou cepticismo. Não pretendo convencer os incrédulos. Mas aos cépticos recomendo a leitura da página que o dr. Cunha tem alugada em regime de time sharing na revista do DN. Podem crer que está lá tudo. Tanto a mais recente descoberta da sua insaciável busca do bálsamo do saber - o dr. Cunha terá descoberto desta vez que houve um Sócrates na Grécia Antiga. Como a novidade da essência simplória do seu pensamento político.
Como acredito que, por este andar, o cavalheiro ainda há-de chegar um dia ao ápeiron dos pré-socráticos, fixo-me por agora na tese magnífica que o seu bestunto produziu. Pois bem, fiquem a saber que o dr. Cunha descobriu o segredo da irresponsabilidade política. Ou seja, o indivíduo foi capaz de encontrar aquilo que tantos outros debalde procuraram. A partir de agora, nos termos da sua prodigiosa descoberta, é politicamente legítimo ocupar o poder sem a maçada de um escrutínio ou julgamento presente. Quem achar que tem o direito de pedir contas ou fazer julgamentos políticos, pois tenha santa paciência e espere de dez a cinquenta anos. Porque é esse, de acordo com a nova "doutrina Cunha", o tempo que demoram a chegar os efeitos das medidas de longo prazo. E porque é injusto, nos termos da mesma nóvel doutrina, pedir contas presentes a bondades ou maldades futuras.
Notável. O dr. Cunha reivindica o direito de ser julgado apenas pelos nossos filhos ou netos. Ele governa agora, é verdade. Mas nós não temos o direito de interpelá-lo pela forma como nos gasta o dinheiro e esgota a paciência. Por uma razão cristalina, simplória, básica e perversa que assim se formula: o dinheiro que o dr. Cunha esbanja no presente é aplicado a pensar no futuro. Logo, só daqui a um ror de anos se lhe devem pedir as devidas e democráticas contas. É assim uma espécie de faça agora e pague depois. O disparate, entenda-se.
Não quero ser tremendista. Porém, reconheça-se: o caso é sério. Está à vista de todos que o dr. Cunha é consabidamente irresponsável. Porém, confesso. Nunca fui capaz de supor que o caos sincrético das coisas que apreende o pudesse levar à elaboração de tão sofisticada teoria. Assim, digam lá se o indivíduo não é mesmo um exemplo e uma verdadeira inspiração...!
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A arte da guerra

Esta gente perdeu completamente a cabeça. Ameaça. Insulta. Grita. Vitupera. Como se não houvesse amanhã. Ou como se a razão tivesse cedido definitivamente o passo à grosseria da intolerância e ao primarismo da irracionalidade. Oxalá me engane. Mas os níveis de agressividade do discurso político atingiram entre nós um ponto de tal modo elevado que isto um dia acaba mal.
É claro que não é novidade para ninguém que há na política madeirense uma assinalável sedução pelo calor desregrado do destempero. Seja devido à latitude que temos. Seja por causa do capacete que nos turva a vista e comprime as meninges. Ainda assim, convenhamos. As coisas têm descambado para um plano em que se torna urgente a profilática procura de um outro tipo de explicações. Sob pena de, um dia destes, nos vermos todos envolvidos num imenso arraial de tapona colectiva sem percebermos muito bem porquê.
O que hoje se viu no parlamento é mau de mais para poder ser aceite ou até mesmo descrito. Só faltou a agressão física. Só terão faltado os tiros. Mas lá tivemos o pior do ambiente de taberna. Lá tivemos a gritaria de quem acha que a política é a arte da guerra.
Eu suspeito que as coisas devem ter corrido mal ao dr. Jardim na sua mais recente excursão a Lisboa. Ouviu certamente das boas. Se não de Silva Pereira, pelo menos de Cavaco Silva. E, o que é pior, deve ter ouvido em silêncio. Como é próprio dos que sabem ser desmesuradamente fortes com os fracos e miseravelmente fracos com os fortes. Deverá ter trazido, em suma, demasiadas coisas entaladas na garganta. E como só é capaz de remir os desaforos em casa, vá de espernear em público, vá de arremeter contra quem não tem nem o tempo nem os meios para lhe responder à medida. Verdadeiramente heróico, senhor presidente. Como se sabe, aliás, que é seu timbre.
