domingo, 27 de julho de 2008

A primavera do Cunha

O dr. Cunha e Silva acaba de descobrir a África do Sul. Boquiaberto com a descoberta, resolveu partilhar connosco as suas profundíssimas impressões acerca de um país que, para si e pelos vistos, só agora ganhou existência real. Ele há gente assim! O mundo gira há triliões de anos. Tem uma história e uma geografia mais ou menos conhecida. Mas para muitos não vai além da parcela ínfima por onde andam. E um dia, claro, ei-los em descobertas pasmadas de que prontamente dão conta em artigos de jornais. E nós, claro também, gratíssimos pela informação de que o mundo conhecido de repente cresceu.
Que descobriu então o dr. Cunha e Silva? A avaliar pelo seu escrito na revista do DN não se pode dizer que tenha sido muito. Não obstante, terá sido o suficiente para o nosso governante ter ficado a saber que a África do Sul é um país grande e rico, que nele se vive actualmente um clima de reconciliação e tolerância, que a maioria negra não faz à minoria branca o que esta lhe fazia não há muito tempo atrás, e que, se não fosse a dimensão humana, histórica e política de Nelson Mandela, muito provavelmente não teríamos mais do que o ajuste de contas onde temos actualmente a procura da concórdia.
Abençoada viagem, esta do dr. Cunha e Silva, que tanta descoberta e em tão curto espaço de tempo permitiu! De maneira que não ficava nada mal, antes pelo contrário, que juntássemos o nosso pasmo ao do nosso querido vice. Abramos, pois, com ele a nossa boca de espanto.
É claro que apetece recordar ao dr. Cunha e Silva que vice-lidera um governo que fez tudo o que pôde (com algumas cumplicidades que não vêm agora ao caso) para branquear os horrores que tardiamente agora descobriu. Como sei que tem memória, ainda que tenha o defeito de ser selectiva, não vou obviamente fazê-lo. Até porque sei que já cá andava quando Mandela não passava de um terrorista preso. Do mesmo modo que não ignoro que, mau grado a sua recente descoberta, não deixa de ser o principal acólito do político português que mais se esforçou por mostrar ao mundo a amizade e o respeito que então nutria pelos mentores do apartheid.
São outros tempos, dirá vosselência, no que será certamente acompanhado pelo coro juvenil dos seus solícitos conselheiros. E é evidente que são. Tão outros que só agora foi capaz de descobri-los. E o resto, ou seja, o tal dito branqueamento, nada tem a ver consigo, até porque, em bom rigor, só agora descobriu a África do Sul.
Eu percebo, é claro, tanto o argumento, como a intenção que com ele vem. Vosselência é um homem do futuro. E tudo o que tenha ficado para trás não passa de um irremediável passado de que não é minimamente responsável. Presumirá, em suma, que a primavera se anuncia consigo. Com os parques e marinas que mandou construir e que está em vias de vender a preço de saldo em curiosos leilões unipessoais. Com essa notável proeza que consistiu em fazer com que Bruxelas passasse a considerar rica uma pobre terra que nem sequer sabe para onde vai. Com a política reduzida à megalomania das suas escassas ideias. E, agora, até com a ruptura tardia com um passado de cumplicidade (em nome de uma pretensa ideia de realismo político) com gente nada recomendável. Ora, é bom que saiba que as primaveras passam depressa, ainda que voltem sempre, como diz o bailinho. Sobretudo neste tempo de alterações climáticas em que o tempo parece às vezes andar às avessas. De resto, vosselência, e vai perdoar que lho diga, nem sequer tem nome para dar substância a qualquer primavera. Já reparou a que e como soaria uma eventual "primavera cunhista"?
Bernardino da Purificação

Um comentário:

amsf disse...

O Pieter Botha não lhes terá contado o quanto é grande a África do Sul quando cá teve acolhimento!?