domingo, 8 de fevereiro de 2009

O elogio do indício

Indício. A palavra, convenhamos, tem uma sonoridade interessante, sedutora. E o facto de poder rimar com vício dá-lhe um paladar tentador, quase doce. Ora experimentem lá dizê-la como quem procura um sabor. Se o fizerem, notarão com certeza que ela tem a textura suave de um sussurro. Porque é ciciada. Porque é sibilante. Uma tentação, em suma. Tanto para quem a diz, como para quem a ouve. O que há-de explicar, presumo, a enorme popularidade que lhe deram os media nas últimas duas ou três semanas. Tivemos indícios ao ritmo de meia dúzia por dia. Nos telejornais. Nos órgãos da imprensa. Nas conversas de rua.
Acredito que o fenómeno há-de ser um dia estudado. A forma empolgada, porém absolutamente inconsequente, com que o país se agita e comove com a diária revelação de indícios só pode ser um caso de estudo. Não sei é se vamos gostar das conclusões. Porque isto de substituir os factos pelas suas indiciárias e eventuais possibilidades tem muito que se lhe diga. E porque isto de passarmos a vida a trabalhar sobre hipóteses há-de levar-nos um dia a qualquer lado. Ainda assim, gosto. Nada como um indício promissor e suculento para trazer animada a malta. Do que não gosto é desta espécie de separatismo cívico que nos afasta do festim. Como se em matéria de indícios o rectângulo tivesse mais direitos do que nós.
O licenciamento do Freeport é um caso suspeito. Grande coisa! Por cá, sabemos que a Câmara do Funchal tem andado envolvida em negociatas várias, no dizer sabedor do senhor vice-presidente do governo. Do mesmo modo que ouvimos falar há anos dos andares recuados e dos quinhentos, dos edifícios de volumetria excessiva e cércea ilegal, dos sinais exteriores de fortunas nunca explicadas, das chorudas avenças concedidas a amigos a pretexto de coisa nenhuma, das obras que mal passam no critério da utilidade, mas que passam sempre por cima dos orçamentos iniciais, dos terrenos que se traficam debaixo da mesa por empresas que aparecem e desaparecem levando consigo as provas e os rastos, das quintas que se compram por somas avultadas depois de passarem pelas mãos asseadas de meia dúzia de notáveis do regime, dos dinheiritos, enfim, que andam por aí em notas de banco ao arrepio das regras mais elementares da transparência.
Não obstante tal quadro, poucos se indignam e, pelos vistos, quase ninguém se comove. Como se isso por cá fosse coisa banal. Como se por cá nos tivéssemos habituado a conviver sem dramas com os nossos freeports, com os nossos savoys, com as nossas quintas escuna. Ainda assim, consigo retirar do facto algum conforto. Nem tudo está perdido. Nós também temos os nossos indícios. A única pequena diferença em relação ao rectângulo reside no escabeche em que os cozinhamos. Nós por cá somos mais dados à paciência do lume brando. Se calhar, por causa do regime que nos autonomizou os hábitos e regionalizou os costumes.
Bernardino da Purificação
Post scriptum
Ainda à volta dos indícios. Naquela coisa indigente que faz publicar na revista do DN, o inefável dr. Cunha informou-nos que Dickens foi um dos autores que leu na infância. Não o invejo. Ou foi mais que precoce. Ou é um super-sobredotado. Ou teve uma infância demasiado prolongada. Ou tem uma relação complicada com a verdade e pouco séria com o passado. Ou está com problemas, igualmente precoces, de memória. Ou é, pura e simplesmente, um caso desavergonhado de iliteracia envergonhada. Mais. Na sua listinha de autores pretensamente lidos, tem o atrevimento de pôr no mesmo saco, comparando-os, Crichton e Fleming, Dan Brown e Le Carré. Que se tenha esquecido de Chandler e de Stout já não é coisa pouca. Mas misturar o que não pode ser misturado só pode ser indício de: a) o cavalheiro não sabe o que diz; b) lê títulos mas não lê livros; c) a literatura, para ele, tem serventia idêntica à dos parques empresariais às moscas; d) não tem um pingo de vergonha na cara; e) todas as hipóteses precedentes são verdadeiras e acumulam-se na pessoa do indivíduo em questão. Como é óbvio, a lista dos indícios não acaba aqui. Pode crer o dr. João que até o Dan Brown é capaz de acrescentar-lhe mais alguns.

