sábado, 31 de janeiro de 2009

Teoria da conspiração

Já toda a gente percebeu que a campanha eleitoral está em marcha. Nos meios habituais de comunicação de massas. A partir de directórios vários irmanando políticos e representantes de actividades diversas e, convenhamos, nem sempre correlativas. E percorrendo metodicamente os passos de laboriosas estratégias desenhadas em obediência ao princípio de que em política vale tudo. Gosto. Creio que, no fundo, gostamos todos. Não há nada como o cheiro a sangue para nos fazer regressar à natureza essencial de predadores engenhosos.
O ciclo eleitoral começa, como se sabe, dentro de aproximadamente quatro meses. E apesar da relativa incerteza que habitualmente envolve os escrutínios democráticos, há coisas que a sensibilidade geral tem já por adquiridas. José Sócrates perderá se o caso Freeport lhe arrasar por completo a reputação. Manuela Ferreira Leite ganhará se o dito caso a empurrar para uma posição que nada fez até agora por justificar.
Ou seja, mais arrepio, menos arrepio, a verdade é esta: no Portugal democrático em que todos temos a dita de viver, as decisões políticas que realmente interessam deslocaram-se para o sinuoso tabuleiro da Justiça. Pelo que devíamos ser gratos e capazes de dar um grande viva à democracia dos polícias, dos procuradores e dos juízes. Que à conta de interesses sem nome nem rosto por cá vai assentando arraiais. E que tem como armas jornais e televisões de cada vez mais desconhecido registo de propriedade e de interesses.
Devo confessar que olho para esta refrega político-judiciária com muito mais curiosidade do que paixão. Entendo que todas as suspeitas devem ser investigadas. Não tenho dúvidas de que se há crimes há culpados. E tenho como elementar princípio de justiça que não pode haver culpa sem castigo. Há, no entanto, coisas que me maçam. Esta mimosa originalidade que consiste em levar as disputas eleitorais para os esconsos corredores da Justiça é uma delas. Este método assassino de fazer pingar notícias a conta-gotas sobre matérias abrangidas pelo segredo de justiça faz-me urticaria. Esta sinistra recorrência com que certos media se presumem juízes de julgamentos populares tira-me do sério. Esta bovina resignação que nos leva a aceitar que uma investigação judicial possa ser contaminada por impulsos de motivações obscuras revolve-me as vísceras. E esta insuportável suspeita de que a escolha dos nossos representantes políticos está muito mais à mercê de centros de poder escondidos e não sufragados do que do voto consciente e livre dos cidadãos faz-me pensar que a democracia que temos se vai tristemente aproximando da badalhoquice das conversas da treta.
Ainda assim, bora lá despachar as investigações. Esta e todas as outras que repousam algures nas gavetas dos nossos novos, ilegítimos e inesperados decisores políticos. As de lá e as de cá. A menos que a Madeira seja a única parcela do país em que o poder político legítimo submete as togas ao seu ilegítimo controlo.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A excelência, a mezinha e o chá

Deixem-me ver se compreendi bem. O serviço de Urgência do Hospital do Funchal passou a ter filas de espera que dão a volta ao edifício e a culpa é de um sistema informático qualquer para o qual ninguém estava preparado? Convenhamos que a justificação é patusca. Tem um suplemento de lata porventura excessivo para o desconfiado gosto dos cépticos. Possui, no entanto, traços daquela ingénua criatividade que, de tão simples (ou será antes simplória?) e pueril quase nos faz chegar às lágrimas.
Nunca tinha pensado que um sistema informático fosse capaz, por si só, de entupir um serviço de urgências hospitalares. E nunca me tinha passado pela cabeça que um doente tomado de aflições urgentes pudesse ficar à espera um par de horas, ou mais, para ser visto por um médico, por causa de um safado de um computador e de um complicado programa que lhe puseram lá dentro.
Admirável. A justificação e este surpreendente mundo novo. Tanto a cara calçada que nem pestaneja quando, com um ar situado algures entre o tecnologicamente deslumbrado e o anedoticamente presumido (ou será simplesmente tolo?), nos explica o que não pode ter explicação. Como a desumana ligeireza com que interpõem uma tecnologia qualquer mal testada e pior instalada entre doentes aflitos e a intervenção pronta dos médicos de um serviço de urgências.
Já agora, deixem-me ver se percebo outra coisa. Um serviço que tem muitas vezes nas mãos a vida ou a morte das pessoas interrompe a actividade à hora de almoço? Isto acontece? Isto é mesmo verdade? E não há consequências? E ninguém é capaz de acabar com semelhante rebaldaria? E permite-se que o mesmo cavalheiro deslumbrado com a tecnologia de ponta dos meios tenha a lata de vir dizer-nos que a culpa da coisa reside na falta de... (como é que eu posso escrever isto sem rir?) uma cantina para médicos? Ó da guardaaaaaa! Socoooorro! Então ninguém vê que esta gente ensandeceu de vez? Ninguém percebe que há limites que não podem ser ultrapassados?
Não sei, mas gostava de saber, o que pensam desta inqualificável indigência o dr. Jardim e todos os artífices do caríssimo e excelente serviço de Saúde que temos, para além, é claro, daquelas apalermadas sentenças ditas à boca pequena a partir da Quinta Vigia. Se fossem pessoas normais, deveriam estar com certeza incomodados. O pior é que são governantes. Responsáveis por serviços obviamente excelentes. Donos arvorados de uma terra evidentemente excelente, tal a excelência de quem a controla. Avalizadores da competência, também ela inquestionavelmente excelente, dos excelentes quadros dirigentes que nomeiam. E, como parece ser igualmente óbvio, muito mais sensíveis à excelência do computador e da cantina do que à maçadora lamuria de um doente aflito que lhes possa lixar as estatísticas e tramar a reputação.
Está visto que, por este andar, e com tanto desenvolvimento tecnológico e estrutural a reforçar-nos a excelência, ainda acabaremos por ter de voltar aos tempos gloriosos da mezinha e do chá. À conta, já se vê, da indiscutível excelência dos mandantes que temos e dos não menos excelentes acólitos que eles têm.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A privatização da conduta pública

