domingo, 13 de julho de 2008

A resposta certa do aluno cábula

Como dizer mal também cansa, sentei-me ao computador com o nobre propósito de dizer bem. Procurei assuntos. Fui lendo jornais. Pensei em pessoas, de preferência governantes. Mas devo confessar que a tarefa, a partir de certa altura, começou a ficar difícil. Por mais que procurasse, não conseguia descortinar um facto positivo sobre o qual valesse a pena escrever qualquer coisa. E a depressão, acreditem, esteve por um fio. Até que me lembrei do dr. Cunha. Corrijo. Não foi bem assim. A bem dizer, não fui eu que me lembrei dele. Habitualmente, tenho mais que fazer. Ele é que se lembrou mais uma vez de nós. Como o demonstra a publicação na revista do DN de mais uma das suas imperdíveis prédicas. Uma vez que me sentia imbuído (adoro mergulhar na ressonância líquida da palavra) do espírito atrás descrito, não consegui reprimir um suave sentimento de gratidão. O dr. Cunha acabara, sem o saber, de me salvar o dia. Seria ele o ponto de mira dos meus mais nobres propósitos. De maneira que me atirei à tarefa com denodo.
Manda a justiça que diga que o dr. Cunha faz pouco para ajudar quem queira genuinamente dizer bem das decisões políticas que toma. Mas até por isso achei o exercício interessante. Sempre queria ver como é que havia de passar no teste um político que tem atrás de si um lastro de parques empresariais às moscas (às cabras), um Lugar de Baixo cada vez mais revolvido em polémica, um Penedo do Sono em saldo e de rendas confessadamente sazonais, uma irreprimível tendência para o anúncio emproado e imediato de coisas que ninguém sabe se verão a luz do dia (assim uma espécie de síndrome socrático), e que tem a mania de proclamar que as obras públicas que manda fazer, sejam as mais ou menos úteis, sejam as de utilidade duvidosa, sejam as de uma já comprovada e indiscutível ausência de qualquer utilidade, não têm nada a ver com os impostos que pagamos.
É claro que, permitam-me a humilde confissão, tive medo de falhar nos intentos. Porém, ciente de que o mérito de um feito é directamente proporcional à dificuldade do dito, lá mergulhei de cabeça, qual Diógenes, de lanterna em punho, à procura de algo com que pudesse incensar o dr. Cunha, ao menos uma vez.
Depois de muito procurar, acabei por conseguir. Encontrei no DN o que precisava. Sua excelência fez o favor de brindar-nos com umas pérolas relacionadas com o futuro da política energética da RAM. E ao lê-las compreendi como deve sentir-se injustiçado o dr. Cunha cada vez que lê uma crítica, cada vez que percebe que o ignoram. Porque, acredite-se ou não, o homem tem um sonho, uma visão. Particularmente no que diz respeito aos caminhos que a Madeira deve trilhar para driblar a extrema dependência energética de que padece.
Cito ipsis verbis as suas palavras, até para ajuste de contas futuro. "Apostaremos de forma decidida na hídrica, na eólica (com bom senso), no biocombustível marinho e no gás natural. E, daqui as uns anos, talvez possamos olhar para as peripécias por que passa o mundo com menos preocupação e maior independência." Devo confessar que fiquei fascinado. Em meia dúzia de linhas de coluna de jornal, o dr. Cunha foi capaz de sintetizar todo um programa de governo. Ainda por cima, de bom governo.
É justo que se diga que se o dr. Cunha mai-lo ponta de lança que tem na EEM, dr. Rebelo de sua graça, conseguirem levar à prática tão arrojado como visionário programa de acção, terão todo o direito de exigir a gratidão, a admiração e o respeito de todos os madeirenses. E eu, se ainda por cá andar, procurarei ser dos primeiros a tributar-lhes a homenagem que por certo merecerão. A justiça que reivindico para mim é exactamente a mesma que me esforço por creditar aos outros. De maneira que, por ora, o dr. Cunha leva o seguinte cumprimento: a política energética que preconiza é não só correcta, como necessária. Seja por razões económicas, seja por razões ambientais, seja, enfim, por razões estratégicas. Custa dinheiro, como é evidente. Mas isso, claro, não é coisa que atormente as mãos largas que mostra ter.
Porém, há-de compreender. Quem quer ser pródigo no elogio não pode ser omisso no reparo. Sobretudo se for justo. Ora, acontece que a Lógica formal ensina-nos que só por manifesto acaso se chega a conclusões certas partindo-se de premissas erradas. E a prudência na Política recomenda que só se fale a sério daquilo que se estuda e domina. Pois bem, dr. Cunha, saiba vosselência que bem pode ter acertado na cura futura dos nossos males energéticos. Porém, estatelou-se ao comprido no diagnóstico da maleita. Porque essa de dizer que o louco aumento dos preços do petróleo, somado à inflação dos bens alimentares, se fica a dever à utilização dos recursos agrícolas com fins energéticos só pode ser tida à conta do erro clássico que comete quem, por falta de tempo, de pachorra, ou de queda para a coisa, não foi capaz de compreender ou estudar a complexidade da lição (se precisar que lha explique, não hesite por favor). E a mim aflige-me pensar que a ligeireza com que diz disparates destes há-de ser a mesma com que toma as suas decisões políticas. Mas isto, claro, não passa de um pensamento lateral, que o importante mesmo é o elogio que lhe faço.
Bernardino da Purificação

