quarta-feira, 30 de julho de 2008

A cidade derrotada na arena

O ponto de vista, garanto-vos, não tem nada a ver com as minhas preferências clubísticas. Até porque o adepto nacionalista que sempre fui é incapaz de faltar ao respeito aos restantes clubes da terra. Sejam o Andorinha ou o Canicense. Sejam o Marítimo ou União.
Apetece-me falar, como se percebe, da ideia de entregar o estádio dos Barreiros ao Marítimo. Para dizer que não concordo com a medida. Por entender que a cidade é mais importante do que um clube de futebol, por muito respeitável que ele possa ser. E por achar que o Funchal nada ganha com a manutenção de um estádio de futebol numa das suas zonas mais nobres.
Dada a idade que tenho, recordo-me da forma como a cidade tem vindo a expandir-se nos últimos trinta ou quarenta anos. Lembro-me, em consequência, de como tem vindo a incorporar no seu seio terrenos outrora quase rurais que lhe ficavam na periferia. E não sou indiferente ao facto de se ter deslocado para oeste o seu eixo de crescimento urbano.
Não quero discutir aqui nenhuma das soluções encontradas no quadro do plano ordenador dessa expansão. Até porque ele, se calhar, andou muito mais a reboque dos acontecimentos do que lhes serviu de guia orientador. Limito-me, pois, a dar conta de factos. Que estão à vista de todos. E que, por isso mesmo, não deviam ser ignorados.
Devo dizer portanto que foi com atenta e interessada expectativa que li as primeiras notícias dando conta da possibilidade de o Marítimo ir jogar para outra freguesia. A ignorância da minha condição de leigo em questões de desenvolvimento urbanístico pensou ingenuamente que a cidade iria ter, enfim, a possibilidade de requalificar uma das suas áreas mais importantes. Dotando-se eventualmente de mais um espaço verde capaz de arejar a excessiva densidade habitacional do seu poente. Ou permitindo o desenvolvimento de qualquer outro projecto que pudesse casar, com harmonia indiscutível, a construção e o ambiente.
Pois bem, hoje esfumou-se a esperança. O DN divulga na sua primeira página o mais que discutível projecto da denominada Arena do Marítimo. Para começar, só o nome dá arrepios. Uma arena numa terra e num país onde os campos de bola não passam de modestos estádios de futebol! Depois são a aparente volumetria da coisa e os elevados custos do objecto. Finalmente, é a perpetuação, sem ganho aparente para a cidade e para os seus moradores, do quadro de constrangimentos habitualmente associado à existência, em terreno de grande malha e densidade urbana, de um campo onde se assiste e joga à bola.
Já sei que a discussão que há-de vir por aí acabará infelizmente por descentrar-se do essencial. Em vez de se discutir a cidade, há-de argumentar-se que a solução hoje apresentada há-de ser mais barata do que construir um estádio de raiz na periferia da cidade. E para dourar a pílula há-de acrescentar-se (o que, aliás, o DN já hoje começa a fazer) que a tal dita arena que se projecta há-de ser assim uma espécie de objecto multi-funções e multiusos. Falácias, pois então. Porque o Marítimo já recebeu do erário mais do que o suficiente para poder construir um estádio seu sem se sobrepor aos interesses da cidade. E porque os auditórios e coisas quejandas com que pretende alindar o pacote poderiam à mesma ser feitos num outro sítio qualquer.
Insisto, o problema para mim não é o Marítimo. É a cidade. E é também, como é evidente, a boa utilização do espaço e dos dinheiros públicos. Ora acontece que o CSM anda há décadas a esbanjar muito do dinheiro dos nossos impostos com a meritória e certamente lucrativa actividade de importar e exportar (muito mais aquela do que esta) profissionais sul-americanos do jogo da bola. E agora, se calhar como prémio de bom comportamento, vai ter a possibilidade de abocanhar um dos nacos mais suculentos de uma cidade cada vez mais comprimida, cada vez mais espremida. Para certa gente, planear é isto. O que é que se há-de fazer?!!
Bernardino da Purificação

terça-feira, 29 de julho de 2008

Um mistério político-mediático

Espero sinceramente estar enganado. Mas a "estória" do novo jornal que está para chegar parece-me um bocado mal contada.
Concedo. O dr. Jardim, que lhe anunciou a chegada, não avançou pormenores. Limitou-se a dar conta do facto, e remeteu mais explicações para o editor do dito cujo. Assim, a bem dizer, não há propriamente uma história contada. Houve apenas um anúncio. Mas o facto de ter sido mais ou menos fugidio, assim como quem não quer a coisa, levanta suspeitas, traz água no bico.
Vamos lá a ver. Alguém acredita mesmo que o PSD era capaz de lançar um jornal sem antes apresentar o projecto, em todos os seus detalhes, ao dr. Jardim? Tenho a certeza que não. E alguém acredita que o dr. Jardim permitiria que o seu partido estivesse a preparar o lançamento de um jornal quase à sua revelia e sem o seu envolvimento directo? Só quem for ingénuo.
Acreditem. O líder do PSD sabe tudo tintim por tintim. Não só sabe o nome da nova publicação, como lhe conhece certamente o corpo redactorial e os prováveis articulistas, para além, claro está, do grafismo que a coisa há-de ter. E só há-de pensar o contrário quem não conheça o dr. Jardim, quem ande na lua ou habite outro planeta, ou então quem acredite que o PSD é um partido de decisões descentralizadas. Ora, como eu ando cá por baixo e sei, ou penso que sei, que o denominado centralismo democrático não constitui de modo algum um exclusivo do PCP, ouvi com desconfiança o anuncio do dr. Jardim. Até porque que não pude deixar de pensar que o presidente da agremiação laranja estava a esconder jogo na manga.
É claro que um dia destes há-de saber-se mais qualquer coisa. E não será, podem crer, o secretário-geral Jaime Ramos o arauto das próximas novas. Muito provavelmente, as passeatas estivais do dr. Jardim pelo areal porto-santense acabarão por explicar o que falta ainda explicar. A menos, é claro, que o DN já tenha na mão a garantia negociada de um pseudo-furo jornalístico de Verão, como se percebe que muitas vezes acontece.
Como quer que seja, o facto de Jardim ter propositadamente guardado o jogo dá que pensar. Que esconde ele, afinal? Como é bom de ver, a resposta seria óbvia se estivéssemos a falar de um jornal elaborado com intuitos comerciais. Porém, tratando-se de um órgão assumidamente partidário, de natureza, em suma, politicamente confessional, presumo não haver nem necessidade nem interesse em manter na penumbra das caves da Rua dos Netos os restantes pormenores que ficaram a faltar à notícia dada pelo dr. Jardim. A menos que o segredo, que as omissões de Jardim acabaram por transformar em quase mistério, se justifiquem por motivos que ultrapassam o mero interesse exclusivo da publicação cujo lançamento se anunciou para Outubro.
Eu quero acreditar que o ex-secretário-geral adjunto do PSD, Filipe Malheiro, não faltou à verdade quando escreveu no seu blogue que este novo jornal não terá nada a ver com o futuro do JM. Ele compreenderá, no entanto, que a gente fique de pé atrás. Não em relação à sua sinceridade. Mas sim em relação ao pleno conhecimento que possa ter sobre o assunto. É claro que é injusto pensar que um jornal como o JM pode vir a ser substituído por um órgão de um partido político. Porém, o facto de o partido do poder ter planeado o lançamento da sua folha para uma altura em que parece estar em causa a sobrevivência do JM é algo a que ninguém consegue ficar indiferente. Nem mesmo fazendo de conta que desconhece o grau de governamentalização existente na condução editorial do antigo jornal da Diocese.
Insisto. Não é justo admitir que o vazio que o JM venha a deixar possa ser preenchido por um órgão partidário. Porém, reconheça-se. Quem tem culpa dessa espero que improvável relação é quem tem olhado para o JM como mero instrumento de propaganda, e quem, não contente com isso, faz agora "caixinhas" político-mediáticas despropositadas acerca de um futuro que é já daqui a dois meses.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Delírios e omissões do conselheiro Jardim

Foi frouxo, sim senhor. Jardim, afinal, prometeu e cumpriu. Aquilo não foi nada que não se tivesse já visto ou ouvido em qualquer parte. Mais os copos do costume. O dr. Marcelino do costume. O narcisismo de sempre. O Jaime Ramos habitual. O despudor useiro e vezeiro do chefe de cobranças dos nossos impostos. E, por junto, duas ou três frases mais picantes oferecidas aos media para lhes justificar a subida até à serra.
Por este andar, o Chão da Lagoa não passará qualquer dia de local de peregrinação. Devidamente vigiado pela tropa colonial. Provavelmente controlado pela PJ e pelo SIS. Acompanhado de perto pela PSP e pela Guarda Fiscal. Tudo, é claro, em forma de conspirativo aparato militar, para-militar e policial (uff!), organizado e dirigido pelo tenebroso cérebro oculto (os tribunais!) que comanda, em nome de Lisboa, todo este exército de ocupação colonial.
Haja paciência. É isto o que tem a dizer um conselheiro de Estado a quarenta mil dos seus mais fervorosos prosélitos. Se não desse directamente para o domínio do patológico, a coisa, convenhamos, até era capaz de ter graça. Mas como, apesar do delírio, faltaram as referências aos escuteiros, ao Sanas, às Guias de Portugal, aos corpos de bombeiros, às organizações do jogo do bicho, e a outros demais grupos congéneres, correlativos ou afins, prefiro não esboçar ainda qualquer sorriso, confiante de que um dia o dr. Jardim ainda nos surpreenderá com mais alguns degraus da escala do ridículo. O problema é que nessa altura o espectáculo também não há-de dar vontade de rir. Até porque, no mais das vezes, o patético dá pena.
Fizeram-me espécie, no entanto, duas outras referências e uma omissão. Primeiro esta. Ao falar do dispositivo de ocupação colonial que lhe povoa os sonhos e tolda o siso, o dr. Jardim não fez uma única referência ao representante da República. Será que há para aí qualquer aliança escondida entre o conselheiro Monteiro Diniz e o conselheiro de Estado Jardim? Querem ver que, afinal, é tudo farinha colonialista do mesmo colonial saco?!!! Mau. Arrepio-me só de pensar que a toupeira do centralismo possa ser o nosso folclórico líder. Mas como no discurso político as omissões falam e deixam ruído, aqui ficam a hipótese e o alerta. Em nome, já se vê, da Autonomia que prezamos.
Agora as duas referências. Primeira. Por uma qualquer razão que me escapa, o dr. Jardim não quer que a Guarda Fiscal fiscalize as operações portuárias. Eu presumo que ele há-de saber que, por definição, uma guarda fiscal é aquela que fiscaliza. Ora, não havendo outra, por que razão se incomoda tanto, o dr. Jardim, com a fiscalização da carga carregada e descarregada no porto do Funchal? Será que...? Será que...? Bom, o melhor é deixar assim a pergunta, que a sua simples formulação assusta tanto como algumas das respostas possíveis.
Adiante para a segunda. Nunca como ontem vi o dr. Jardim tão abespinhado com as ordens de Bruxelas. Ora, eu sou do tempo em que o líder madeirense fazia questão de mostrar à eurocracia bruxelense que os madeirenses eram quase mais europeus que portugueses. Aliás, semana sim, semana não, o dr. Jardim fecha o governo da Madeira e troca a ilha por uma escapadinha de vários dias ao centro político da Europa. Assim, ninguém há-de levar a mal que as suas comicieiras palavras me tenham provocado o espanto de que agora vos dou conta. O que é que a Europa passou a ter de mal? Ou não terá passado tudo de um afloramento nacionalista debitado de propósito para memória futura e para o que der e vier?!
Tem piada. Reparo agora que o Chão da Lagoa de ontem foi, afinal, mais interessante do que tinha inicialmente pensado. Ele há cada uma!!!!!
Bernardino da Purificação