Ponto prévio. Considero que a Madeira tem o dever (não apenas o direito) de desenvolver uma política autónoma, estruturada e séria de ligação à diáspora. A força homogeneizadora da globalização recomenda-a. A necessidade de integração das nossas comunidades nos espaços sócio-culturais em que vivem não a dispensa. O pragmatismo prosaico da economia aconselha-a. E os afectos conferem-lhe o imperativo estatuto de uma obrigação. A questão de saber se essa política deve, ou não, ser pensada e desenvolvida em articulação com a que é definida a nível nacional não é neste momento para aqui chamada. Por uma razão simples. É muito mais de método do que de substância. Logo, há-de ter, se for caso disso, um tratamento secundário no contexto das reflexões que possam ser feitas sobre a natureza dos laços que temos o dever de manter com as restantes parcelas constitutivas da nossa identidade e do nosso modo de ser.
Consideração acessória. Qualquer política voltada para a manutenção e aprofundamento dos laços da Madeira com as comunidades disseminadas pelo estrangeiro há-de contemplar, em qualquer circunstância, e entre vários outros aspectos, a concretização de um programa de contactos. Envolvendo, com certeza, representantes do poder político regional. Aproveitando, sempre que possível, a rede de canais (tanto a formal como a informal) de que o país dispõe. E estimulando, obviamente porque sim, a criação mais ou menos institucionalizada de espaços de encontro, partilha e diálogo.
Conclusão lógica. Anda bem um governo que envia os seus membros às comunidades. Andará melhor se for capaz de integrar as deslocações que decide num programa estruturado e com um mínimo de oportunidade e sentido. Andará bastante melhor se a ligação às comunidades não se resumir à concretização mais ou menos excursionista desse programa de viagens.
Está claro que o pretexto da prosa é a aventura australiana do dr. Garcês. Que, por qualquer razão que desconheço, foi preparada mais ou menos à socapa. E que, por razões que apenas a má consciência poderá eventualmente explicar, só ganhou alguma visibilidade por via do estranho secretismo com que um membro do governo desajeitado ou aselha entendeu dever embrulhá-la.
Eu gostava de poder acreditar que o dr. Garcês foi à Austrália no cumprimento de uma agenda política assumida e transparente. E dar-me-ia algum conforto saber que não passava pela cabeça de ninguém ocultar do escrutíneo público os contornos e resultados dessa política. Não custa reconhecer, porém, que o comportamento do dr. Garcês torna difícil a concretização desses meus pios desejos. Porque se esteve nas tintas para o democrático dever de prestar contas. Porque conferiu a uma viagem de orçamento, motivações e objectivos públicos o sigilo a que só têm direito as viagens privadas. E porque ao fazer tudo isso desvalorizou o contacto com uma comunidade que certamente dispensa visitas feitas às escondidas.
Eu sei que os indulgentes dirão que há um excesso de severidade na expressão destes reparos. E em abono da sua complacência hão-de lembrar que o dr. Garcês nada mais faz do que imitar o comportamento do seu chefe. Não deu explicações porque entende não ter satisfações para dar. E nada nos disse sobre a sua viagem à Austrália exactamente como o dr. Jardim nada nos diz sobre as suas idas quinzenais sabe-se lá aonde. Está certo. O dr. Garcês não é o culpado. A culpa, de facto, é de um governo que não tem políticas claras sobre coisa nenhuma (daí a necessidade de esconder o que faz). O culpado é um governo casuísta, de condutas opacas e destituído de estratégia, que se limita a navegar à vista. A culpa é, em suma, desta impune mania com que o governo estatiza tudo menos a conduta dos governantes. Nesse domínio, como já se viu, tudo é do foro privado. Mesmo quando é público o dinheiro gasto. Mesmo que a democracia não dispense a prestação de contas e a apresentação de resultados.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O catecismo da Madeira Nova