Não nos enganemos, porém. O dr. Jardim semeia a irracionalidade, mas fá-lo de forma planeada. Apela aos instintos, é certo. Porém, mede muito bem onde pretende chegar. O insulto, para ele, não passa de um instrumento. Do mesmo modo que a ameaça não passa de um meio. O que ele quis, com o seu execrável discurso de hoje, foi dizer aos berros a Lisboa que aqui quem manda é ele. Deixando, ao mesmo tempo, aos que vivem nesta terra, mais uma eloquente mensagem de que, enquanto por cá andar, a política não há-de passar da coisa insalubre e rasteira que todos televimos sem edição nem bola vermelha ao canto.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A pobre têvê que temos

Esta têvê que temos parece manifestamente um caso perdido. Cumpre mal as suas obrigações de serviço público. Confunde critérios jornalísticos com atribuição de tempos de antena. Faz do cronómetro a boa regra de gestão editorial. E tem no método estatístico o elemento central de muitas das suas decisões.
Aquilo tem dias que nem parece uma televisão. É mais uma repartição difusora de enfados e rotinas. Com telejornais que não passam de serviços de informação oficiosa e institucional travestida de notícia. Com programas de desporto que se limitam a trazer para o espaço televisivo os palpitantes azedumes clubísticos existentes no espaço social. E com programas de informação cujo único propósito só pode ser, pelo que se vê, o de afagar o vaidoso umbigo da corporação dos informadores. Tudo, claro está, devidamente monitorizado pelo relógio criativo dos chefes. E tudo ao encontro do contador de minutos dessa inenarrável coisa chamada ERC.
Sejamos justos, porém. Nem tudo o que nos é servido pela têvê que temos deve ser enfiado no saco enfadonho das irrelevâncias. Por exemplo, os espaços de divulgação cultural até conseguem ser interessantes e razoavelmente bem feitos. De um mesmo e geral modo, os programas de entrevista cumprem quase sempre os serviços mínimos. Mas mau, francamente mau, quase a roçar o péssimo, é praticamente tudo o que resta. Ou por falta de meios. Ou por ausência de ideias. Ou porque é assim que tem de ser.
O mais recente rasgo da criatividade nula desta TQT (têvê que temos) consiste na descoberta e lançamento hertziano de novos opinadores televisivos. O propósito da coisa, dando de barato que é capaz de haver um, há-de ser, creio eu, o de esconder a ausência de produção noticiosa digna desse nome atrás do comentário engravatado de dois cavalheiros razoavelmente conhecidos lá na rua onde moram. E o resultado é o que se conhece. Gramamo-los duas vezes por semana debitando arengas sobre tudo e mais alguma coisa. E ficamos a conhecer algumas irrelevantes opiniões que não pedimos, que não precisamos, e que em boa verdade dispensamos.
Um exemplo. O Hospital que nos trata da saúde dilacera-se em convulsões internas? Pois deixem estar que a gente despacha a coisa com a palavra atenta e sábia dos nossos dois novos tele-opinadores. O facto de saberem tanto de gestão hospitalar e de saúde como quem os tele-ouve não há-de passar, como é evidente, de um mero e insignificante pormenor. E a singela circunstância de nada de novo acrescentarem ao que entretanto a gente foi sabendo só pode ser tida à conta de uma irrelevante acontecência qualquer.
Outro exemplo. A política regional revolve-se em mais um episódio da sua já crónica guerrilha? Deixem estar que a gente já os trama com o julgamento justiceiro mais ou menos inflamado dos nossos dois comentadores opinativos. É verdade que nada dizem de importante. E é certo que fariam muito melhor figura se ficassem calados. Mas como o objectivo da sua tele-participação é fazer de conta e queimar tempo, ninguém há-de dar certamente por isso. Abrenúncio!
Não quero parecer contundente. Porém, devo confessar que sempre que me entram em casa os dois cavalheiros em questão, às cavalitas do telejornal de serviço público, entra com eles um mesmo e recorrente pensamento - o que me diz que a ignorância é na verdade bem atrevida, enfatuada, petulante. Às vezes, imagine-se, até engravatada. Ora, é preciso que alguém explique certas coisas aos funcionários convidantes e aos opinadores convidados.