domingo, 27 de julho de 2008

A primavera do Cunha

O dr. Cunha e Silva acaba de descobrir a África do Sul. Boquiaberto com a descoberta, resolveu partilhar connosco as suas profundíssimas impressões acerca de um país que, para si e pelos vistos, só agora ganhou existência real. Ele há gente assim! O mundo gira há triliões de anos. Tem uma história e uma geografia mais ou menos conhecida. Mas para muitos não vai além da parcela ínfima por onde andam. E um dia, claro, ei-los em descobertas pasmadas de que prontamente dão conta em artigos de jornais. E nós, claro também, gratíssimos pela informação de que o mundo conhecido de repente cresceu.
Que descobriu então o dr. Cunha e Silva? A avaliar pelo seu escrito na revista do DN não se pode dizer que tenha sido muito. Não obstante, terá sido o suficiente para o nosso governante ter ficado a saber que a África do Sul é um país grande e rico, que nele se vive actualmente um clima de reconciliação e tolerância, que a maioria negra não faz à minoria branca o que esta lhe fazia não há muito tempo atrás, e que, se não fosse a dimensão humana, histórica e política de Nelson Mandela, muito provavelmente não teríamos mais do que o ajuste de contas onde temos actualmente a procura da concórdia.
Abençoada viagem, esta do dr. Cunha e Silva, que tanta descoberta e em tão curto espaço de tempo permitiu! De maneira que não ficava nada mal, antes pelo contrário, que juntássemos o nosso pasmo ao do nosso querido vice. Abramos, pois, com ele a nossa boca de espanto.
É claro que apetece recordar ao dr. Cunha e Silva que vice-lidera um governo que fez tudo o que pôde (com algumas cumplicidades que não vêm agora ao caso) para branquear os horrores que tardiamente agora descobriu. Como sei que tem memória, ainda que tenha o defeito de ser selectiva, não vou obviamente fazê-lo. Até porque sei que já cá andava quando Mandela não passava de um terrorista preso. Do mesmo modo que não ignoro que, mau grado a sua recente descoberta, não deixa de ser o principal acólito do político português que mais se esforçou por mostrar ao mundo a amizade e o respeito que então nutria pelos mentores do apartheid.
São outros tempos, dirá vosselência, no que será certamente acompanhado pelo coro juvenil dos seus solícitos conselheiros. E é evidente que são. Tão outros que só agora foi capaz de descobri-los. E o resto, ou seja, o tal dito branqueamento, nada tem a ver consigo, até porque, em bom rigor, só agora descobriu a África do Sul.
Eu percebo, é claro, tanto o argumento, como a intenção que com ele vem. Vosselência é um homem do futuro. E tudo o que tenha ficado para trás não passa de um irremediável passado de que não é minimamente responsável. Presumirá, em suma, que a primavera se anuncia consigo. Com os parques e marinas que mandou construir e que está em vias de vender a preço de saldo em curiosos leilões unipessoais. Com essa notável proeza que consistiu em fazer com que Bruxelas passasse a considerar rica uma pobre terra que nem sequer sabe para onde vai. Com a política reduzida à megalomania das suas escassas ideias. E, agora, até com a ruptura tardia com um passado de cumplicidade (em nome de uma pretensa ideia de realismo político) com gente nada recomendável. Ora, é bom que saiba que as primaveras passam depressa, ainda que voltem sempre, como diz o bailinho. Sobretudo neste tempo de alterações climáticas em que o tempo parece às vezes andar às avessas. De resto, vosselência, e vai perdoar que lho diga, nem sequer tem nome para dar substância a qualquer primavera. Já reparou a que e como soaria uma eventual "primavera cunhista"?
Bernardino da Purificação

sábado, 26 de julho de 2008

Jardim e a cerveja sem álcool

O dr. Jardim anunciou um discurso moderado para o Chão da Lagoa. A coisa não é para ser levada a sério, como é evidente. Um Chão da Lagoa sem fogo seria o mesmo que cerveja sem álcool. Seria assim uma espécie de faz de conta.
Já se percebeu que o dr. Jardim está gasto de ideias. E até se concede que o facto de ninguém lhe passar cartão é bem capaz de estar a fazer mossa. Passar a vida a vociferar sem retorno e a solo deve ser realmente cansativo. Há-de dar cabo da energia. Há-de delapidar a imaginação.
Ainda assim, não acredito que o discurso de amanhã seja moderado. No dia em que o dr. Jardim se atrevesse a romper a tradição acabava com o espectáculo. E o êxito mediático do Chão da Lagoa ficaria irremediavelmente comprometido.
Espero sinceramente que o dr. Jardim não caia nessa. É que o lado folclórico do seu modo de fazer política precisa de um Chão da Lagoa à maneira. E o país sem notícias que se diverte com o fenómeno não dispensa o picante que anuncia as férias grandes.
É claro que o dr. Jardim está confrontado com um problema grave. A bem dizer já não consegue produzir uma ideia com um mínimo de originalidade. Mas esse, bem vistas as coisas, já é desde há muito o seu drama. É o centralismo para aqui; os comunas para ali; os súcias para acolá. Se repararem, espremidinho, espremidinho, a coisa não passa disto. Três temas avulsos que o dr. Jardim consegue glosar até à náusea. E o resultado está à vista: o homem já não sabe o que dizer.
De maneira que eu sugeria que fizéssemos todos uma forçinha para que o dr. Jardim tenha um lampejo qualquer lá nas alturas do Chão da Lagoa. Senão, o que vai ser de nós? Sim, de nós, os que contamos os dias em ansiosa contagem decrescente entre um Chão da Lagoa e outro na esperança renovada de um dia sermos brindados com uma ideia nova, uma ideia gira, uma ideia interessante. Gritada, pois então, que a liturgia comicieira a isso obriga. E, já agora, também gesticulada, que é isso o que se espera do número sempre à parte dos maestros de verdade.
Em suma, dr. Jardim, veja lá se não nos desilude. A gente sabe que vosselência está à rasca. Fala, fala, fala, mas já ninguém lhe dá troco ou passa cartão. Ainda assim, veja lá se faz o que deve porque é também para isso que lhe pagam. Ou será que ainda não percebeu que o que é preciso é animar a malta?
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A política, os políticos e os boatos

Desolado. Não encontro outra palavra que melhor exprima o que sinto neste momento. Mais uma vez fui obrigado a remover comentários de quem não consegue discutir os assuntos sérios com a necessária elevação, com a devida seriedade. Lamento muito que assim seja. E lamento ainda mais que um texto meu tenha sido o pretexto para o oportunismo rasteiro do ataque pessoal soez.
Reitero aquilo que há dias escrevi. Não pretendo nem vou dar boleia à maledicência. A despeito de pensar que não há temas-tabu, muito menos na blogoesfera. E sem prejuízo de entender que não há figura pública que possa presumir-se imune ao comentário ou à crítica.
Mas devo também uma explicação. Quando ilustrei o sentido do último texto com o exemplo de um dos nossos mais proeminentes políticos pretendi simplesmente explicar que até as figuras públicas têm o direito à salvaguarda do seu bom nome. É claro que a exposição pública a que essas figuras estão sujeitas colide muitas vezes com alguns dos mais elementares direitos de personalidade que as leis a todos garantem. Não obstante, considero do domínio da mais rasteira falta de ética que se confunda o carácter público da intervenção dessas figuras com o nosso putativo direito à despudorada devassa da sua vida privada. Eu sei que os políticos são figuras públicas porque querem. E eles sabem que nada nem ninguém os obriga a ser o que são. Ainda assim têm direitos. Mesmo que não gostemos do que digam ou façam. E mesmo que as decisões políticas que tomam possam ser merecedoras do mais veemente reparo.
É claro que todos os que decidem enveredar pela vida pública, seja política ou não, têm que estar preparado para os julgamentos de carácter que necessariamente lhes serão feitos. Pode parecer assustador ou perverso, mas é compreensível - em democracia, o carácter dos decisores conta. Porque actuam em nosso nome. Porque utilizam um poder que lhes é delegado. E porque se servem de instrumentos (patrimoniais, financeiros e institucionais) que nos pertencem a todos. Ainda assim, insisto, têm direitos. Nomeadamente, o de verem o seu carácter julgado (nesse democrático julgamento a que nunca poderão furtar-se) com lealdade, sem o recurso ao boato, e sem sombra de preconceito.
O que pretendi dizer, em suma, é que as figuras públicas têm duas maneiras de lidar com os boatos que a seu respeito possam circular. Ou conseguem ignorá-los, ou defendem-se deles. A primeira opção comporta o risco de terem de aturá-los, pelo menos enquanto durar a exposição da sua vida pública. A segunda tem o mérito de cortar o mal pela raiz. Ora, o que a talhe de foice escrevi no meu último texto foi que me parece pouco prudente que um político vítima da ordinarice de um boato nada faça para lhe impedir a progressão. Porque um dia tê-lo-á colado a si como uma espécie de segunda pele.
De maneira que insisto. Eu, se fosse político, nunca permitiria, com o meu silêncio, que um boato qualquer pudesse ganhar terreno. Muito menos, e por maioria de razão, se esse boato dissesse respeito à alegada prática de um crime público, como é o caso da violência conjugal. Tomaria, pois, a iniciativa de pedir a intervenção da Justiça. Ou seja, submeter-me-ia, de motu proprio, ao escrutínio de quem tem o poder de investigar e julgar. E assim acabaria com um estigma que nenhum inocente deveria ter de suportar. Mas isso, é claro, exige a coexistência de duas condições de partida: a certeza de uma justiça justa e o conforto de uma consciência tranquila. Acreditem que nem o mais absurdo boato é capaz de resistir ao cúmulo desta dupla condição.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 22 de julho de 2008