Não sei se por má consciência, se em obediência a um insondável impulso de outra ordem, a generalidade dos políticos passa a vida a intoxicar a opinião pública com a ideia de que as suas opções têm uma espécie de aval superior. Todos dizem que agem em nome do povo. Mas como o dito povo nem sempre (em alguns casos quase nunca) se dá conta da bondade intrínseca das mezinhas que lhe dão, os políticos procuram alindá-las com a unção da autoridade. Atribuindo-lhes uma inspiração divina, nos casos de patologia política evidente. Emprestando-lhes a bênção furtada de um pensador notável, quando é razoavelmente laica a perversão democrática.
Como na Madeira, e apesar de tudo, a patologia é moderada, os governantes que temos prestam culto a Keynes. Não há marina do Lugar de Baixo que lhe tenha passado ao lado. Não há heliporto sem helis que não tenha beneficiado da sua divina inspiração. Não há Penedo do Sono às moscas e em quase ruína que não lhe tenha obedecido à cartilha. Não há parques empresariais sem empresas que não lhe tenham pedido o aval. Não há, enfim, iniciativa privada que não tenha de ceder o passo à voracidade do sector público que não leve, para cúmulo, com a sebenta do John Maynard em cima.
Estou em crer que o dito Keynes se há-de contorcer na tumba em desassossegos lancinantes sempre que o seu nome é evocado em vão. E tenho a firme convicção de que nunca lhe passou pela cabeça, em vida, que o labor do seu pensamento viesse um dia a ser alvo de tantos e tão flagrantes abusos. Mas isto, claro, sou eu a pensar. Como sei tanto de economia como os senhores drs. Cunha e Jardim parecem perceber de governação, faz-me impressão que se chame keynesianismo à irresponsabilidade política pura e simples. E como de teoria económica nem o nome percebo, não consigo deixar de pensar quão notável é a erudição atrevida de certa gente que por aí anda a consumir-nos os recursos, a testar-nos a paciência e arruinar-nos o futuro.
É certamente tolice minha. Mas aposto que o supracitado John Maynard nunca defendeu que o Estado devesse asfixiar a economia em nome do lançamento ou relançamento da dita. Do mesmo modo que me atrevo a afirmar a leiga e por certo tola convicção de que o sobredito Keynes jamais defendeu que o Estado devesse chamar a si a quase totalidade dos meios financeiros disponíveis. Mas isto, insisto, só podem ser coisas minhas. Se o dr. Jardim se afirma keynesiano, quem sou eu para dizer que ele anda enganado no catecismo. E se o dr. Cunha assegura que a sua pulsão obrista delirante e louca se encontra abençoada por um vulto notável do pensamento económico, quem sou eu para dizer o contrário. Permito-me, ainda assim, lembrar-lhes que o plano de investimentos públicos com que a economia norte-americana saiu da crise de 29 (esse, sim, inspirado em Keynes) só foi eficaz porque o dinamismo gerado ficou praticamente todo dentro de portas. Ao nível do emprego. Ao nível do consumo e da revitalização do mercado interno. Ao nível do estímulo ao sector produtivo. Rigorosamente nada parecido com o que acontece cá. Porque nos limitamos a consumir o que vem de fora. E porque praticamente pouco mais produzimos do que dívida pública e meia dúzia de turbo-milionários. Só que, pelos vistos, em nome de Keynes. Abençoado catecismo!
Bernardino da Purificação