Aos primeiros deve ser dito que, ao contrário do que supõem, não é comentador quem quer mas sim quem pode. Deve também ser explicado que não há opinião socialmente relevante que possa escapar à condição prévia da credibilidade. E deve ser igualmente enfatizado que não há credibilidade que possa dispensar um pressuposto de autoridade reconhecida. Acredito que possam ficar surpreendidos. Mas, se pensarem um bocadinho no assunto, ainda acabarão por descobrir que nenhuma dessas duas condições está dependente da vontade mais ou menos preguiçosa de um qualquer funcionário arvorado em programador televisivo.
Posto isto, uma palavra final aos opinadores convidados. Do que precede ressalta uma ideia: a de que um comentador de televisão precisa muito mais do que atrevimento e lata. Precisa, por exemplo, de substância. Mas isso, como é evidente, só é válido para uma televisão com vontade de se levar a sério.
Bernardino da Purificação

sábado, 6 de dezembro de 2008

A qualidade da coisa, ou a ausência dela

Suponho que não erro se disser que a qualidade de uma democracia se mede pela forma como funcionam os seus mecanismos de controlo e fiscalização do poder. A explicação é simples. Como a política tem horror ao vazio, o poder tende a ocupar a totalidade do espaço que tiver à mercê. Quando encontra baias firmes, os atropelos são relativamente escassos. Mas se, ao contrário, os limites são frouxos, é certo e sabido que o abuso se instala.
Creio também que não me engano se disser que a qualidade da democracia da Madeira deixa imenso a desejar. Pelas razões atrás expostas (isto é, devido à extrema lassidão, à gritante ineficácia, ou à deplorável inexistência de instrumentos de contenção do poder). Mas ainda por outras de natureza muito mais pessoal do que institucional, que nos remetem para a estrutura democrática (ou para a ausência dela) de quem manda.
Desenganem-se. Não vou aqui recuperar a tese estafada do nosso alegado défice democrático. Nem para subscrevê-la. Nem para lhe apontar os eventuais vícios. O propósito que tenho é bem mais modesto. Pretendo simplesmente ilustrar com três ou quatro exemplos o modo perverso como o poder que temos se presume isento da obrigação de prestar contas.
Começo, então. O dr. Jardim continua a repartir a sua extenuante vida entre o Funchal e Bruxelas. Vai e vem com o tranquilo à vontade dos turistas militantes, ou com a rotineira descontracção dos caixeiros-viajantes. Ninguém lhe pergunta ao que vai. Nem ele nos faz o obséquio de uma explicação. Limita-se a ir e vir. Gastando dinheiro do erário (em viagens, hotel e ajudas de custo). Deixando o governo para que foi eleito sabe-se lá nas mãos de quem. E sem se sentir interpelado a prestar contas a quem paga. Ou seja, vai porque sim. Há-de continuar a ir porque lhe apetece. E, quanto a contas, que se lixem a Madeira e os contribuintes.
O dr. Cunha e Silva mimetiza a roda livre do seu chefe. Saltita de disparate em disparate com a paquidérmica ligeireza de quem não reconhece limites ao poder que lhe puseram nas mãos. E fá-lo, ainda por cima, com a sonsa hipocrisia dos falsos moralistas.
Mal trepado à sua condição de vice, desatou logo a lançar peçonha sobre aqueles que o antecederam. O mínimo que disse de Paulo Fontes, de quem herdou algumas competências, foi que ele tinha um interesse qualquer na compra de um imóvel (ali para os lados do Mercado) para a instalação da Loja do cidadão. Sobre Pereira de Gouveia, que o precedeu na superintendência da economia, o mais brando que sua excelência conseguiu foi fazer constar que a megalomania e um interesse particular qualquer terão estado na origem da ideia de se instalar no Parque das Nações uma representação da Madeira em Lisboa.