O direito de ir a Juízo

Decididamente, vivemos num país de humores bipolares. Andamos em estado de galvanização permanente. Seja na euforia, como na depressão. Seja na forma como aderimos às causas que escolhemos (ou que nos escolhem, sei lá eu), seja na facilidade como delas nos desprendemos. E se calhar, é isso que nos cansa - a exaltação sem medida não pode deixar de exaurir-nos o ânimo e as forças.
Andamos agora entretidos com a pública condenação da PJ e de todo o nosso sistema judicial e judiciário por causa do caso Maddie. Até ontem andámos alegremente a condenar em público e em privado aquele casal de bárbaros supostamente dado a práticas pouco condizentes com a moral e com os bons costumes. Depois de meses de diligências, o MP decidiu arquivar o processo por não conseguir chegar a lado nenhum com as provas recolhidas. Vai daí, passámos a centrar o nosso impenitente moralismo na condenação da polícia e do ministério público. Como se o caso Maddie tivesse sido o único processo arquivado neste país. Ou como se os investigadores fossem obrigados, sob pena de excomunhão, a deslindar a martelo todos os mistérios.
É claro que partilho todas as dúvidas e preocupações que vejo expressas nos jornais pela generalidade dos meus concidadãos. Também eu me sentiria bastante mais confortável com a ideia de que nada escapa à boa justiça. Só que sei que não é assim. O que merece sem dúvida estudo e medidas. Mas o que dispensa seguramente a histeria das condenações fáceis.
Dito isto, não posso deixar de pensar que todos os acusados (incluindo os que o são apenas por parte da opinião pública) têm o direito de ver esclarecidas todas as dúvidas que sobre si possam existir perante um juiz de Direito. As coisas chegam muitas vezes a um ponto tal de dúvida e desconsideração pública que um simples arquivamento não chega. Para mim, pelo menos, considero que não chegaria. Eu, com efeito, se fosse acusado de um crime gostaria de saber que teria o direito de limpar o meu nome perante um juiz e não simplesmente perante um polícia impedido de ir mais longe ou perante um magistrado do MP dado a enfatizar brios ou dado a humores. Penso nisto agora a propósito do caso Maddie. Já assim o entendia a propósito de todos os boatos tornados acusações que impendem, justa ou injustamente, sobre políticos, demais figuras públicas, ou gente anónima como eu.
Um exemplo: há um político da nossa praça de quem se diz que incorre reiteradamente no crime de bater na mulher. Não há um único cidadão da Madeira que não tenha ouvido falar disso. E como ninguém investiga, o dito político há-de continuar, pobre dele, a carregar um estigma tão pesado. Como a violência doméstica é um crime hediondo e público, eu se fosse o dito político resolveria o problema de vez pedindo a intervenção soberana e independente de um juiz. Esse seria um direito de que não abdicaria. Mas isso só aconteceria, eu sei, se olhassemos para a Justiça, para os julgamentos e para os juízes como fazendo parte dos nossos mais inalienáveis direitos. É preciso temperar a nossa atávica bipolaridade com um módico q.b. de racionalidade? Pois que seja. Mas que se faça isso quanto antes.
Bernardino da Purificação

sábado, 19 de julho de 2008

O poder dos cobradores de impostos

Constato que alguns dos mais assíduos frequentadores deste blogue andam a desafiar-me a escrever sobre as Finanças. Não tenho problemas em fazê-lo. Aliás, logo no início desta pequena aventura blogoesférica, nos idos de Abril, tive oportunidade de abordar o tema. E deixei dito então que me fazia espécie que o director regional de Finanças se permitisse frequentar congressos regionais partidários (no caso, obviamente o PSD), ainda por cima na qualidade de dirigente. Continuo a achar o mesmo. Não por embirração qualquer contra o cavalheiro ou o partido em questão. Mas por me parecer que há um dever de contenção e reserva a que não deveriam poder furtar-se os detentores de cargos como o de chefe dos cobradores dos nossos impostos. Infelizmente, o dr. João Machado tem um entendimento diferente. Ia dizer que o problema é dele, mas arrependi-me. De facto, o problema não é só dele. É também nosso. Porque esta espécie de obrigação que nos é imposta pelo dr. João Machado, no sentido de que acreditemos piamente nele, não é de modo algum aceitável. Sem prejuízo, já se vê, de podermos todos fazer confiança nas suas por certos inegáveis qualidades de carácter.
O que quero dizer é que nem eu nem nenhum outro cidadão pagador de impostos pode ser obrigado a aceitar que o dr. João Machado se permita andar de braço dado com os dirigentes políticos do poder nos corredores mais ou menos conspirativos de um partido político qualquer. Porque é preciso não esquecermos que ninguém está em condições de conhecer a nossa vida tão bem como o dr. João Machado. Ele sabe dos nossos rendimentos. Sabe das nossas despesas fixas. Sabe das nossas doenças e das nossas obrigações financeiras. Sabe até, sem necessidade de perguntar a ninguém, do nosso estado civil. E se um dia fizermos uma qualquer doação a um partido político ou a uma jgreja, ele tem meios de devassar as nossas preferências políticas e religiosas. Ora, como deter informação é ter poder, o dr. João Machado há-de ser seguramente uma das pessoas com mais poder nesta Região. E é lamentável que um tão grande poder possa ser alegremente exercido por quem parece não ter a noção exacta das correlativas responsabilidades que tem.
Considero, em suma, profundamente errado que o chefe dos cobradores dos nossos impostos se permita contaminar voluntariamente o cargo que ocupa com o vírus partidário. É o pior que pode fazer. Porque, por muito honesto que possa ser (e eu acredito que seja) há-de conviver sempre com a suspeita de que as fiscalizações que decreta podem ser motivadas por razões políticas. E isso, não custa reconhcê-lo, não abona nada em favor da transparência que o estado não pode deixar de ter na sua relação com os cidadãos. E esse, insisto, não é um problema exclusivo da consciência do dr. João Machado. É um problema da fiabilidade do sistema de obrigações e garantias que se supõe dever ser garantido pelo estado de direito democrático. Mas isso, pelos vistos, é coisa que nada diz à democracia sui generis que por cá vamos vivendo.
Bernardino da Purificação



quinta-feira, 17 de julho de 2008

A Lili Caneças das Finanças

Havia antigamente uma máxima da política que rezava mais ou menos assim: num governo, os ministros da Economia dão boas notícias e distribuem dinheiro; quanto às más notícias e aos apertos, esses, devem ficar sempre por conta dos ministros das Finanças. Como resultado da aplicação desta máxima, temos que, habitualmente, os ministros das Finanças são os mais impopulares membros de um governo. Não devido a qualquer problema de personalidade ou da sua idiossincrasia pessoal. Mas por força da essência da função. Compreende-se. Cortar no despesismo alheio nunca há-de de ser visto como actividade granjeadora de simpatias. Do mesmo modo que apertar o cinto aos cidadãos, e às vezes até o frágil pescoço dos ditos, será com certeza tudo menos coisa susceptível de algum dia poder ser considerada popular. De maneira que, em regra, qualquer governo normal define a sua estratégia de comunicação e imagem tendo em conta esta realidade. E a coisa funciona de tal modo que o nome dos responsáveis das Finanças é dos poucos que perduram na memória de todos. Descontando algumas aselhas excepções, o dos outros vai-se perdendo do registo da nossa apressada memória.
É verdade, reconheça-se, que há uma grande injustiça e um certo cinismo na coisa. Mesmo um ministro das Finanças merece ser julgado pelos seus méritos concretos, e não em virtude da imagem vampiresca que anda sempre associada à função que desempenha. E até um ministro das Finanças, mau grado todas as malfeitorias que nos possa fazer, merece ser considerado apenas como mais um membro de um colectivo que tem no topo um primeiro responsável. Não é isso, porém, que acontece. Sobretudo em tempo de vacas magras. Nestes, com efeito, o homem que faz subir os impostos (ou que pelo menos não os baixa) acaba por polarizar na sua desgraçada pessoa todas as maçadas resultantes da política definida pelo chefe do governo a que pertence. E quando o lastro de opiniões negativas atinge o insuportável ponto de saturação, o primeiro-ministro, sempre por patrióticas razões, há-de deixá-lo prudentemente cair do arame sem rede onde penosamente passa os dias. E com isso ganha habitualmente novo fôlego para si próprio bem como para o governo que nunca deixou de chefiar.
É claro que isto só funciona assim nas chamadas democracias mediáticas. O peso da opinião pública e da opinião publicada é tal que os governos são obrigados a encontrar estratégias sobrevivência face aos julgamentos com que são diariamente confrontados. Já nas ditaduras, a coisa funciona de forma diferente: ninguém dá a mais pequena importância à dita opinião pública. A qual, de resto, por causa das chatices, faz o possível por permanecer o mais privada possível.
Sinceramente, ao olhar para o que se passa entre nós, fico com dúvidas quanto aos conceitos e à grelha de análise que devo utilizar para caracterizar, a este nível, a política regional. Há opinião publicada, mas ninguém liga rigorosamente nada à opinião pública. Na Madeira, aliás, esse é um escrutínio que ou não conta ou, pura e simplesmente, não existe. O que se traduz até no facto de ninguém sentir a mais leve a necessidade de se dar à subtil maçada de separar a economia das finanças.
Claro que sei que o dr. Cunha e Silva tem a seu cargo a economia e o dr. Garcês as finanças. Mas aqui todos falam mais ou menos do mesmo. O dr. Cunha anuncia obras em catadupa no mais absoluto descaso das verdadeiras circunstâncias orçamentais. E o dr. Garcês fala da nossa economia como se soubesse do que está a falar.
A sua última pérola é a seguinte: na Madeira não há crise porque a nossa economia cresce. Ninguém duvidará que a asserção do dr. Garcês está para o discurso político como a surpreendente afirmação de Lili Caneças, de que estar vivo é o contrário de estar morto, está para a cultura portuguesa. Ainda assim, o dito cujo acaba de proferi-la. Até, imagine-se com um sorriso situado algures entre o alarve e o tolo. O que prova que a Madeira é um exemplo e um caso. Sócrates e, sobretudo, Teixeira dos Santos deviam pôr os olhos e os ouvidos no dr. Garcês. Para verem com que impunidade seriam capazes de dizer, como ele e a Lili dizem, que no país não há crise porque a economia cresce. Menos do que estava previsto, é verdade. Mas cresce. Logo...
A coisa era capaz de dar para o torto? Acredito que sim. De todo o modo, gostava que experimentassem. Quanto mais não fosse para que a gente fosse capaz de perceber por que razão os disparates ditos na Madeira produzem um efeito diferente dos que são ditos em Lisboa.
Será isso por causa da opinião pública? Ou será da publicada?
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O tutor da autonomia