domingo, 18 de janeiro de 2009

O vazio estratégico e o tango

Com a resignação patibular dos tristes, o PS continua a pôr-se a jeito de uma abada copiosa nas eleições que temos pela frente. Não sei se é karma ou padecência genética. Não sei se é fado ou pura aselhice. Mas que a coisa se percebe à distância, santa paciência, lá isso percebe-se.
Uma vez que não lhe frequento os corredores, ignoro se os ditos têm consciência do facto. E como só vejo o quase nada que há para ver, é-me impossível perceber se a rotina da derrota terá já ganho, ou não, estatuto de modo de vida. Dá, no entanto, para perceber que a direcção regional socialista não consegue travar o passo à estratégia plebiscitaria anti-Sócrates meticulosamente lançada por Jardim. E isso, a meu ver, parece remeter-nos para um paradoxo essencial que o PS-Madeira não há maneira de conseguir resolver. O seguinte.
Creio que toda a gente já reparou que PS é um caso estranho. Se não de incapacidade política, pelo menos de falta de sorte. Se não de confusão estratégica, pelo menos de atenção escassa, quase nula, ao terreno onde grande parte da acção política se desenrola - o espaço comunicacional.
Considerando apenas o valor facial do que os seus dirigentes dizem, não custa racionalmente dar-lhes razão. O problema é que, desgraçadamente para eles, as pessoas pura e simplesmente não os ouvem. Ou porque se estão nas tintas para o que dizem, em consequência de um eventual descompasso entre a mensagem veiculada e as preocupações mais imediatas dos cidadãos. Ou porque, no fundo, ninguém aposta um chavo nos eventuais créditos políticos que possam ter. Perceba-se. A política é muitas vezes um jogo perverso de regras próprias em que conta mais a personalidade de quem diz do que a acuidade ou o mérito do que possa ser dito. E enquanto isso não for devida e humildemente interiorizado pelos responsáveis socialistas, o PS-M arrisca-se a continuar a vegetar no espaço limitado em que se consome. Independentemente da qualidade objectiva de alguns dos seus rostos mais visíveis. E sem beliscar o esforço dedicado e sério que todos afinal possam andar a fazer.
É claro que percebo que o ambiente político regional tende a alienar a qualidade da participação política activa. E sou até capaz de compreender que o PS-M tem de pagar um preço qualquer por ser muitas vezes obrigado a andar politicamente entalado na dialéctica de confronto que opõe o poder central ao poder político regional (ou vice-versa, a ordem é obviamente arbitrária, já que é sempre necessário um par para que possa haver um tango). Acho, porém, que o cúmulo destas duas circunstâncias está longe de explicar tudo. Pelo que regresso ao paradoxo essencial que, em meu entender, continua a toldar as vistas dos dirigentes regionais socialistas.
Ora, acontece que o PS continua sem saber se, nesta fase, deve ser um partido de protesto ou se deve apresentar-se como um potencial partido de poder. Pior. No mais das vezes, deixa-se cair numa espécie de quadratura do círculo em que pretende ser as duas coisas ao mesmo tempo. Sem perceber que o protesto puro e simples é capaz de dar espectáculo mas não leva ninguém à governação. E sem ter em conta que o estatuto de partido de poder exige bastante mais do que uma simples e bem intencionada proclamação.
Veja-se o que aconteceu nos últimos anos. Com o objectivo de endurecer o seu modo de fazer oposição, o PS armou-se na primeira linha com uns respeitáveis cavalheiros de perfil, digamos, mais veemente e combativo (adoro os eufemismos...). O problema é que logo a seguir entrou em cena o PND. E o resultado foi o que se viu. De um pé para a mão, os socialistas viram-se de súbito numa espécie de vazio estratégico. Sem gente qualificada (descontando as duas ou três honrosas excepções que se conhecem) para merecerem ser vistos como alternativa de poder. Mas igualmente sem pessoas interessadas em acompanhar o teatro dos "novos democratas".
Isto é, o PS quase deixou de existir. Pelo menos, no habitat natural da política que é o espaço público da comunicação. Porque tem pela frente o poder político regional com a sua gigantesca máquina de intimidação e propaganda. E porque tem à ilharga o PND com quem não consegue rivalizar na produção de sound bytes. Encontra-se mediaticamente encurralado, em suma. Foi a isso que levou a estranha mania de não ser nem carne nem peixe. De maneira que arrisca-se a voltar a bater no fundo antes de conseguir ensaiar nova tentativa para se erguer. Mesmo havendo motivos de sobra para uma punição exemplar ao PSD.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A entrevista que não foi

A coisa merece, como certamente compreenderão, algumas notas prévias.
Em primeiro lugar, aquilo não foi uma entrevista. Assumiu antes a forma de um pindérico monólogo ocasionalmente entrecortado por alguns sons vagamente perceptíveis vindos do outro lado da mesa. Em segundo lugar, não teve entrevistador. O que era para ser não passou de um hóspede confuso e agradecido perante um anfitrião histriónico e sem maneiras. Em terceiro lugar, não teve novidades. Limitou-se a ser mais do mesmo, ou seja, um chorrilho repetido que nada de verdadeiramente importante trouxe às notícias ou ao debate político nacional. Em conformidade, e esta é a quarta deste conjunto de notas prévias, os espectadores que ficaram militantemente à espera do espaço de informação anunciado acabaram por ver-se perversamente defraudados - um número de comédia sentada remete-nos muito mais para a área do entretenimento do que para o nobre sector das actualidades. Donde estou em crer que aquilo não passou de uma bem urdida manobra de contra-programação apontada às novelas dos restantes canais, com o envolvimento presencial e passivo de um peso-pesado do jornalismo televisivo, e a colaboração exuberante, prestável e activa de uma das vedetas mais firmes e vendáveis da política cénica à portuguesa. Apesar disso, prometo que não me vou queixar à ERC. Mas juro que me passou pela cabeça colocar a questão à DECO.
Em suma, aquilo foi uma tristezinha. Na forma, como já se viu. Mas muito em particular na substância. Porque Mário Crespo não foi o entrevistador preparado que se espera sempre que seja. E porque o político Jardim não conseguiu resistir ao peso insuportável da sua egolatria.
Palavra que estava à espera de outra coisa. Uma hora de entrevista em horário nobre não é coisa que um político responsável se permita desperdiçar. No entanto, foi isso que Jardim fez. Em vez de adoptar um registo sereno, ainda que firme, o presidente do governo voltou a fazer gala da sua conhecida falta de chá. E ao invés de ensaiar um discurso devidamente sustentado dirigido ao país, o líder madeirense não conseguiu manter sossegado o político autárquico estranhamente apaixonado pelos seus cada vez mais escassos méritos.
Sabe-se que o dr. Jardim não admite conselhos. Não ouve ninguém. E pensa sozinho. Não admira. Ele sabe quem escolheu para trabalhar junto dele. De maneira que prepara as entrevistas tal como vive o dia-a-dia no escritório. Será sempre o único a falar. Há-de debitar, a propósito ou a despropósito, a mensagem que quer transmitir. Não responderá a perguntas porque os jornalistas não mandam nele (quem pensam esses intrometidos que são?). E porque no seu democrático mundo só existem ele e o povo, dará um tom rasteiro ao discurso para olear a comunicação entre ambos.
Como vai acontecendo cada vez mais, o homem engana-se. Como nem perde tempo a pensar nas figuras que faz, não consegue perceber que é preciso mais do que duas ou três desconsiderações ao primeiro-ministro e à classe política nacional para conseguir ser credível e dar-se ao respeito. E como já anda descolado da realidade é incapaz de entender que já não há pachorra para os ódios de estimação que nutre pelos chamados interesses instalados, pelos grupos, grupinhos e grupelhos que alegadamente conspiram contra si, pela classe política em geral, e pela de Lisboa em particular, cujo único objectivo é, segundo diz, tramar-lhe a carreira, e pela comunicação social do sistema que vigia e mantém à distância as ovelhas negras ronhosas. Perceba isso, dr. Jardim. Há cada vez menos pachorra. E a culpa é exclusivamente sua.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A Autonomia a pataco