8 comentários:

Anônimo disse...

Do presente artigo extrai-se uma conclusão que eu já há muito defendo. Ao invés de classificarmos os nossos governantes pela medida tradicional do politicamente correcto, porque não avaliá-los pelo tecnicamente exigivel ?

Obviamente que o visado em questão, chumbaria nos dois textes, já que politicamente utiliza uma imagem arrogante, pretensamente sobranceira a tudo aquilo que o rodeia. E tecnicamente, para quem dúvidas tem, basta mirar um resumo dos seus magnificos feitos, complementados com a brilhante tese em causa para facilmente concluir.
Quer o visado quer os demais que proliferam na sua orbitra, jamais me enganaram quanto à sua reconhecida incompetencia tecnica, porém tiro-lhes o chapéu, pela sábia forma como têm enganado este pobre povo ao longo dos duros anos com que nos têm imposto a sua defeciente governação.
E não se fale na obra feita, porque não só de obra vive o homem. Aliás, se classificarmos os nossos governantes pela obra feita (de betão obviamente) então proponho que para as proximas eleições se candidatem os Presidentes das Administrações das grandes construtoras, porque de obra sabem eles como mais ninguèm.

amsf disse...

Parece que o nosso anfitrião Bernardino da Purificação desta vez foi parcialmente injusto para com o "nosso" Vice-Presidente! Efectivamente uma das causas para a inflação de alguns dos produtos básicos da alimentação humana deve-se ao facto de alguns desses produtos e factores da produção agrícola terem sido desviados para a produção de bio-combustíveis. Ao se cultivar milho e cana de açucar para produzir etanol está-se a retirar o milho da alimentação humana, a retirar terrenos que anteriormente eram destinados à produção agrícola para alimentação humana, etc. O aumento da procura de terrenos, recursos humanos, pesticidas, adubos faz que haja um aumento do preço destes factores de produção o que acaba por atingir também a agricultura com fins alimentares.

Bernardino da Purificação disse...

Caro amsf,
Não creio que tenha sido injusto. o problema que refere é responsável por apenas dois por cento da produção mundial de combustíveis.
Muito mais impacto nos preços, quer de combustíveis quer de produtos alimentares, é a necessidade que têm as chamadas economias emergentes de sustentarem as suas elevadas taxas de crescimento económico.
Assiste-se, por outro lado, à constituição de grandes reservas, por razões psicológicas, por parte de algumas das mais importantes economias industrializadas.
Se a isto somarmos a intervenção de uma forte especulação financeira nos mercados mundiais de petróleo e das chamadas comodities, bem como um acentuado decréscimo (por razões bélicas) da capacidade de refinação instalada, facilmente percebemos que reduzir o problema dos preços à produção de bio-combustíveis é simplista e redutor.
Que a coisa se diga à mesa de café, até posso aceitar. Um governante a escrevê-la é coisa do domínio da indigência.

amsf disse...

Compreendo o seu ponto de vista no entanto suponho que os textos do "nosso" Vice-Presidente não têm qualquer pretensão de serem científicos ou exaustivos. Eu quando os leio é por entretenimento...

Em relação às algas produtoras de combustível preocupa-me o eventual amadorismo das pessoas envolvidas. Uma coisa é a fuga de uns milhares de douradas - os pescadores agradecem - outra, a de uns milhões de algas que não constituiriam um Chernobil para a saúde humana mas podiam-o constituir para o turismo de praia e mesmo para a nossa qualidade de vida!

Anônimo disse...