Com o dr. Jardim convertido à bondade do estatuto do representante da República, a oposição política regional teria, se fosse ousada, a possibilidade de ultrapassar no PSD pelo lado da Autonomia. Como não é, o dr. Jardim pode bem dizer-se e contradizer-se ao rufo das suas conveniências. E pode até, sem sobressaltos de maior, defender hoje uma coisa e amanhã o seu contrário. O facto traduz a substância da nossa política doméstica. De um lado está um PSD cansado e errático. Do outro está coisa nenhuma.
Eu sei que, num contexto de crise, a controvérsia em torno do representante não aquece nem arrefece. Compreensivelmente, as pessoas dão mais atenção ao salário que encolhe do que às discussões bizantinas acerca de um cavalheiro com vocação para tutor da autonomia. Mas há uma dimensão na política a que os políticos não podem andar alheios. Refiro-me à que trata das questões institucionais, a qual, tal como as outras, requer tempo, exige estudo, reclama reflexão.
Infelizmente, e retomando uma ideia que já deixei expressa em textos anteriores, na Madeira reflecte-se pouco sobre os temas dessa outra dimensão da política. A universidade não está para aí virada nem tem massa crítica suficiente para estimular tal debate. A Fundação Social-Democrata não passa de uma bem sucedida empresa de gestão de imóveis completamente indiferente às questões ideológicas. Os movimentos e fóruns de cidadãos que a certa altura surgiram repousam algures no papel de uma qualquer conservatória. E os partidos preocupam-se mais com as suas tricas diárias do que com as chamadas questões de regime.
Perante tal quadro, registo o esforço que faz episodicamente o articulista Filipe Malheiro. No mais das vezes, discordo do que diz. Não deixo, no entanto, de reconhecer que é dos poucos a dar-se à maçada de problematizar as questões políticas à luz do foco ideológico. Hoje foi isso que fez no JM. Ainda por cima com o desassombro de assumir uma discordância política, ideológica e estratégica com o líder do seu partido a propósito do estatuto do representante da República. Tiro-lhe o chapéu por isso.
É evidente que a questão das competências do ex-ministro da República ocupa uma posição central na discussão sobre a evolução da autonomia constitucional. Quem leu ficou a saber que Filipe Malheiro continua a defender encarniçadamente a extinção do cargo. Porém, parece-me pecar por quase restringir o problema a uma questão de acinte meramente simbólica. Ora, em meu entender ele é muito mais do que isso.
Vejamos sucintamente. Ao cargo de ex-ministro foram conferidas algumas quase competências administrativas bem como outras de natureza jurídica e política. As primeiras eram residuais e de todo inócuas. As restantes tinham uma assinalável substância. No entanto, os doutrinadores do PSD-Madeira andaram a cantar vitória quando se entendeu deixar cair as únicas que, dada a irrelevância substantiva que tinham, em nada colidiam com os poderes autonómicos. Na sua pressa de inventar a aparência de uma vitória, esqueceram-se de dizer, por exemplo, que o ministro transformado em representante da República tem a capacidade de interferir na formação do Direito regional por via de um poder de veto cujo fundamento não se detém em meras razões de controlo da legalidade, mas que, ao contrário, pode alargar-se ao terreno das considerações e do puro juízo político. Ora, é isto que me parece intolerável. É por isso que lamento que na Madeira se substitua a procura de um corpo doutrinário pensado e sistematizado sobre a evolução da Autonomia pelo tacticismo trauliteiro que é usado quando convém.
Bernardino da Purificação

domingo, 13 de julho de 2008

A resposta certa do aluno cábula

Como dizer mal também cansa, sentei-me ao computador com o nobre propósito de dizer bem. Procurei assuntos. Fui lendo jornais. Pensei em pessoas, de preferência governantes. Mas devo confessar que a tarefa, a partir de certa altura, começou a ficar difícil. Por mais que procurasse, não conseguia descortinar um facto positivo sobre o qual valesse a pena escrever qualquer coisa. E a depressão, acreditem, esteve por um fio. Até que me lembrei do dr. Cunha. Corrijo. Não foi bem assim. A bem dizer, não fui eu que me lembrei dele. Habitualmente, tenho mais que fazer. Ele é que se lembrou mais uma vez de nós. Como o demonstra a publicação na revista do DN de mais uma das suas imperdíveis prédicas. Uma vez que me sentia imbuído (adoro mergulhar na ressonância líquida da palavra) do espírito atrás descrito, não consegui reprimir um suave sentimento de gratidão. O dr. Cunha acabara, sem o saber, de me salvar o dia. Seria ele o ponto de mira dos meus mais nobres propósitos. De maneira que me atirei à tarefa com denodo.
Manda a justiça que diga que o dr. Cunha faz pouco para ajudar quem queira genuinamente dizer bem das decisões políticas que toma. Mas até por isso achei o exercício interessante. Sempre queria ver como é que havia de passar no teste um político que tem atrás de si um lastro de parques empresariais às moscas (às cabras), um Lugar de Baixo cada vez mais revolvido em polémica, um Penedo do Sono em saldo e de rendas confessadamente sazonais, uma irreprimível tendência para o anúncio emproado e imediato de coisas que ninguém sabe se verão a luz do dia (assim uma espécie de síndrome socrático), e que tem a mania de proclamar que as obras públicas que manda fazer, sejam as mais ou menos úteis, sejam as de utilidade duvidosa, sejam as de uma já comprovada e indiscutível ausência de qualquer utilidade, não têm nada a ver com os impostos que pagamos.
É claro que, permitam-me a humilde confissão, tive medo de falhar nos intentos. Porém, ciente de que o mérito de um feito é directamente proporcional à dificuldade do dito, lá mergulhei de cabeça, qual Diógenes, de lanterna em punho, à procura de algo com que pudesse incensar o dr. Cunha, ao menos uma vez.
Depois de muito procurar, acabei por conseguir. Encontrei no DN o que precisava. Sua excelência fez o favor de brindar-nos com umas pérolas relacionadas com o futuro da política energética da RAM. E ao lê-las compreendi como deve sentir-se injustiçado o dr. Cunha cada vez que lê uma crítica, cada vez que percebe que o ignoram. Porque, acredite-se ou não, o homem tem um sonho, uma visão. Particularmente no que diz respeito aos caminhos que a Madeira deve trilhar para driblar a extrema dependência energética de que padece.
Cito ipsis verbis as suas palavras, até para ajuste de contas futuro. "Apostaremos de forma decidida na hídrica, na eólica (com bom senso), no biocombustível marinho e no gás natural. E, daqui as uns anos, talvez possamos olhar para as peripécias por que passa o mundo com menos preocupação e maior independência." Devo confessar que fiquei fascinado. Em meia dúzia de linhas de coluna de jornal, o dr. Cunha foi capaz de sintetizar todo um programa de governo. Ainda por cima, de bom governo.
É justo que se diga que se o dr. Cunha mai-lo ponta de lança que tem na EEM, dr. Rebelo de sua graça, conseguirem levar à prática tão arrojado como visionário programa de acção, terão todo o direito de exigir a gratidão, a admiração e o respeito de todos os madeirenses. E eu, se ainda por cá andar, procurarei ser dos primeiros a tributar-lhes a homenagem que por certo merecerão. A justiça que reivindico para mim é exactamente a mesma que me esforço por creditar aos outros. De maneira que, por ora, o dr. Cunha leva o seguinte cumprimento: a política energética que preconiza é não só correcta, como necessária. Seja por razões económicas, seja por razões ambientais, seja, enfim, por razões estratégicas. Custa dinheiro, como é evidente. Mas isso, claro, não é coisa que atormente as mãos largas que mostra ter.
Porém, há-de compreender. Quem quer ser pródigo no elogio não pode ser omisso no reparo. Sobretudo se for justo. Ora, acontece que a Lógica formal ensina-nos que só por manifesto acaso se chega a conclusões certas partindo-se de premissas erradas. E a prudência na Política recomenda que só se fale a sério daquilo que se estuda e domina. Pois bem, dr. Cunha, saiba vosselência que bem pode ter acertado na cura futura dos nossos males energéticos. Porém, estatelou-se ao comprido no diagnóstico da maleita. Porque essa de dizer que o louco aumento dos preços do petróleo, somado à inflação dos bens alimentares, se fica a dever à utilização dos recursos agrícolas com fins energéticos só pode ser tida à conta do erro clássico que comete quem, por falta de tempo, de pachorra, ou de queda para a coisa, não foi capaz de compreender ou estudar a complexidade da lição (se precisar que lha explique, não hesite por favor). E a mim aflige-me pensar que a ligeireza com que diz disparates destes há-de ser a mesma com que toma as suas decisões políticas. Mas isto, claro, não passa de um pensamento lateral, que o importante mesmo é o elogio que lhe faço.
Bernardino da Purificação