Disseram-me um dia que a gente só sabe onde chega depois de lá chegar. Acreditei na sentença, como é evidente, que a sabedoria popular nunca se engana e raramente tem dúvidas. E, em consequência, passei a adoptá-la como regra de prudência para as contingências da vida.
Por uma qualquer razão que ignoro, nunca me ocorreu aplicá-la à política. Se calhar, por nunca lá ter andado. Ainda assim, não desconheço que há poucas coisas na vida mais dadas ao sobe e desce. O que hoje é uma coisa, amanhã pode muito bem ser outra. Quem hoje está lá em cima, amanhã vem parar cá abaixo. A verdade de hoje é muitas vezes a mentira de amanhã. E nem as linhas de permanência que entre nós a estruturam deveriam ter-me feito esquecer que a volatilidade é uma das características mais importantes do tempo curto da política.
Que arrevesada reflexão, dirão os meus improváveis leitores. Sejam os que passam por aqui porque sim. Sejam os que por cá andam com segundas intenções. Sejam os vigilantes das ideias alheias potencialmente perigosas.
Passo então à explicação que é devida.
Acontece que pela leitura do DN percebi que o PSD abriu uma nova frente de combate ao primeiro-ministro. Como não podia deixar de ser, o pretexto desta vez é a crise. E do que a direcção política social-democrata se queixa é do facto de Sócrates não ter incluído a Madeira no plano anti-crise que recentemente anunciou.
Devo confessar que num primeiro momento achei justíssima a reclamação laranja. Sendo a Madeira uma parcela portuguesa, de facto parece mal que um plano qualquer da República lhe possa passar ao lado. Pagamos impostos como pagam os restantes portugueses. Não há lei que nos possa diminuir os direitos. E o governo que nos representa lá fora é o mesmo que representa o resto do país. Vai daí dei por mim a considerar que Lisboa desta vez foi longe de mais. Só que depois lembrei-me que somos uma região dotada de instituições políticas de auto-governo. Que dizem irresponsavelmente que não há crise que nos atinja. Que asseguram a quem as ouve que temos um desemprego residual. Que vão ao ponto de recomendar ao país as fórmulas de política económica que por cá se praticam, como se fossemos um país diferente ou um caso à parte. E que têm até o direito de bloquear iniciativas sobre matérias que nos dizem respeito caso não sejam previamente consultadas.
Aqui chegado, a minha primeira convicção vacilou. Porque dei por mim a pensar que seria considerado um insuportável atrevimento que um primeiro-ministro qualquer nos incluísse à nossa revelia num qualquer dos seus planos. Porque me lembrei que o anti-centralismo militante que faz de conta que nos governa não admite que venha alguém de fora dizer-nos o que é que precisamos. Porque não consegui deixar de pensar que a cultura política oficial vigente por cá nos diz que uma coisa é a Madeira e outra é o rectângulo. E porque, nesta sequência de ideias, não me consegui lembrar de uma única iniciativa do governo regional no sentido da nossa inclusão, previamente negociada, no tal famigerado plano anti-crise.
Isto desculpa totalmente a omissão do primeiro-ministro e do seu governo? Sinceramente, não creio. Mas absolve de algum modo o poder político regional? A resposta só pode ser um rotundo e sonoro não. Quanto mais não seja, porque é o poder que nos está mais próximo. E porque lhe incumbe, em primeira instância, a missão de nos representar.
O episódio teve, no entanto, alguns méritos. Demonstrou que nas alturas de maior aperto até os autonomistas mais empedernidos parecem dispostos a atirar às malvas a autonomia de que se julgam donos - agora até acham que o estado central deveria lembrar-se de nós à revelia dos nossos órgãos de governo próprio. E revelou como um poder autonómico esgotado, sem soluções, quezilento, falho de ideias, e que desistiu de nos representar, é capaz de atirar a autonomia que devia defender para o colo do centralismo, apenas com o miserável propósito de se desculpabilizar ou tentar salvar a pele. E aqui termino voltando ao ponto de partida. A verdade é que nunca imaginei que os políticos que fizeram da autonomia o sustento político e material das suas carreiras pudessem chegar ao ponto de um dia pedir que se deixe de fazer caso dela. Uma verdadeira tristeza! São precisos novos autonomistas, é o que é. Porque, como se vê, estes já chegaram onde nunca se pensou que algum dia pudessem chegar.
Bernardino da Purificação

