O dr. Jardim adora as histórias de aventura e mistério. A Trilateral povoa-lhe os sonhos. Com a Maçonaria tem uma relação de amor-ódio. E o clube de notáveis que alegadamente aspira governar o planeta e respectivos arredores exerce sobre ele fascínio idêntico ao da luz que se esconde por detrás das trevas. Reminiscências, presumo. Dos seus verdes anos de operacional de secretária. Ou, melhor dito, herança dos tempos em que, fujão, trocou a carreira de tiro que defendia para os outros pelas manobras arriscadas da acção psicológica. Acreditem. É de tal modo intensa a sua queda para o oculto que é nela que nascem e desaguam muitas das decisões políticas que toma. E assim não precisa de prestar contas a ninguém.
Querem um exemplo? Pois cá vai.
Era uma vez um presidente de Câmara acidental caído de pára-quedas na função. Para sua eterna desgraça, o acaso que lhe indicou o caminho da política omitiu-lhe que teria de partilhar os Paços do concelho com os olhos e ouvidos de quem tudo pode. Um safado, como veremos, o dito acaso! Acresce que, ingenuamente alheado de tão ameaçadora circunstância, o fortuito presidente atribuiu-se, ainda por cima, o direito de achar que poderia nomear para chefe do seu gabinete alguém da sua confiança pessoal. De modos que um dia, sem olhar a sério para o terreno minado que pisava, resolveu sacar um nome do seu rol de relações. E talvez porque cumprisse um destino trágico, decidiu fazer seu lugar-tenente o motivo futuro (só mais tarde viria a sabê-lo) da sua presente desgraça.
Importa salientar que olhos e ouvidos de quem tudo pode não passa de um modo eufemístico de dizer outra coisa. Em bom rigor, há bastante mais anatomia envolvida no caso. Porém, percebam. Não gosto de imiscuir-me nas histórias cor-de-rosa de ninguém. Até porque sei, de ciência certa, que as conhecidas razões que Pascal desconhecia conservam ainda, nos dias de hoje, a razoabilidade que as celebrizaram. É-me impossível, no entanto, deixar de convocar aqui tão delicada e pessoal matéria. Por uma razão simples, que passo a exprimir com a máxima elegância que a inspiração me dá: é público e notório que uma componente importante da política regional passa pelo leito clandestino dos serôdios arrufos presidenciais.
Importa, do mesmo modo, avançar algumas notas da biografia não pública do cavalheiro que o nosso improvável edil entendeu nomear seu acólito. Garante quem sabe (e a Quinta Vigia tem a certeza que sabe) que o cavalheiro em questão é dado ao esoterismo de certas práticas discretas. Usa avental, em suma. Obviamente fora das suas actividades profanas. E evidentemente à margem das suas obrigações profissionais. Mas, como se sabe, na Madeira é assim. Um maçon é, por definição, um suspeito. E se, ainda por cima, se dá ao desplante de se travar de razões com a mais-que-tudo da única pessoa importante da ilha, de suspeito passa de imediato à condição de condenado.
Ora, para desgraça do futuro ex-autarca vicentino, foi exactamente assim que as coisas se passaram. O seu chefe de gabinete desentendeu-se com a notária da Câmara. Esta bateu com a porta e foi a correr chorar no ombro amante do nosso capo di tutti capi. E este, furibundo e de coração dilacerado, accionou de imediato os mecanismos de punição. Num primeiro momento, mandou despedir o aventalado chefe de gabinete, a pretexto da sua putativa condição de maçon. No seguinte, despachou o ingénuo presidente da Câmara, por não ter percebido que, na Madeira, há uma política de travesseiro que se sobrepõe à política institucional. E assim foi feita justiça. E assim se vai escrevendo a política.
Há, no entanto, algo que não consegui perceber ainda. O que é que terá sido tratado, no mês de Março passado, no cordial (fraterno?) e secreto encontro que Jardim manteve na Quinta Vigia com o Grão-Mestre da Maçonaria Regular portuguesa? Alguém poderá elucidar-me? Ou será este mais um dos mistérios que tanto animam o ócio do presidente?
Bernardino da Purificação