terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A pobre têvê que temos

Esta têvê que temos parece manifestamente um caso perdido. Cumpre mal as suas obrigações de serviço público. Confunde critérios jornalísticos com atribuição de tempos de antena. Faz do cronómetro a boa regra de gestão editorial. E tem no método estatístico o elemento central de muitas das suas decisões.
Aquilo tem dias que nem parece uma televisão. É mais uma repartição difusora de enfados e rotinas. Com telejornais que não passam de serviços de informação oficiosa e institucional travestida de notícia. Com programas de desporto que se limitam a trazer para o espaço televisivo os palpitantes azedumes clubísticos existentes no espaço social. E com programas de informação cujo único propósito só pode ser, pelo que se vê, o de afagar o vaidoso umbigo da corporação dos informadores. Tudo, claro está, devidamente monitorizado pelo relógio criativo dos chefes. E tudo ao encontro do contador de minutos dessa inenarrável coisa chamada ERC.
Sejamos justos, porém. Nem tudo o que nos é servido pela têvê que temos deve ser enfiado no saco enfadonho das irrelevâncias. Por exemplo, os espaços de divulgação cultural até conseguem ser interessantes e razoavelmente bem feitos. De um mesmo e geral modo, os programas de entrevista cumprem quase sempre os serviços mínimos. Mas mau, francamente mau, quase a roçar o péssimo, é praticamente tudo o que resta. Ou por falta de meios. Ou por ausência de ideias. Ou porque é assim que tem de ser.
O mais recente rasgo da criatividade nula desta TQT (têvê que temos) consiste na descoberta e lançamento hertziano de novos opinadores televisivos. O propósito da coisa, dando de barato que é capaz de haver um, há-de ser, creio eu, o de esconder a ausência de produção noticiosa digna desse nome atrás do comentário engravatado de dois cavalheiros razoavelmente conhecidos lá na rua onde moram. E o resultado é o que se conhece. Gramamo-los duas vezes por semana debitando arengas sobre tudo e mais alguma coisa. E ficamos a conhecer algumas irrelevantes opiniões que não pedimos, que não precisamos, e que em boa verdade dispensamos.
Um exemplo. O Hospital que nos trata da saúde dilacera-se em convulsões internas? Pois deixem estar que a gente despacha a coisa com a palavra atenta e sábia dos nossos dois novos tele-opinadores. O facto de saberem tanto de gestão hospitalar e de saúde como quem os tele-ouve não há-de passar, como é evidente, de um mero e insignificante pormenor. E a singela circunstância de nada de novo acrescentarem ao que entretanto a gente foi sabendo só pode ser tida à conta de uma irrelevante acontecência qualquer.
Outro exemplo. A política regional revolve-se em mais um episódio da sua já crónica guerrilha? Deixem estar que a gente já os trama com o julgamento justiceiro mais ou menos inflamado dos nossos dois comentadores opinativos. É verdade que nada dizem de importante. E é certo que fariam muito melhor figura se ficassem calados. Mas como o objectivo da sua tele-participação é fazer de conta e queimar tempo, ninguém há-de dar certamente por isso. Abrenúncio!
Não quero parecer contundente. Porém, devo confessar que sempre que me entram em casa os dois cavalheiros em questão, às cavalitas do telejornal de serviço público, entra com eles um mesmo e recorrente pensamento - o que me diz que a ignorância é na verdade bem atrevida, enfatuada, petulante. Às vezes, imagine-se, até engravatada. Ora, é preciso que alguém explique certas coisas aos funcionários convidantes e aos opinadores convidados.
Aos primeiros deve ser dito que, ao contrário do que supõem, não é comentador quem quer mas sim quem pode. Deve também ser explicado que não há opinião socialmente relevante que possa escapar à condição prévia da credibilidade. E deve ser igualmente enfatizado que não há credibilidade que possa dispensar um pressuposto de autoridade reconhecida. Acredito que possam ficar surpreendidos. Mas, se pensarem um bocadinho no assunto, ainda acabarão por descobrir que nenhuma dessas duas condições está dependente da vontade mais ou menos preguiçosa de um qualquer funcionário arvorado em programador televisivo.
Posto isto, uma palavra final aos opinadores convidados. Do que precede ressalta uma ideia: a de que um comentador de televisão precisa muito mais do que atrevimento e lata. Precisa, por exemplo, de substância. Mas isso, como é evidente, só é válido para uma televisão com vontade de se levar a sério.
Bernardino da Purificação

8 comentários:

amsf disse...