sábado, 10 de janeiro de 2009

O regresso da fábula dos porcos

Apesar de alguém andar fraternalmente a pedir o troco devido, vou continuar a optar pela via da contenção. Compreendam. Recuso chafurdar nas pocilgas que dão guarida aos arteiros desta vida. E consigo encontrar alguma gratificação no facto notório de alguém andar acometido de repentinos sobressaltos. Pelos vistos, nada como um bom susto para fazer saltar dos improváveis pedestais que ocupam uns quantos cavalheiros atormentados. Bem vindos, pois, ao terreiro da luta. Sintam-se em casa. Desfrutem. E votos sinceros de que haja por aí aprovisionamento suficiente de sais de frutos.
Não ignoro que os espíritos não-beligerantes são quase sempre incompreendidos. Considero-me assim suficientemente advertido para o facto dessa treta da não-beligerância poder ser confundida com a tibieza pura e simples. Como imaginam, não vou discutir o assunto. Não só porque a dúvida faz parte do jogo. Mas sobretudo porque sei que entre o medo e a ousadia há uma linha muito mais ténue do que podem supor os ditadorzecos de aldeia, e respectiva corte de vigilantes, que possam cirandar por aí. Mesmo considerando o arsenal de intimidação que têm ao seu dispor. E mesmo sabendo que eles não sabem, tão ofuscados andam com o unto oleoso do seu brilho, que a força bruta às vezes também se combate com recurso à força bruta.
Pretendeu alguém convencer-me que o modestíssimo autor deste blogue terá sido subtilmente ameaçado um dia destes. Palavra que o ingénuo que ele é teve e tem dificuldade em admiti-lo. Em primeiro lugar, porque não conseguiu enxergar qualquer ameaça. Em segundo, porque é incapaz de creditar qualquer laivo de subtileza ao trogloditismo militante e relapso que usa assentar por cá a porcina chafurdice dos seus arraiais. Não estranhem. A subtileza é descendente directa da inteligência. Ora, acontece que a fauna anafada que por aí anda desistiu há muito de dar corda ao intelecto. Basta-lhe, pobre dela, a arteirice. Ainda assim, registo a advertência. Nesta espécie de acta que encerro e assino. Bem ao contrário das que jazem delituosamente assinadas e abertas o tempo que exigem as jogatanas do costume.
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O mistério dos ares da terra

Aselhice, meus senhores. Pura e simples. Mesmo que a trama tenha sido bem urdida. E mesmo que só se tenha dito a verdade e nada mais do que a verdade.
Foi assim. Alguém, certamente animado dos mais nobres propósitos, resolveu introduzir no debate interno social-democrata a relevantíssima questão das relações pessoais entre Cunha e Silva e Miguel Albuquerque. A aparência das coisas terá deixado a ideia de que tão pertinente iniciativa visou simplesmente desdramatizar um problema maçador. Compreende-se. Quando um balão enche de mais, pica-se e resolve-se o problema. Só que em política é preciso desconfiar. Se não dos propósitos do que se diz, pelo menos dos efeitos prováveis daquilo que for dito. Sob pena de uma simples palavrinha atirada singelamente ao vento poder transformar-se numa curva perigosa onde pode derrapar um destino (ou até dois, vá lá a gente saber...).
Vejamos. Estamos todos fartos de saber que Miguel Albuquerque e Cunha e Silva não se enxergam nem pintados. O tema não é novo. Os afloramentos mais azedos da acrimónia pessoal que os traz desavindos estão bem presentes na memória de todos. E, a bem dizer, ninguém ignora o que é que está por detrás da querida inimizade que ambos nutrem afectuosamente um pelo outro. De facto, por uma qualquer razão que só o espírito do tempo e os ares da ilha podem explicar, suas excelências entendem que têm condições para um dia presidirem ao governo da Região. E o resultado é aquele que se conhece: em virtude desse estranho milagre que nem a razão nem o senso são capazes de alcançar, os cavalheiros consideram que a sucessão de Jardim é assunto exclusivamente seu. Que têm o direito de tratar como muito bem quiserem e entenderem. E que, sabemo-lo já, resolveram tratar pela simpática via da aniquilação pública recíproca. Uns aprendizes de feiticeiro, é o que são. Com mais olhos que barriga. E com muito mais atrevimento do que tino.
Entre vários outros, os dois cometeram um erro estratégico elementar. Não perceberam que no maximalismo das guerras de eliminação não há lugar para empates. Ou ganha-se tudo, ou perde-se tudo. É tão simples quanto isso. De modos que se os dois continuam a andar por aí alegres da vida é porque estão ambos derrotados sem o terem ainda percebido. O que não deixa de nos dizer alguma coisa sobre a agudeza de vistas dos dois cavalheiros em questão.
Mas, há mais. A somar ao erro estratégico, os dois simpáticos beligerantes têm-se fartado de cometer uma boa meia dúzia de erros tácticos. Disparam a torto e a direito sem cuidarem de saber se acertam ou não no alvo. E permitem-se até, como mais uma vez aconteceu, dar pública nota do azedume que lhes vem do fígado e alimenta o espírito. Resultado: as coisas chegaram a um tal ponto que Albuquerque e Cunha e Silva não passam já de apelidos de facção ou de sinónimos de divisão.
Jardim está assim nas suas sete quintas. Pode manipular as coisas à vontade. Dá força a um. Finge que, no fim de contas, até é capaz de apoiar o outro. E o mais certo é que vá preparando na sombra a bissectriz de uma terceira via qualquer. E nem Cunha e Silva nem Albuquerque perceberam que quanto mais assumirem em público o conflito que travam, seja por iniciativa própria, seja por tramóia alheia, mais ajudam a desenhar uma alternativa unificadora do partido que obviamente os exclui. Que tansos que eles são!
Bernardino da Purificação