sábado, 12 de julho de 2008

As pioras antes das melhoras

O prazo de validade de João Carlos Gouveia como líder do PS chegou ao fim. A partir de agora vamos com certeza assistir ao regresso das velhas práticas socialistas. Aquelas que se traduzem no facto de cada figura de proa reivindicar para si o estatuto de sensibilidade autónoma. Bem como as que se exprimem no alegre e público fratricídio a que volta e meia se entregam, essas mesmas figuras, como queridos inimigos. E assim há-de ser para descanso dos adversários. Pelo menos, até à emergência de um líder capaz de federar a maioria num periclitante compromisso qualquer.
Estou em crer que o próprio Carlos Gouveia estará preparado para a degola (salvo seja) que se lhe prepara. O mais certo, aliás, é que nunca tenha tido grandes ilusões quanto ao futuro que com ele tem encontro marcado. Ele sabe, como toda a gente sabe, que o PS não tem emenda. E não ignora a tendência mais ou menos suicidária que o partido foi adquirindo ao longo de anos de oposição sem rumo, sem estratégia, sem norte. O PS é de facto assim: enquanto houver um fundo ainda mais fundo do que aquele em que possa ter caído, há-de fazer todos os possíveis para piorar até poder um dia começar a melhorar. É um bocado trágico, reconheça-se. Mas é assim.
De maneira que, dizia, estou convencido de que João Carlos Gouveia sabe bem o que o espera. Foi por isso que admitiu um dia que poderia ser outro, que não ele, o candidato socialista a presidente do governo. E é por isso que se dá ao atrevimento de episodicamente bater o pé ao Largo do Rato. Pensará porventura que o despojamento com que está na liderança do partido, e que o leva a liderar sem cálculo pessoal, há-de ser creditado à conta de uma qualidade que os seus e os outros acabarão por reconhecer. Engana-se. Os outros hão-de continuar a votar-lhe um cada vez mais impaciente desprezo. E os seus a única coisa que verão é que já nem sequer podem contar com ele para a manutenção do lugarzito que têm. Daí até passar à condição de descartável vai um pequeníssimo passo. E alguém, um destes dias, há-de acabar por dá-lo.
Estou pessoalmente convencido de que o primeiro sinal público de que é chegado o momento de agir foi dado hoje por Maximiano Martins, no artigo que fez publicar no DN. Completamente ao arrepio da actual agenda político-mediática, o deputado socialista resolveu recuperar os resultados das intercalares de Gaula. Fê-lo com o propósito confesso de sublinhar que a derrota do PS foi a derrota de Gouveia. E assim está dado o sinal de que é preciso começar a fazer qualquer coisa para evitar que Gaula possa ser o prenúncio do que há-de vir por aí.
É claro que toda a gente sabe que entre Maximiano e Gouveia há contas antigas (as do braço de ferro da votação do orçamento de estado) ainda não resolvidas. O problema é que nessa contas entram também a direcção nacional do partido e a sempiterna facção simpaticamente cognominada de "grupo do éden". Ora, perante litigantes destes haverá quase nada a fazer. A não ser fechar a porta e entregar voluntariamente a chave. A curiosidade reside em saber o que fará André Escórcio e o que dirá Carlos Pereira (a ordem, como se imagina, é meramente alfabética). Para já não falar do camarada Vítor, que esse há-de fazer tudo para que todos percebam que só pode haver vantagens em conferir-se um mínimo de estabilidade e constância a esse magnífico e indispensável lugar de eminência parda que quase todos os partidos têm.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Dívidas públicas para negócios privados

O dr. Cunha e Silva parece afinal ser um político com sorte. Os milhões que continua a afundar no Lugar de Baixo parece que vão acabar por ter algum préstimo, graças à caridade do Grupo Pestana.
Digo de outro modo. Com sorte, a sandice política a que o nosso vice se entregou com assinalável zelo pode não acabar tão mal como seria de esperar. Aquele amontoado de betão que à revelia dos estudos, do senso e de todas as regras de boa utilização dos dinheiros públicos mandou construir de raiz acaba de ser arrematada em hasta privada por um preço ainda ignorado. Num negócio de contornos pouco claros. Mas que, pelo menos até ver, parece ter o mérito de salvar o pescoço do alegre esbanjador do dinheiro alheio que o dr. Jardim escolheu para seu vice.
Manda a decência que advirta que a meia dúzia de ideias que se seguem não serão mais do que o registo impressionista que retenho acerca de um processo que, pelos vistos, terminou agora com a realização de uma espécie de leilão unipessoal e privado de base de licitação desconhecida. Não o faço com o intuito de me desonerar da objectividade que, apesar de tudo, me esforço por ter. Faço-o, podem crer, por me incomodar a sensação de que sei tanto de obras marítimas e de dinâmica costeira como o decisor supremo da marina do Lugar de Baixo. Ou seja, sei rigorosamente nada. Mas se isso não impediu o dr. Cunha de perpetrar o disparate que cometeu, já a mim, a ignorância tem a tendência de me recomendar a contenção. Serei, pois, contido. Porém, não ao ponto de passar ao lado da questão sem a incomodidade de algumas perguntas.
Não sei, por exemplo, quanto vai pagar na realidade o Grupo Pestana pela posição que vai tomar numa infraestrutura paga com dívida pública. Do mesmo modo, ignoro se os montantes que virão a estar envolvidos na operação vão pagar ou não a totalidade do avultadíssimo investimento (estudos e obras de reparação incluídos) realizado no Lugar de Baixo. Mas há mais. Desconheço se o Grupo Pestana foi o único interessado no negócio. Não sei se outros empresários foram consultados. E tenho muitas dúvidas de que o interesse público tenha sido rigorosamente salvaguardado. E nada disto sei por uma razão simples e cristalina: quem devia dar explicações aos madeirenses anda fechado em copas (ou será que o naipe é de ouros?), com a estranha complacência da oposição e dos media, como se ceder a um qualquer privado uma apetecível fatia do domínio público marítimo fosse coisa de pouca monta, ou como se transaccionar ou alienar a propriedade de uma obra pública fosse coisa que pudesse dispensar, ao menos, o formalismo da transparência.
Há coisas, porém, que sei ou julgo saber. Investir assim há-de ser facílimo. Desde logo porque não se pagaram estudos. Depois porque o financiamento e respectivos juros correram por conta do ainda dono da obra (isto é, todos os madeirenses). Finalmente, porque há todo um governo empenhado e mobilizado para viabilizar um investimento cuja titularidade vai passando de mansinho para as mãos de um privado.
É claro que sei também que as sociedades de desenvolvimento estão abertas aos capitais e aos parceiros privados. Mas não seria tudo mais transparente se os interessados se tivessem chegado à frente no momento das responsabilidades financeiras iniciais? Parece-me evidente que sim.
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A incrível desculpa da guerrilha e da vingança

Ainda bem que o esclarecimento chegou. A bem dizer, o dr. Jardim nunca pretendeu ser recebido pelo presidente Chávez. Fez constar que sim, é verdade. Mas isso, como agora se percebe, teve tudo a ver com aquele módico de sonsice que é próprio da linguagem política de nível superior. Fiquei duplamente tranquilizado. Por um lado, fiquei a saber que, afinal, não há razão para se recear que o nosso mais alto representante político tenha sido ostensivamente desconsiderado. Por outro, reconfortou-me perceber que o nosso líder não é pessoa para se misturar com um dos alegados financiadores da comuna guerrilha colombiana.
Perguntarão: mas afinal onde é que este foi buscar estas até agora escondidas verdades? Homens e mulheres de pouca fé! Em primeiro lugar, à natureza imperativa e inequívoca das coisas: a história há-de ser sempre aquilo que o dr. Jardim quiser que seja. Em segundo lugar, aos documentos que conseguem o milagre de dar dos factos a aparência que mais conveniente for ao nosso chefe. Percebido?
Como o primeiro destes factores pertence ao domínio peremptório e indiscutível dos axiomas, passo de imediato ao segundo. Ora acontece que só hoje é que percebi a referência que o dr. Jardim fez às FARC no dia em que chegou. A minha não sei se atávica se congénita compreensão lenta despertou para a verdade cristalina dos factos quando se deparou com dois textos publicados no JM: um, de opinião, da responsabilidade de Luís Filipe Malheiro; e outro, escrito em forma de comunicado, com origem na Quinta Vigia.
Não pretendo, como é evidente, incorrer na injustiça de pensar que as duas peças possam ter sido articuladas. O livre pensador que todos sabemos que Filipe Malheiro é nunca aceitaria, julgo, combinações dessas. Mas o facto de em ambas se aludir à questão das FARC acabou por iluminar-me o espírito: o dr. Jardim nunca na vida quereria nada com gente assim. Nem directamente. Nem pela via indirecta de um contacto qualquer com um presidente de práticas democráticas nem sempre recomendáveis.
Temos assim, em suma, que o dr. Jardim fez de conta que queria encontrar-se com Chávez, mas no fundo o que queria era distância dele. Para desespero do PCP, amigo do peito das FARC e, logo, também do neo-bolivariano presidente da Venezuela. E, conforme assegura o comunicado da Quinta Vigia, para satisfação do Diário de Notícias, que tem assim mais um pretexto para, por vingança, dizer mal de Jardim.
Palavra que, com esforço, até sou capaz de compreender a substância de tão arrevesado argumentário político. Confesso, porém, que me escapa aquela da putativa vingança do DN. Como já é a segunda vez no curto espaço de oito dias que o dr. Jardim denuncia os vingativos propósitos do ex-diário da Rua da Alfândega, parece-me que já é tempo de uma explicação pública. Quer por parte da vítima presuntiva. Quer por parte do pressuposto autor. Até porque os sinais que nos chegam são contraditórios no que diz respeito às relações entre o DN e o dr. Jardim.
É claro que a malta sabe que com o DN e com o dr. Jardim acaba por ser tudo mais ou menos contraditório. A verdade de hoje há-de ser a mentira de amanhã. E a mentira do momento transforma-se depressa na verdade que interessa anunciar. Mas esta do DN pretender vingar-se do dr. Jardim, francamente, não lembra ao diabo. Até porque, não tarda nada, ainda acabaremos por vê-los de mãos dadas no projecto editorial que há-de um dia suceder ao já quase finado JM. Mas isto, claro, não hão-de passar de devaneios. Porém, podem crer que serão seguramente mais verosímeis do que todas as desculpas esfarrapadas com que o dr. Jardim e os seus prosélitos pretendem disfarçar a rotunda inutilidade política da sua deslocação à Venezuela.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 8 de julho de 2008

