O dr. Miguel Mendonça resolveu descer à terra. Discretamente. Sem pré-aviso. De uma forma tocantemente inesperada. Se calhar, digo eu, não resistiu à saudade das suas raízes telúricas. Ou então, hipótese igualmente aceitável e sem dúvida legítima, cedeu por momentos à agonia das vertigens que lhe desafiam o equilíbrio. Não é caso para menos. Isto de passar a vida em majestáticas alturas há-de entontecer, presunção minha, até as naturezas mais fortes e blindadas.
Em abono da franqueza, devo confessar que outras explicações mais cínicas me chegaram a interpelar a mente. Não foi culpa minha, sossega-me a consciência. Mas como o pensamento é um mistério que não se controla, dei comigo a contas com um braçado de razões, nem todas simpáticas, potencialmente explicativas deste inesperado regresso do dr. Mendonça lá dos ares que frequenta.
Não vou, obviamente, aqui revelá-las todas. Assusto-me facilmente com o lado mais negro das ideias que me chegam. E, a bem dizer, ainda me sinto mal refeito do enjoo que muitas das explicações putativamente alternativas me provocaram. Não resisto, ainda assim, a partilhar convosco que me ocorreu - veja-se bem por onde andou, revel, a vaguear-me o pensamento - que o dr. Mendonça entendeu, pura e simplesmente, juntar-se, também ele, à estratégia de ocupação do espaço opinativo mediático, decidida um dia destes pelo espírito sagaz do nosso sempiterno dr. Jardim.
Faz sentido. Por culpa exclusivamente própria, Jardim é nesta altura um general rodeado de soldados rasos. Os escassos oficiais militantes andam a tratar da vida. E poucos são aqueles que trazem aos ombros divisas ou galões de mérito merecido. Valha a verdade que a solidão do líder convive tranquilamente com a penúria da situação. Só precisa da companhia atenta do silêncio. E como o zumbido das vozes intermédias é quase sempre uma penosa maçada para o providencialismo populista, ao dr. Jardim basta-lhe o ruído do assentimento ou do aplauso. O problema é que às vezes há eleições. E como estas assentam em dispositivos comunicacionais mais ou menos complexos, é preciso pôr gente a falar. Quanto mais não seja para encher espaço.
É claro que, tratando-se do dr. Miguel Mendonça, a gente espera sempre que, para além de falar, ele seja capaz de dizer qualquer coisa. Mesmo quando escreve à civil, como é o caso do artiguelho que hoje publicou no espaço de opinião do DN. Ou que a finalidade da escrita se limite à urgência de encher papel, ou se fique pela necessidade de disfarçar o militante alheamento partidário que a generalidade da fidalguia laranja já nem se dá à maçada de esconder.
Não quero parecer cruel. Mas aquilo é uma decepção e uma oportunidade perdida. Pior. É uma página inteira de coisa nenhuma. Não há uma ideia, um pensamento, uma reflexão. Muito pior. Nem há sequer a mais leve tentativa de nos dar as explicações que nos deve. Nada nos diz sobre o seu recente encontro com o primeiro-ministro. Passa ao lado do ambiente de controvérsia e descrédito em que vive envolto o parlamento. Não dedica uma única palavra à Autonomia. Nem é capaz de situar a Madeira no quadro da crise que assola o país, a Europa, o mundo.
Ou seja, o dr. Miguel Mendonça desceu literalmente à terra. É presidente do parlamento, mas armou-se em cabo eleitoral de trazer por casa. Escreve em média uma vez por ano, mas nada de relevante nos trouxe. E em vez de se manter à altura do estatuto que tem, optou por aterrar no terreno pequenino das coisas óbvias, no chão rasteiro do recado interno e da crítica insinuada, no espaço da pequena intriga doméstica e de todas as tricas afins, no campo estreitinho onde só cabe o discurso politiqueiro. Mas, enfim, lá conseguiu escrever um textinho. No fim de contas, foi apenas isso que o chefe lhe pediu.
Bernardino da Purificação