É claro que o dr. Cunha sabia que as suas graves acusações nunca seriam devidamente investigadas. Da mesma forma que adivinhava que as decisões que mais tarde viria a tomar, relativamente aos mesmíssimos dossiers, haveriam de passar sem o democrático escrutínio político. E o resultado está à vista de todos. A "sua" Casa da Madeira em Lisboa transitou para o Restelo (zona de embaixadas) e não passa de um espaço votado ao abandono. A "sua" Loja do Cidadão ocupa um espaço nobre da cidade e é um caso de sucesso em termos de procura. Mas, como canibalizou os clientes das repartições, conservatórias, e restantes serviços que alberga (alguns deles situados a duas escassas centenas de metros), e como já vai estando congestionada, em consequência desse e doutros pequeníssimos problemas de planeamento, não tarda nada e ainda assistiremos à necessidade de aquisição de um novo espaço para a abertura de uma nova Loja. A única diferença, claro está, será a ausência (obviamente, porque sim) de qualquer interesse por parte do actual comprador. É que o cavalheiro, acreditem, está aqui só para servir. Como bem o demonstram os Penedos e os parques da sua excelentíssima criação. E como o comprovam as promenades e as marinas que levaram o que tínhamos e até o que não tínhamos.
Ora, uma vez que os instrumentos de fiscalização não existem ou são ineficazes, vamos ter de esperar que o cavalheiro seja um dia removido. Pode ser que nessa altura o seu sucessor se dê também ao trabalho de lhe revelar os erros e denunciar os interesses. Em nome, claro está, desta democracia de intragável qualidade que não há maneira de se regenerar.
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Uma dezena de votos secretos

O PSD é dono da consciência dos seus deputados. E estes, imagine-se, convivem bem com a situação. Ou porque são desprovidos de vontade. Ou porque são destituídos de ideias próprias. Ou porque simplesmente aceitaram alienar a sua autonomia individual a troco de um qualquer prato de lentilhas. Como nenhuma das hipóteses é susceptível de merecer um laivo sequer de compreensão ou simpatia, que venha o diabo e escolha a que mais acertada for.
Quem acompanha a política madeirense, percebe que me preparo para comentar a notável saga parlamentar construída à volta da eleição do vice-presidente socialista da mesa da Assembleia. O PS insiste em candidatar Bernardo Martins. O PSD aceita emprestar (coisa notável!) à volta de uma dezena de votos para viabilizar a eleição. Mas como, ao que parece, o deputado do Partido da Terra tem atravessadas coisas de outros tempos, o candidato socialista vem somando chumbo atrás de chumbo, num processo que não prestigia o parlamento, e que, no plano individual, só dignifica, afinal, os que assumem a ousadia das posições claras.
Falemos claro. Estou longe de simpatizar pessoal ou politicamente com o indivíduo em questão. Não obstante, reconheço a João Izidoro o direito de votar como muito bem quer e entende. Nesta como em todas as restantes matérias com dignidade parlamentar. Só acho lamentável que não lhe repugne participar na rábula anunciando antecipadamente o sentido do seu voto secreto.
Continuemos a falar claro. Como o PS não há-de ter deputados de primeira nem deputados de segunda, é evidente que lhe assiste o direito de escolher livremente, sem exclusões ou outras reservas, o nome do seu candidato à mesa do parlamento. Decidiu escolher Martins. Faz questão de insistir em Martins. E resolveu que não candidata mais ninguém a não ser o dito Martins. Nada a objectar. As opções do PS são legítimas. Mesmo tendo optado pelo caminho do confronto. Só não percebo que reivindique para si um direito que certamente não reconheceria aos outros. Quer continuar a candidatar Martins, pois faça o favor de continuar a candidatá-lo. Não pode é esperar que os outros se sintam coagidos e obrigados a aceitar uma escolha exclusivamente sua. Ou será que o PS ponderaria sequer a hipótese de viabilizar algum dia uma subida de Jaime Ramos à mesa do parlamento?
Ainda e sempre com a clareza que se impõe. Martins não é um nome politicamente neutro para o PSD. Bem pelo contrário. Carrega consigo uma carga muito particular de acrimónia, de conflito, de antagonismo. Tanto no plano político como no plano pessoal. E isso é tão evidente que nem vale a pena perder muito tempo a explicá-lo. De maneira que compreendo que o PSD não queira viabilizar a sua eleição. Mas há, no entanto, um aspecto que tenho dificuldade em compreender. Essa coisa de emprestar uma dezena de votos (ainda por cima secretos) só para fazer de conta é algo que anda algures entre o lamentável e o execrável. Porque não passa de uma triste paródia. E porque nem sequer respeita a consciência individual dos deputados que aceitaram passivamente a expropriação do sentido do seu voto. Palavra que ainda gostava de saber como, e com que tipo de argumentos, é que foram recrutados os "voluntários" nomeados pela direcção do grupo parlamentar.