domingo, 4 de janeiro de 2009

Carta aberta a quem de direito

Vá lá, dr. Jardim. Atreva-se. Mostre a ousadia que tem. Afronte o situacionismo nacional que tanto tem denunciado. Decida-se. Mergulhe de cabeça na política a sério. Não quer fazê-lo? Compreendo. A maçonaria não deixa. A comunicação social também não. O eixo Lisboa-Cascais muito menos. E o bloco central dos interesses anda mesmo à espera de lhe dar uma boa coça. Sendo assim, faça-nos um favor. Acabe com as rábulas. Deixe-se de ameaçar muito e fazer muito pouco. E, já agora, perceba de uma vez por todas que o seu lugar é aqui. Nesta política pequenina onde só há lugar para quem manda. Nesta refrega de campanário mais ou menos acomodada ao polimento lustroso dos seus modos, à sereníssima expressão da sua vontade, à suavidade aveludada do seu estilo.
Note. Quem, como vosselência, tem a seu crédito a proeza de criar dependentes como quem faz o milagre da multiplicação dos servos não pode pura e simplesmente virar as costas e zarpar para outras paragens. Não só é preciso cuidar dos órfãos, como parece pouco cristão puxar o tapete aos comensais que, a seu convite, se sentam consigo à mesa do nosso orçamento. Pode ser que lhe doa. E acredito até que isso lhe possa trazer imensa infelicidade. Mas acredite, meu caro dr. Jardim: a política madeirense é um cálice que vai ter de tragar até à última gota. Porque o futebol profissional precisa de si. Porque a política de transportes marítimos não o dispensa. Porque as vias litorais e expresso, e as demais correlativas ou congéneres criaturas, exigem o aval da sua presença. Porque as sociedades de desenvolvimento não aguentam o amparo único do notável estadista que chamou para seu vice. Porque há mais meia dúzia de centros cívicos por fazer. Uma mancha de laurissilva por destruir. Um pedaço de frente-mar por descaracterizar. Uma ilha para continuar a esburacar.
Santa paciência, dr. Jardim. Conforme-se ou não com a tristeza da perspectiva, vossa mercê não tem outra saída. O seu lugar é junto dos seus. De maneira que lhe peço encarecidamente: deixe-se de fitas. Trabalhe. Comece a preocupar-se mais com as competências que tem e menos com as que diz que ainda lhe faltam. Dê atenção à crescente pobreza que já nem consegue esconder-se. Analise como deve os trágicos números da escola que nos envergonha e hipoteca o futuro. Repare que as desigualdades aumentam apesar das carradas de euros que nos caem em cima. Olhe com atenção para as dificuldades do nosso tecido empresarial. Observe o desemprego que sobe. As falências que aumentam. O turismo que soluça. Em suma, comece a governar com os meios que tem. Demonstre de forma positiva e em actos que é vantajoso para todos aprofundar e alargar a autonomia que temos. E deixe-se de subterfúgios. E acabe com as rábulas. E ponha termo aos números de mau circo em que incorre cada vez que deixa cair a sugestão de que é desta que vai atirar-se à política nacional.
Ou então, dr. Jardim, decida-se de uma vez e vá. Mande às urtigas os dependentes dos milhões da bola. Marimbe-se para os que têm feito consigo a Madeira Nova de realizações notáveis, obras discutíveis e exclusões evitáveis. E, ao menos uma vez na vida, tenha a coragem de assumir riscos. Como sou tão modesto a pedir como indigente a pensar, só lhe peço que resista à tentação de participar activamente na escolha do seu sucessor. Não é por nada. Mas suspeito que a paródia seria assim bastante maior.
Bernardino da Purificação