5 comentários:

Anônimo disse...

Bravo meu Distinto e Ilustre Bernardino.

Realmente a nossa peregrina autonomia democratica, coartou-nos o elementar direito de comentar os reconhecidos "mamanços"(perdoe-me o termo, mas este é insubstituivel)

A "Quinta Escuna" as maravilhosas propriedades à beira mar, para os lados do sério , erudito e inegavel Baeta.

As participações sociais na "Edifer" e outras mais.

Os palacios do Dr. Aventura, o tal que nunca teve nenhuma tia velhinha na América que o tivesse bafejado em testamento. Enfim...!

Não são seguramente objecto que suportem qualquer comentário face ao real desenvolvimento desta Região de sucesso, a qual pasme-se, não conheceu, não conhece, nem tampouco vai conhecer a crise que abala o mundo.

Não se esqueça, somos efectivamente superiores !

Tão superiores ao ponto de nos darmos ao luxo de termos um vice-presidente, tão erudito, tão erudito, que escreve aquilo que escreve no DN.

Não sei se deles será o Reino dos Céus, mas seguramente serão donos e senhores do reino da deslealdade, da pouca vergonha e da miserabilidade, enquanto nos onerarem na vida com a sua presente falta do mais elementar pudor.

Anônimo disse...

Indicios...mas quais indicios ?

Será que indicios, referem-se a pormenores como a casa da Calheta, "comprada" a um imigrante, construida de "borla" pelo mestre Jose Humberto, com o apoio do sócio Arlindo, ao que parece falido recentemente, porque brigou com o chefe ou sócio, e cuja entrada, foi fanada à vizinha de cima e aberta com a "catterpiller" da Camara ?

Erudito, o quê falamos do mesmo "banana" que passava o tempo na mercearia do Francisquinho, abaixo do Liceu, comprando e trocando livrinhos do Patinhas, Ogan e major Alvega ?

Por favor, vamos elevar o diálogo e falar de assuntos sérios.

Anônimo disse...

A vida social portuguesa está muito próxima daquilo que o País viveu pelos finais dos anos 20 do séc. passado.O descrédito dos partidos junto dos eleitores é real. Temem todos aqueles que estão fora das organizações partidárias. São imprevisiveis dizia o dr Jorge Coelho. O cartão de sócio impõe-lhe deveres, úteis ao partido, para controlar as vontades. Escondem-se depois os desvios das Felgueiras, dos Majores Valentins e etc... em nome da solidariedade política. Assim vai o nosso País. Aqui é diferente? Não parece. Basta olhar à volta.

Bruder disse...

Preocupa-me este Bermardino..E pergunto :onde, em que data, por que motivos, o dito Bernardino não entrou nas " elites" do Povo superior, assim tão dotado, tão Serafim, tão observador ?Que raio lhe fizeram que o homem ficou a debitar letrinhas -bem alinhadas, conceda-se, mas letrinhas - umas atrás da outras, num frenesim demolidor, sem que as araras do regime notassem a sua presença ?Em que encruzilhada da vida ficou este Bernardino traumatizado, despertando-lhe assim o rancor, a inveja , o típico bilhardeiro da esquina ?Como é possível que esta "enormidade" da Ilha não tenha acedido aos mais altos cargos da Administração Pública, aos estofos de Juiz, aos cimos do jornalismo de opinião ?Em que recanto bolorento está esta personagem, esperneando incognitamente, sem que as " elites pensantes" do arquipélago o reconheçam como a Sumidade que pretende ser ?Mais que busquemos não há ainda indícios !E já agora que estamos ; o que espera o Bernardino, como cidadão de primeira que pretende ser, consciente dos seus direitos e obrigações, amparado pelo Estado de Direito que o protege como bloguista, sobretudo no direito a expressar o que lhe passa pela cabeça, que espera, dizia, para apresentar formalmente nos tribunais, dentro ou fora da Ilha, as denúncias e justificá-las conforme o Direito ?Imagino que deve ser mais um que " tem medo do regime" e como deve mamar da teta regional, penica , debita, e contentinho no buraco do incognoscível ,tem todas as razões do mundo.De uma vez por todas dêem-lhe um " tacho" qualquer. o homem clama aos quatro ventos.

Anônimo disse...

...