No meio desta vil tristeza tiro o chapéu a Miguel de Sousa. Ao que dizem as notícias foi dar uma volta na altura da votação. Isto é, ficou de consciência intacta. Ao contrário daquela indigente dezena de correlegionários seus, que se prestam, pelos vistos, a todo o tipo de fretes.
Uma nota final para dizer que me enganei num vaticínio alvitrado há semanas atrás. O PS não negociou com o PSD a eleição de Bernardo Martins. Nem isso teve a arte de fazer. Participou na sessão de branqueamento das ilegalidades praticadas pelo PSD sem a mais leve sombra de cálculo político. Isto é, foi o que costuma ser. E ainda quer que o levem a sério...!
Bernardino da Purificação

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A roda dos milhões

E pronto. Como quase sempre o mérito compensa, o mundo da bola lá se rendeu aos feitos desportivo-contabilísticos do "nosso" Cristiano Ronaldo. A distinção, reconheça-se, é mais do que justa. Porque ninguém jogou tão bem como ele na época que passou. Em golos. Em habilidade técnica. Em capacidade atlética. Em espectáculo puro. E também ninguém como ele pôs a girar a roda dos milhões de que se alimenta a não sei quantas vezes milionária indústria futeboleira.
Acontece, de facto, que Ronaldo é hoje uma das marcas mais impressivas e rentáveis do negócio global que é o futebol. Vende como ninguém. Em merchandising. Em páginas de jornais. Em capas de revista. Em gadgets diversos. E o negócio, claro, está-lhe grato.
A bem dizer, este Ronaldo já nem é propriamente "nosso". É deles. Ele já descolou há muito da sua condição original de simples madeirense jogador de futebol. Como os negócios planetários se alimentam de vedetas planetárias, foi dada a Cristiano Ronaldo a condição de ícone que a indústria faz render e a publicidade amplifica. Para glória do desporto-rei. E para enormíssimo proveito da máquina por trás da qual se encontra um exército de personalidades sem rosto, sem afectos, sem emoções. Estes, os afectos e as emoções, ficam por nossa conta, por conta dos espectadores. Que todos os dias discutem, discutimos, a bola que estoura na barra. Que diariamente se perdem, nos perdemos, em horas de conversa sobre o fora-de-jogo que não era, sobre as apitadelas suspeitas da equipa de arbitragem, sobre a entrada arrepiante do facínora do defesa da equipa adversária.
Não quero enfatizar, podem crer, o lado cínico e assumidamente contabilístico que todos sabemos existir no mundo da bola. Não é o momento próprio. Aliás, mesmo que o quisesse, bastava lembrar-me de cada um dos momentos de puro virtuosismo com que Ronaldo nos brindou na época passada para logo decidir arrepiar caminho. Ainda assim, manda a lucidez que me esforce por perceber que até com o merecimento de um prémio se joga muitas vezes no tabuleiro em que jogam os gestores do futebol-business. É raro haver batota na escolha? Acredito piamente que sim. Mas isso não é virtude. É apenas condição de sucesso. Uma actividade que vive de paixões acaba por ficar refém delas.
Não pretendo, de igual modo, entrar na demagogia barata de colocar frente-a-frente o futebol-glamour de que hoje se fala e o seu parente pobre feito de jogadores com ordenados em atraso e construído de coisas obscuras e traficâncias várias. Isso seria, convenhamos, uma nota de mau gosto. Que Ronaldo não merece. E que o nosso orgulho insular certamente reprovaria. Fico-me, pois, pelo registo de um prémio de amplificação planetária que um meu conterrâneo mereceu e ganhou. Sem, no entanto, poder deixar de pensar o que seria deste Ronaldo, ou de um outro qualquer que por aí ande, se tivesse optado por ficar cá na terra. O mais certo é que nunca passasse de uma terceira ou quarta escolha atrás de um daqueles futeboleiros do Brasil que por cá vão desembarcando às carradas para sorte deles e lucro de uns quantos.
Bernardino da Purificação