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

As tentações natalícias

Palavra que já tinha saudades. Não sabia que esta forma de convívio tecnologicamente mediado pudesse ser tão gratificante. Quase um vício. O interregno dos dias que passaram fez-me perceber que isto é, afinal, muito mais pessoal do que algum dia fui capaz de supor. Apesar da impessoalidade do meio utilizado. E a despeito de, no final de contas, tudo se resumir a meia dúzia de observações e um número idêntico de ideias postas a circular.
Um vício bom, em suma. Que retomo com gosto. Que já me andava a fazer falta.
Devo dizer, aliás, que me senti várias vezes tentado a interromper a trégua natalícia que me impus. Devem ter reparado, com certeza. Gostemos ou não, ele há sempre gente que nem no Natal consegue dar descanso à nossa paciência. Como o ex-senhor ministro da República. Como o cavalheiro que faz de conta que governa com o título lustroso de vice, de muita pompa e escassa ou nula substância. Ou como o eterno dr. Jardim que nunca perde uma oportunidade de alardear a visão cínica que tem da política.
Foi assim. O senhor conselheiro Diniz teve o atrevimento de dar uma ilegítima reprimenda pública a um legítimo representante do povo desta Região. O inenarrável vice fez o favor de sacar do inesgotável bornal do disparate mais uma das suas pérolas quinzenais. E o nosso senhor presidente entendeu dever criticar Cavaco Silva por este ter cometido o trágico erro de levar muito a sério e demasiado longe uma (imagine-se!) singela questão de princípio.
Comecemos então pelo princípio. O senhor representante nomeado não gostou que o líder do PP tivesse levantado a voz para exigir um veto ao famigerado jackpot com que a maioria parlamentar agraciou os partidos políticos madeirenses. Um desaforo, terá pensado sua excelência. Um deputadozeco, ainda por cima eleito, ainda por cima de um partido minoritário, a fazer política à custa da sua excelsa função e da sua soberaníssima vontade? Que impertinência! Leva uma rabecada e pronto, que assim pode ser que se emende. Valeu na circunstância que o líder do PP lhe respondeu à letra. Mas não deixa de ser inquietante verificar a pesporrência com que um servidor público (eufemismo de "funcionário") de legitimidade nomeada acha que pode tratar um político eleito. Para já não falar da desproporcionada parcialidade com que sua excelência se encolhe perante as diatribes da maioria e se empertiga cada vez que ousam falar as várias minorias. A culpa, claro, também é delas. Tanto defenderam a necessidade de um ministro ou de um representante da República que acabou por lhes sair na rifa um mal disfarçado compincha do poder político regional. Aguentem-no, pois. Mas, já agora, aprendam e reflictam. Esta figura esquisita, que não é carne nem peixe, com ar de tutor e vocação de mestre-escola, não tem razão de ser. É político, mas não é político. E tão conveniente hibridismo confere-lhe uma prerrogativa que nenhum outro político tem: é praticamente inamovível. Coisa notável, não acham?
Fale-se agora do dr. Cunha. Eu às vezes fico sem saber se o homem goza connosco ou se está mesmo convencido das barbaridades que diz. Vejam como lhe dou o benefício da dúvida. Ora acontece que alguém lhe terá dito que há uma relação qualquer entre o crescimento económico e o consumo de energia. Pois bem, o vice não quis saber de mais nada. Chamou o dr. Rebelo, que era para ser secretário das Finanças mas que preferiu dirigir a EEM que o dr. Cunha faz questão de dizer que tutela. Pediu-lhe os mapas do consumo. Constatou que os gráficos subiam. E, num êxtase, descobriu que a economia da Madeira cresce de tal modo que qualquer dia nem cabe na exiguidade da ilha. Acudam-nos, por favor. Isto já começa a roçar ou a indigência ou a insanidade. E não há uma alma caridosa que pergunte a esta gente quem são os principais consumidores de energia da terra. Da mesma forma que ninguém se dá à maçada de perguntar à EEM do dr. Rebelo, e que o dr. Cunha orgulhosamente tutela, o número dos consumidores em dívida, a identidade dos caloteiros públicos, e o cálculo estimado dos desperdícios. Mas isso, é claro, há-de ser coisa que se calhar não interessa...
E a finalizar, o dr. Jardim. Poucas linhas. As suficientes para lembrar apenas o comentário feito pelo homem de convicções e princípios que é o nosso presidente à forma como Cavaco Silva lidou com o problema das evidentes inconstitucionalidades do Estatuto dos Açores. O presidente da República deu demasiada importância à questão, sentenciou o dr. Jardim. E por aí se ficou, como se para si fosse errado dar importância às questões de princípio. Cada um está na política como pode. Ora, pelos vistos, o dr. Jardim só pode assim. Para ele não há princípios. Só há oportunidades. Obrigado pelo esclarecimento, senhor presidente. E, já agora, veja lá se é capaz de fazer qualquer coisa para que possamos ter todos um bom ano novo.
Bernardino da Purificação