A inconsequência da extravagância

Continuo a achar que os representantes políticos das regiões autónomas deveriam integrar as viagens de estado dos titulares dos órgãos de soberania. Pela imagem de coesão nacional que assim se transmitiria. Pela possibilidade de, em cada uma delas, se dar nota da unidade politicamente diferenciada do país que somos. E pelos canais de diálogo que dessa forma se poderiam abrir no sentido do desenvolvimento e exploração de oportunidades de intercâmbio económico entre a Madeira e os países com os quais Portugal mantém relações privilegiadas.
Acho que o país no seu conjunto beneficiaria com a institucionalização dessa prática. E a nossa condição de território insular e ultraperiférico encontraria nela um meio e um factor adicional aos que já existem de superação dos contrangimentos geográficos que nos penalizam. Ou seja, todos sairíamos a ganhar. Com uma única excepção, como é evidente: a que diz respeito aos políticos que teimam em confundir a saudável e democrática conflitualidade política e partidária com uma nada saudável acrimónia pessoal que conduz a uma quase ausência de relações institucionais com um mínimo de normalidade.
Como já se percebeu, o que motiva este escrito é a recente deslocação do dr. Jardim à Venezuela. Não com o intuito de sublinhar mais uma vez o rotundo fracasso em que se saldou. Mas para apontar a total inutilidade de que se revestiu.
Ninguém sabe, com efeito, que magnas questões levaram o dr. Jardim à Venezuela. O presidente do Governo ainda não as explicou, como julgo que devia. E, em boa verdade, a oposição ainda não foi capaz de agendar um único debate no parlamento para tratar da questão.
É claro que se sabe que o dr. Jardim foi à Venezuela contactar a comunidade madeirense. Mas para quê, com que finalidades, com que resultados concretos? Dirão os crédulos e pios portadores de uma ideia mais ou menos ingénua da política que é importante que a Madeira saiba reforçar os laços com os madeirenses da diáspora. E entendem que com esse profundo asserto arrumam de vez a questão. Enganam-se, claro está. O estreitamento dos laços entre todos os madeirenses já não pode ser feito unicamente pela simbólica via dos afectos delegados na figura do senhor presidente do governo. É preciso muito mais do que isso. É preciso, por exemplo, que esses afectos possam ser o fio condutor de uma ligação cultural, política e empresarial com vantagens recíprocas e duradouras no tempo. Quem tem das relações externas uma visão mais ou menos romântica, um tudo-nada beata, ainda que disfarçadamente hedonista, que se traduz no entendimento de que elas se resumem a umas quantas viagens de lazer disfarçadas de romagens de saudade anda enganado. Ou então, o que é pior, anda a ver se nos engana. A nós que vivemos cá deste lado. E aos nossos conterrâneos do exterior, que têm muito mais que fazer do que ouvir as balelas destituídas de substância de políticos em animadas excursões de quase férias.
Sejamos sérios. O primeiro-ministro de Portugal foi a Caracas há cerca de dois meses atrás. Foi encontrar-se com os portugueses. E foi fazer diplomacia política, cultural e económica. Numa democracia adulta, os representantes políticos da RAM deveriam ter estado lá nessa altura. E o mesmo se diga das nossas representações culturais e empresariais. Mas não. A Madeira política que o dr. Jardim considera que simboliza como expoente único e máximo quis ir lá dois meses depois. E o resultado está à vista: uns bailaricos para ali, uns discursozecos para acolá, e um sabor final a coisa nenhuma. E assim há-de continuar a acontecer. Pelo menos enquanto não aparecer por aí uma ideia séria sobre a inserção da Autonomia que prezamos e queremos aprofundar no seio do país a que pertencemos. No entretanto, continuemos a dar vivas ao folclore político e ao circo mediático que diverte muito e resolve cada vez menos.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Jogos de poder

Jaime Ramos quer luta na sucessão de Jardim. Acha que a liderança do PSD deve ser conquistada e não outorgada. E não teve qualquer problema em dizê-lo, em entrevista ao DN, para que se saiba que não está disponível para nomes impostos ou soluções de consenso.
Como é bom de ver, o secretário-geral da Rua dos Netos falou para o interior do seu partido. Mas dada a substância do que disse, parece-me bem que as suas palavras tiveram com certeza um destinatário particular: nada mais, nada menos do que o próprio Jardim.
Vamos lá a ver. Ramos não ignora que o presidente do PSD há-de fazer tudo para que a sucessão (quando e se um dia chegar) se faça sem drama. Têm sido vários os seus apelos para que os eventuais candidatos se entendam entre si. O que, por outras palavras, significa que Jardim está apostado em esvaziar qualquer aparência de disputa interna.
Não ignorando isso, Ramos sabe com certeza que uma sucessão sem drama há-de ser aquela que Jardim seja capaz de controlar. Ou, dizendo de outro modo, uma sucessão sem drama há-de ser, para Jardim, aquela que ele seja capaz de condicionar. Ora, como se calcula, isso não é coisa que interesse a Jaime Ramos.
Se olharmos com alguma atenção para a vida interna do PSD, resulta claro que Ramos teve sempre o cuidado de se colocar estrategicamente em oposição ao favorito de Jardim. Foi assim com Miguel de Sousa, quando Jardim o indicou como uma espécie de sucessor oficial. É assim agora quando Cunha e Silva aparece publicamente como o eleito do líder. E o mesmo há-de voltar a acontecer quando Jardim puxar um dia o tapete ao Cunha e, em sua substituição, resolver lançar para a ribalta um outro nome qualquer.
Jaime Ramos não brinca em serviço. Ele sabe que detém uma fatia importante do poder interno do partido. Não ignora que um partido sem Jardim há-de ser diferente de um partido com Jardim. Será outro tempo, e serão outras pessoas. E, infelizmente para ele, sabe também que não tem condições, nem objectivas nem subjectivas, para pensar que pode um dia ser líder. De maneira que só tem uma forma de preservar o poder que tem: é colocar-se sistematicamente em oposição ao candidato oficial do momento, acenando ao mesmo tempo o seu interessado apoio a um eventual challenger que ele próprio ajude a criar. Foi isso que fez no passado quando incentivou Virgílio Pereira a aceitar ser uma alternativa a Miguel de Sousa. E é isso também que faz agora quando apoia Albuquerque contra uma eventual candidatura de Cunha.
A esperteza estratégica de Jaime Ramos vai, no entanto, mais longe. Com a intuição e o calo que tem, Ramos não descura a possibilidade de jogar em todos os tabuleiros. É isso que faz, aliás, quem quer andar continuamente na crista da onda. De maneira que precisa de ir dizendo, e cada vez com maior insistência, que não está para aturar qualquer sucessão tutelada pelo chefe. Não para simplesmente bater o pé a Jardim. Mas sim para obrigá-lo, já que não quer disputas nem dramas, a vir cá abaixo negociar com ele os termos da sucessão e o nome do sucessor. Esse é o mínimo dos mínimos que está disposto a aceitar. E assim serão todos felizes para sempre. Menos, é claro, quem vier a ser excluído do testamento ou da partilha.
Bernardino da Purificação
Post scriptum
Fiz hoje pela primeira vez o que pensei nunca ter necessidade de fazer: excluí três comentários ao último texto que escrevi. Acontece que não estou disposto a dar abrigo à ofensa gratuita e ao ataque pessoal. Este blogue pretende discutir ideias e analisar situações e comportamentos políticos. Tudo o que saia deste âmbito não poderá contar nunca com a minha boleia.