Há quem critique um por falar demasiado alto mas o outro deixa muito a desejar!!!

Anônimo disse...

O tal das ilicicitudes ?

Anônimo disse...

É preciso não perder de vista que a televisão, mesmo estatal, NÃO É propriamente um serviço público É uma empresa que tem de apresentar resultados. Para isso, tem de entrar de cabeça na guerra das audiências. E só se preocupará em informar o público, na justa medida em que tal possa contribuir para aumentar essas audiências. Caso contrário, ninguém lhe encomendará publicidade, a grande fonte de receita.
Nesse enquadramento, uma entrevista — só para dar um exemplo — não tem por finalidade informar. Especialmente se for em horário nobre, o objectivo é criar um caso que dê para ser badalado e assim garantir maiores audiências na próxima vez. Ao apanharem um entrevistado — quanto mais importante melhor — há que se servir dele para o destruir e imolar diante de um público sedento de sangue. Se o pobre começa a defender-se, há que lhe cortar o pio e mudar de assunto até encontrar um em que ele se estenda ao comprido.
Não tenhamos ilusões. Numa sociedade de desenfreado consumismo, a TV é o meio excelente para massificar um povo (aqui, o madeirense massificado chama-se “povo superior”…). Há que o tornar vulnerável à propaganda e à publicidade, retirando-lhe todo e qualquer sentido crítico. Se um drogado matar uma velhinha para lhe roubar a pensão que acaba de receber nos Correios, enquanto não aparecer no ecrã alguém a dizer se o acto foi bom ou mau, ninguém tem opinião sobre o assunto. E até aceitará, sem quaisquer dificuldades, que o drogado foi a vítima e a velhinha a culpada.
Repare-se que até o senso de humor é condicionado. Em muitos programas humorísticos, ouvem-se gargalhadas “em off”, para que as pessoas saibam quando devem achar piada. O que, obviamente, não tem piada nenhuma.

amsf disse...

Fernando Vouga

Mas a nossa RTP/M não segue esse modelo, bem pelo contrário! Normalmente serve para ocultar os problemas e não para os ampliar, serve para branquear e não para elamear, serve para prestigiar os entrevistados e não para embaraça-los! Diria que a "nossa" televisão é o oposto do que descreveu, só não sei se isso é assim tão bom quanto parece! A verdade é que já foi muito pior num tempo em que pouquissimos seriam capazes de imaginar um outro modelo de televisão!

amsf disse...

Parece que passou despercebido na Madeira o facto do deputado Guilherme Silva ter afirmado, na TSF, que a Assembleia da República devia fechar às Sextas e Segundas para os deputados puderem visitar as famílias! Isto foi dito para justificar a avalanche de faltas de deputados do PSD no debate do Orçamento de Estado!

Anônimo disse...

Qual Deputado Guilherme Silva, será o mesmo que aufere rendimentos mulimilionários, pagos através dos cofres da RAM, os quais atingem patamares verdadeiramente astronomicos ?

Anônimo disse...

Caro amfs

Tem toda a razão. Porque aqui na Madeira se ultrapassa de longe o inimaginável. Eu falei de TV estatal e não de TV governamental...

Anônimo disse...

Quando é que a nossa "Têvê", seguramente a mais avançada do planeta, faz uma reportagem sobre o homem do momento, o tal politico que mandado pela filha do Chefe, possui um incomensuravel patrimonio, comumente conhecido pelo "Banana o estoura milhões" ?

Seria interessante verificar os actuais investimentos da "Edifer- Regional"