Não esqueçam os ilustres comentadores que o agro diesel, desenvolve-se nomeadamente na Argentina Chile e Brasil, em zonas até agora totalmente abandonadas, com poucas ou nenhumas apetencias para o cultivo imediato de cereais e outros produtos agricolas, nos tempos mais proximos, pelo que, temporariamente, o seu normal e natural desenvolvimento, em nada prejudicará a agricultura.
Note-se que exaustivos estudos entretanto efectuados,explicam que o "temporariamente" deverá compreender no minimo a proxima década, o que é tempo mais que suficiente para surgir em pleno uma ou mais das muitas alternativas energeticas, actualmente em assinalavel desenvolvimento.

amsf disse...

Não se esqueça o ilustre anónimo que o único factor de produção da agricultura não é a terra. Um aumento na procura de fertilizantes químicos e de pesticidas por parte dessa agricultura bio-energética provoca a inflação do preço dos mesmos. Nem falo das outras consequência (destruição da floresta, aquecimento global, etc). Lembro que os bio-combustíveis só são rentáveis porque são altamente subsidiados. Nem com os actuais preços do crude se são competitivos. Aliás suponho que as máquinas agrícolas usadas nessas explorações até são movidas a gasóleo! Os bio-combustíveis não são solução tal como a estação "solar" da amareleja também não o é. O Estado (nós) pagamos 6 x mais, através da ERSE, pela energia solar ai produzido do que é cobrado depois ao consumidor final! Neste momento a civilização como a conhecemos corre perigo, seja pela crise energética seja pela crise "financeira"! O pior está para vir!

Anônimo disse...

Apelo à atenção de "amsf" para não se limitar a efectuar uma simples leitura agro-economica desta nova realidade energética, já que seguramente não negará, que a criação de alternativas ao petróleo, mesmo considerandos os seus evidentes efeitos preversos, é seguramente uma notável forma de efectuar politica no contexto mundial, reduzindo a expressão a que se encontram habituados os produtores do dito petroleo e a própria OPEP.
Não terei razão ?

amsf disse...

A minha posição é que os bio-combustíveis são anti-económicos e anti-ambietais. Mesmo que seja possível mudar o modelo tecnológico da actual civilização e passar a utilizar a electricidade por exemplo nos automóveis (carro eléctricos) isso não é solução pois a electricidade não é uma fonte energética mas um meio. Essa electricidade terá que ser feita com recurso a combustíveis fósseis que mais tarde ou mais cedo acabarão (sem mencionar a questão do preço e da poluição que não é feita pelos automóveis eléctricos mas que será sempre feita a montante). A electricidade feita a partir da energia eólica, barragens, ondas, painéis solares é insuficiente e é produzida a preços proíbitivos.
Ao contrário do que insinua não são os países produtores de crude os responsáveis por esta escalada de preços. São vários os factores:
Se o dólar perde valor e é o dólar que serve de referência a este comércio é natural que os intervenientes no mesmo peçam mais dólares pela mesma quantidade do produto (o mundo está a pagar a inflação americana); a perspectiva do pick oil conduz à especulação nas vendas futuras; insuficiente número de refinarias faz com que haja "falta" do produto final no mercado e porque estas são propriedade das multinacionais da distribuição não têm qualquer interesse em investir em mais refinarias quando sabem que isso conduzirá a uma eventual baixa dos combustíveis; o aumento do consumo por parte da China e India (fábricas do mundo) faz com que não haja excedentes de crude no mercado como havia no passado; a crise do subprime e bolsista fez o capital especulativo "fugir" para algumas matérias primas criando bolhas que mais tarde ou mais cedo explodirão. Tal poderá não suceder no crude pois este tende a ser mais escasso na natureza e a ser explorado à força de mais capital (como é evidente o mais acessível, o da superfície foi o primeiro a ser explorado). Resta-nos a energia nuclear e outras hipóteses ainda experimentais. Tudo indica que teremos que converter-mo-nos numa civilização de base eléctrica e aproveitar as várias fontes energéticas que podem ser exploradas para esse efeito. Só que os preços "nunca" serão aqueles a que estamos habituados.

Não vejo o público ter acesso a carros eléctricos que possam ser carregados em casa. Vejo as actuais multinacionais de combustíveis a fornecerem baterias eléctricas previamente carregadas para os nossos automóveis. Chego à estação, fazem uma leitura da bateria que entrego, instalam-me rapidamente uma completamente carregada e pago a diferença.