domingo, 6 de julho de 2008

Um paradoxo em forma de assim

O presidente do governo regional regressa hoje à Madeira. Calculo que venha atrapalhado. Quis ser recebido pelo presidente do país que visitou, mas o mais perto que esteve da concretização desse desejo foi a mercê da reunião que lhe concedeu um vice-ministro qualquer. Será porventura exagero falar de humilhação. Porém, ninguém há-de ter duvidas de que estamos perante um revés político de monta.
Já aqui escrevi que não tenho a mais pequena dúvida de que o tratamento dispensado a Jardim há-de ter muito a ver com o estado das relações que este mantém com o primeiro-ministro Sócrates. O facto, aliás, percebe-se desde logo pela forma como foram evoluindo, ao longo da visita à Venezuela, as referências do presidente do governo ao governo central. Enquanto ainda acalentava a esperança de poder encontrar-se com Chávez, Jardim optou pelo seu lado contido e prudente: limitou-se a dizer que não é seu hábito levar para o estrangeiro as suas querelas políticas domésticas. Mas mal se esfumaram as esperanças de um encontro com o presidente(precisamente ontem), lá tivemos de volta o Jardim do costume: um político obcecado com as suas eternas querelas domésticas, mesmo estando no estrangeiro; e pronto como sempre a dar conta do agudo entendimento que tem de que o governo central não passa de uma cambada de ladrões apostados em roubar a Madeira e os madeirenses. É assim a política à moda de Jardim: se lhe fazem a vontade, ele faz por se portar bem; se lhe recusam os caprichos a que julga ter direito, aguentem-se que vai disto. O zequinha das anedotas não agiria certamente de forma diferente.
É claro que considero o episódio preocupante. Não gosto de saber que na Venezuela se deu a um conselheiro de Estado português um estatuto protocolar abaixo de ministro, ainda que tenha presente que o conselheiro de Estado em questão tem pouco apreço institucional e nenhum apreço político por essa função. Da mesma forma, incomoda-me o eventual significado simbólico do desdém com que o dr. Jardim foi tratado.
Sem pretender ser tremendista, observo que a Madeira vai estando cada vez mais isolada e estigmatizada a nível nacional, mercê da conduta pessoal e política do dr. Jardim. E registo com preocupação o facto de essa conduta poder conduzir a relações de indesejável frieza com as autoridades políticas dos países de adopção de centenas de milhar de madeirenses.
Não quer isto dizer que se deva exigir ao dr. Jardim que simpatize com o conceito de "autonomia tranquila" que certas cliques políticas nacionais pretendem impor à Madeira. Nada disso. Eu próprio, aliás, subscrevo o entendimento de que a autonomia há-de fazer-se sempre na tensão permanente com o poder central. Só que uma coisa é a dialéctica política mais ou menos acalorada decorrente dessa tensão. Outra bem diferente é a boçalidade travestida de discurso político. Enquanto isto não se entender, receio bem que a Madeira possa caminhar no sentido de um isolamento que há-de ser proporcional à desconsideração com que os seus representantes políticos são tratados. E, por este andar, não me admirava nada que o homem providencial, que o dr. Jardim julga ser para a Madeira e para os madeirenses, venha de Caracas com a percepção de que já não é solução de coisa nenhuma, mas sim um problema que nem ele próprio sabe como resolver. As eternas fugas para a frente esbarram por vezes em dramas pessoais e parodoxos assim.
Bernardino da Purificação

sábado, 5 de julho de 2008

Rendas de uma noite de Verão

Indiferente à tormentosa polémica em que mais uma vez o meteram, o JM lá vai tentando cumprir a nobre missão de informar. É assim mesmo. Mulher séria não tem ouvidos, se me é permitido, sem ofensa, recuperar um dito de outros tempos.
Hoje fui surpreendido pela relevantíssima notícia de que o Penedo do Sono vai baixar as rendas. E, como calculam, foi-me impossível conter o ó de espanto que soltei em face do verdadeiro interesse público e do inegável alcance social da medida tão estrepitosamente anunciada. Numa altura em que tudo sobe, as rendas do Penedo vão baixar! Que bom. Quanta ousadia. Que visão. Que notícia refrescante. Que alegria para as dezenas de milhar de madeirenses que, como eu, têm andado em tormentos por causa das rendas inflacionadas do porto-santense e nada sonolento Penedo. E ainda há, vejam bem, gente capaz de recusar a gratidão que decisores deste calibre nunca poderiam deixar de merecer.
Mas há mais. Para além de diminuírem para menos de metade, as rendas vão passar a ser, também elas, sazonais. Acho bem. É com medidas assim que se combate a sazonalidade do Porto Santo. Bem hajam, pois.
Ofuscado pelo brilho tonitruante do título, confesso que mal li a notícia. Porém, pus-lhe os olhos em cima o tempo suficiente para perceber que a entidade benemérita, tanto da nova como da medida, era a Sociedade de Desenvolvimento do Porto Santo. Só podia ser. Penedo do Sono é igual a SDPS. Mas como a SDPS é igual a Carlos Cunha e Silva, ainda fui ver se havia qualquer alusão ao verdadeiro capo de todas as sociedades e de todos os seus capi. Não havia. A modéstia do boss falou certamente mais alto. E, quase sem perceber como, vi-me mergulhado em momentos apaziguadores de reflexão sobre as virtualidades do despojamento e da humildade. É nestas alturas que se vê a força da notícia!
Como o mundo é ingrato, já estou a ver os maldizentes da praxe a inventar argumentos capazes de diminuir o alcance de uma medida solenemente posta em título pelo JM. Dirão de certeza que esta é mais uma demonstração da megalomania voluntarista do dito Penedo. Acrescentarão por certo que, em virtude da redução das rendas para metade, lá teremos de pagar tão indispensável infraestrutura pelo dobro dos anos previstos, ou com o dobro do esforço do orçamento da RAM. E os mais azedos não hão-de deixar de observar que é nisto que dá construir espaços que alteram a martelo a geografia da farra nocturna, sem o cuidado de envolver previamente os empresários locais com tradição feita e historial sedimentado de impostos pagos. E tudo há-de ser dito, como é evidente, em nome da má língua, esse meritório exercício que se espera nunca deixe de zurzir a loucura evidente ou disfarçada de certas iluminárias.
O mais comovente da notícia é, no entanto, a explicação. As rendas vão baixar, diz a notícia, por causa da crise nacional que há-de afectar também todos os empresários presentes ou futuros da noite do Penedo. Não resisti à explicação. Pasmei mesmo. Nunca tinha pensado que a crise nacional fosse capaz de se repercutir desta forma nas noites cada vez mais desertas do Penedo do Sono. Eu pensava que as pessoas não iam para o Penedo por andarmos todos mais ou menos tesos. E, nessa ordem de ideias, julgava que a isso se chamava crise regional. Mas não. É nacional, meus senhores. Quem o garante é o JM, depois do patrão da SDPS lho ter garantido a ele. De maneira que lá dei por mim num outro momento de profunda e profícua reflexão. Alguém disse um dia, pensei, que o bater de asas de uma borboleta na Ásia pode provocar um ciclone no resto do mundo. Pois bem, fiquei agora a saber que um simples espirro algures no rectângulo é capaz de levar uma pneumonia ao Penedo do Sono (que uns cavalheiros fizeram questão de rebaptizar como Penedo do Soco, por razões nada dignificantes). É como se fosse assim uma espécie de teoria dos fractários à moda da RAM. O que certamente há-de abonar em favor da evidente bondade da explicação.
Que me seja permitida, a finalizar, uma nota de cariz pessoal. Quando eu era pequeno, gostava de ouvir as considerações impacientes da minha avó acerca das propriedades profiláticas e/ou terapêuticas da aplicação de um pano encharcado na tromba (peço desculpa pela deselegância da linguagem) da chico-espertice e das demais qualidades congéneres. Ora, não acham que anda por aí muita gente mesmo a jeito de experimentar a bondade da receita da minha severa avó?
Bernardino da Purificação

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Aquela coisa castanha

Com o devido respeito, o JM faz lembrar aquela coisa castanha que quanto mais se mexe pior cheira. A crueza da comparação não pretende ofender quem quer que seja. Respeito as pessoas. Faço por respeitar as instituições. E procuro não confundir considerações de natureza pessoal com observações de natureza política. Não obstante, a verdade é que o dossier Jornal da Madeira vem assumindo contornos a todos os títulos lamentáveis. Agora ficou a saber-se que esta nova mudança de planos, traduzida na elevação dos preços da publicidade e na devolução do JM ao reino dos jornais pagos, resultou de uma negociação com o DN local. É de bradar aos céus! E ainda por cima anuncia-se a coisa como se de uma coisa séria se tratasse. Haja misericórdia!
Vamos lá a ver. A prática de dumping não só é condenável à luz dos mais elementares princípios reguladores da actividade económica como entra no domínio da batota pura e simples. O que quer dizer que um eventual abandono dessa prática em resultado de uma negociação qualquer com uma empresa concorrente não lhe altera por um segundo sequer a ilegalidade de que está ou esteve ferida. Ora, é preciso acentuar que foi por ordem de um governo, e não por força de uma outra entidade qualquer, que o JM enveredou pelo caminho ínvio da batota. E importa também enfatizar que todas as decisões governamentais não devem, em circunstância alguma, perder de vista o denominado princípio da legalidade que imperativamente as obriga. De maneira que de nada lhe deveria servir esta espécie de estatuto de arrependido que o executivo regional acaba de tentar negociar com o DN. Pelo menos, ao nível da veemente censura política que não pode deixar de ser feita.
O DN opta agora por deixar cair o assunto depois de um arranjo qualquer que a opinião pública conhece mal? É lá com ele. Mas, pelo menos até ver, não é o Diário quem determina a legalidade ou ilegalidade das acções do governo, ainda que travestidas de disparatadas ou mal pensadas deliberações das empresas cuja titularidade detém. Pelo que se espera que alguém faça o favor de brindar-nos com a informação completa sobre todos os contornos da negociata anteontem anunciada em Caracas. Quem é que nos deve as explicações? Claro como a água. Elas devem partir de quem age como se tivesse o direito de intervir no mercado no mais completo descaso das regras mais elementares e ao arrepio de todas as leis. Querem mesmo que vos diga quem? Ok, aí vai. É o governo regional, posto que os nóbregas e os almeidas que andam lá pelo jornal não riscam coisíssima nenhuma, exceptuando, já se vê, as dedadas mais ou menos pegajentas que ocasionalmente colocam nas edições diárias.
Este facto, aliás, tem também muito que se lhe diga. Repare-se. Nos termos da lei, o JM tem um estatuto de empresa pública. Os seus administradores são considerados gestores públicos. E basta consultarmos as leis que regulam a actividade deste tipo de empresas para percebermos que elas têm o dever de realizar o interesse público. Seja no domínio das finalidades decorrentes da natureza do seu objecto social. Seja no domínio da exigência de transparência e rigor que se coloca à sua gestão. Ora, o que acontece no que diz respeito a estes dois aspectos é que toda a gente, a começar pelo governo, se está positivamente borrifando para as múltiplas obrigações legais do JM. Basta ver que quem gere de facto é o governo. Quem define a estratégia é a tutela política. Quem define as regras do jogo é o patrão ausente que se move por caprichos de momento ou por interesses que nada têm que ver nem com a saúde do jornal nem com as finalidades públicas que a lei lhe determina que persiga.
Temos assim, no meu entendimento de céptico, que a negociata agora estabelecida com o DN pensou em tudo menos no que deveria ter pensado. Salvaguardou os interesses do Diário. Teve seguramente em conta os interesses políticos do governo regional. Só não se preocupou um instante sequer com os interesses da empresa pública Jornal da Madeira, que os contribuintes pagam, e cujo passivo de quase trinta milhões de euros todos nós suportamos.
Quem achar que exagero vá perguntar ao dono e director do Tribuna da Madeira quantas vezes, e por que preço editorial, o poder político tentou aliciá-lo com a impressão do JM na gráfica de que é proprietário. E por esta analogia me fico, que as histórias que um dia destes me contaram sobre a utilidade real do JM tresandam a coisa nada sã. O que não belisca, como é evidente, nenhum dos profissionais que têm no jornal o seu ganha-pão.
Mas insisto. Alguém está a dever-nos explicações sobre um negócio de contornos pouco claros. Pelo que a pergunta só pode ser esta: há por aí alguma alma caridosa capaz de pedi-las? E de dá-las?
Bernardino da Purificação

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Irresponsabilidade e incompetência

O JM vai voltar a ser pago. Corrijo. O Jornal da Madeira vai voltar a ter preço de capa. Como acontecia há menos de meia dúzia de meses atrás. E como, aliás, nunca deveria ter deixado de acontecer.
Poderia, como é evidente, aproveitar a deixa para sublinhar que, a bem dizer, o JM nunca deixou de ser pago. A generosidade do orçamento regional converteu-o desde há vários anos porventura no jornal mais caro do mundo. Que os leitores têm de pagar duas vezes. E que todos os contribuintes, mesmo os que o não lêem, pagam pelo menos uma vez.
Não vou, no entanto, entrar por aí. Mesmo que venha a propósito e pudesse ser apetecível. E mesmo não ignorando que a manutenção dessa forma de financiamento não é mais do que o perverso instrumento de que se serve o governo da RAM para ilegitimamente controlar a sua orientação editorial. Limito-me, assim, a sublinhar que o episódio resume, no fim de contas, a total ausência de uma estratégia minimamente pensada no sentido da viabilização de um título que deveria merecer um pouco mais de respeito. Sem prejuízo, claro está, de um dia destes poder voltar ao tema com algumas histórias escaldantes que recentemente me contaram.
Que dizer então do anúncio de que o JM vai voltar a ser pago?
Em primeiro lugar, convém sublinhar o óbvio. Como foi o governo, e não a gerência da empresa, a entidade anunciante, isso só pode significar que os comandos efectivos do JM residem algures num eixo que nasce na Quinta Vigia e desagua actualmente na Quinta Vila Passos. A administração da empresa não conta. Existe apenas para ocupar e remunerar dois ou três fiéis servidores. E nada de relevante faz do ponto de vista da gestão criteriosa e cuidada que uma empresa com a dimensão e especificidades do JM seguramente exige.
Em boa verdade, ninguém por um momento terá duvidado que as coisas se passavam assim. Porém, convenhamos: há-de haver um qualquer limite para a ausência de decoro. Não que os gestores públicos que nada gerem possam ou devam sentir-se credores de um respeito que em bom rigor não merecem. Não é isso. Mas como há um limiar a partir do qual a ausência de respeito se transforma em desconsideração e insulto, receio bem que o episódio contribua para afundar ainda mais a já de si depauperada imagem que o JM, malgré lui, nos vem dia a dia reflectindo.
Mas, há mais. Toda a gente sabe que a política do governo relativamente ao JM (exceptuando talvez o período em que o jornal foi tutelado por Pereira de Gouveia) tem sido errática, carente de sentido ou de rumo, ausente de um fio condutor com um mínimo de coerência ou de lógica. E poucos serão os que ignoram que o jornal foi sendo gerido a partir do exterior como se não houvesse amanhã, ou como se não fosse importante, ou sequer possível, autonomizar-lhe a vontade e as contas. Foi assim desde 2000 com João Cunha e Silva. Tinha sido mais ou menos assim antes disso. E voltou a ser assim, desde 2004, com Brazão de Castro. Não obstante, tem-se andado a prometer mundos e fundos. Nuns dias agitando-se a ideia de que há um plano de viabilização em marcha. Noutros dias garantindo-se a existência de um projecto qualquer capaz de resolver os problemas da empresa. Semana sim, semana não, o anuncio de uma ideia nova. Mês sim, mês não, a promessa de um novo e engenhoso plano qualquer. E, como a Madeira é o reino por excelência da irresponsabilidade política, ninguém pede nem presta contas.
Lembro-me há uns anos de ouvir o vice-presidente do governo assegurar perante o parlamento que o JM teria as suas contas saneadas em 2004. Pois bem, o resultado do vice-presidencial plano foi um passivo acumulado de mais de cinco milhões de contos(!!!), e a posterior entrega do presente envenenado em forma de jornal ao secretário Brazão de Castro. E ninguém quis saber - repito, ninguém quis saber - por que raio uma empresa à beira da recuperação e da viabilização, no dizer convicto de João Cunha e Silva, foi capaz de cair no pântano comatoso em que se encontra.
O que veio depois, toda a gente viu. Para chatear alguém, o senhor governo decretou que o jornal passasse a gratuito. E ele passou. Durante um mês, e certamente para acenar alguma coisa aos vizinhos da frente, suspendeu-se a publicidade. E agora, seis meses passados, o jornal volta a ser pago, em obediência a um impulso e não em resultado de qualquer estratégia articulada.
O que parece, em suma, é que ninguém sabe o que é que se há-de fazer com a coisa. De modos que o gratuito que volta agora a ser pago lá vai, pobre dele, definhando nas mãos da corja de irresponsáveis incompetentes que se dão ao luxo de andar a brincar com os milhões de todos.
Bernardino da Purificação

terça-feira, 1 de julho de 2008

O significado de uma omissão

Se calhar é excesso meu. Se for, peço compreensão. Quem observa a política pode levar a perspicácia e a sedução analítica ao ponto do exagero. Mesmo que o não queira, como é, manifestamente o meu caso.
Ora acontece que me anda a fazer espécie que as várias notícias já publicadas sobre a visita de Jardim à Venezuela não façam qualquer menção à possibilidade, ou à ausência dela, de o chefe do nosso Governo ser recebido pelo presidente Chávez.
Uma vez que sobre o assunto nada se diz, é de presumir que o presidente da República Bolivariana da Venezuela não vai receber o líder madeirense. E como ninguém acredita que o dr. Jardim não se tenha esforçado por conseguir, ao menos, um aperto de mão para a posteridade e para as capas dos jornais, a omissão referida não pode deixar de ter algum significado.
Acredito que o dr. Jardim esteja ainda a desenvolver esforços diplomáticos, ou outros, no sentido de regressar de Caracas sem o embaraço de não ter conseguido qualquer encontro político ao mais alto nível. E até pode ser que um milagre qualquer ainda lhe permita a sorte de conseguir dar-se ares mais uma vez de grande estadista.
Não por ele, mas pelo que pudesse significar para a comunidade madeirense radicada na Venezuela, gostava sinceramente que se pudessem reunir as condições políticas e diplomáticas para que o dr. Jardim pudesse cair nos braços do presidente Chávez. Porém, insisto: o silêncio sobre o assunto, que só pode ser intencional, não augura nada de positivo para as bandas do líder madeirense. Pelo que o mais certo é que, na viagem de regresso, tenha que pensar um pouco para arranjar uma boa desculpa para o fracasso. Nada que seja particularmente grave, como é evidente. Até porque todos sabemos que imaginação e lata são coisas que o nosso líder tem em doses muitas vezes superiores ao quanto baste.
Com a prudência de quem não sabe o que a este respeito se tenha passado, atrevo-me a avançar algumas conjecturas. No fundo, para exprimir a convicção de que o clima de azedume que envolve as relações pessoais e políticas entre o Funchal e Lisboa pode estar na origem da mais que provável indisponibilidade de Chávez em receber Jardim. Acredito mesmo que só pode residir aí a explicação para um facto que, a confirmar-se, é de todo atípico e absolutamente contrastante com a agenda de outras deslocações efectuadas por Jardim a países de acolhimento de comunidades de madeirenses.
Repare-se. É conhecida a cordialidade pessoal e política existente entre José Sócrates e Hugo Chávez. Para além disso, ainda recentemente, o primeiro-ministro esteve em Caracas com uma apreciável comitiva política e uma vasta delegação empresarial. A comitiva de Sócrates não incluiu nenhum representante político madeirense, o que deixou absolutamente furibundas as hostes parlamentares laranjas. E, nesta sequência, Jardim está agora em Caracas arriscando-se a vir de lá de mãos a abanar no que diz respeito a encontros ao mais alto nível. Por falta de interesse do próprio Jardim? Não acredito. Por falta de disponibilidade de agenda de Chávez ou de outra qualquer figura de peso do estado venezuelano? Sinceramente, não me parece.
O que verdadeiramente creio é que se Jardim não tivesse azedado as suas relações com Sócrates, os madeirenses que vivem na Venezuela poderiam, muito provavelmente, estar agora a viver o conforto de saber que o presidente do país que os acolhe estava na disposição de distinguir o presidente da Região de onde um dia partiram. E quem não acredita em tal coisa fique à espera das explicações. Elas estarão aí não tarda nada.
Termino como comecei. Se calhar estou a levar longe de mais a procura de alguma originalidade analítica. Pedirei desculpa se os factos me desmentirem. Até lá manterei a opinião. Mesmo sabendo que o dr. Jardim tem junto dele um ponta-de-lança de peso (de seu nome Horácio Roque) que pode a todo o momento consertar o que o líder madeirense tanto faz por estragar. É que, acreditem, o comendador move-se com uma habilidade digna de nota em vários tabuleiros. Até no da diplomacia.
Bernardino da Purificação