sábado, 6 de dezembro de 2008

A qualidade da coisa, ou a ausência dela

Suponho que não erro se disser que a qualidade de uma democracia se mede pela forma como funcionam os seus mecanismos de controlo e fiscalização do poder. A explicação é simples. Como a política tem horror ao vazio, o poder tende a ocupar a totalidade do espaço que tiver à mercê. Quando encontra baias firmes, os atropelos são relativamente escassos. Mas se, ao contrário, os limites são frouxos, é certo e sabido que o abuso se instala.
Creio também que não me engano se disser que a qualidade da democracia da Madeira deixa imenso a desejar. Pelas razões atrás expostas (isto é, devido à extrema lassidão, à gritante ineficácia, ou à deplorável inexistência de instrumentos de contenção do poder). Mas ainda por outras de natureza muito mais pessoal do que institucional, que nos remetem para a estrutura democrática (ou para a ausência dela) de quem manda.
Desenganem-se. Não vou aqui recuperar a tese estafada do nosso alegado défice democrático. Nem para subscrevê-la. Nem para lhe apontar os eventuais vícios. O propósito que tenho é bem mais modesto. Pretendo simplesmente ilustrar com três ou quatro exemplos o modo perverso como o poder que temos se presume isento da obrigação de prestar contas.
Começo, então. O dr. Jardim continua a repartir a sua extenuante vida entre o Funchal e Bruxelas. Vai e vem com o tranquilo à vontade dos turistas militantes, ou com a rotineira descontracção dos caixeiros-viajantes. Ninguém lhe pergunta ao que vai. Nem ele nos faz o obséquio de uma explicação. Limita-se a ir e vir. Gastando dinheiro do erário (em viagens, hotel e ajudas de custo). Deixando o governo para que foi eleito sabe-se lá nas mãos de quem. E sem se sentir interpelado a prestar contas a quem paga. Ou seja, vai porque sim. Há-de continuar a ir porque lhe apetece. E, quanto a contas, que se lixem a Madeira e os contribuintes.
O dr. Cunha e Silva mimetiza a roda livre do seu chefe. Saltita de disparate em disparate com a paquidérmica ligeireza de quem não reconhece limites ao poder que lhe puseram nas mãos. E fá-lo, ainda por cima, com a sonsa hipocrisia dos falsos moralistas.
Mal trepado à sua condição de vice, desatou logo a lançar peçonha sobre aqueles que o antecederam. O mínimo que disse de Paulo Fontes, de quem herdou algumas competências, foi que ele tinha um interesse qualquer na compra de um imóvel (ali para os lados do Mercado) para a instalação da Loja do cidadão. Sobre Pereira de Gouveia, que o precedeu na superintendência da economia, o mais brando que sua excelência conseguiu foi fazer constar que a megalomania e um interesse particular qualquer terão estado na origem da ideia de se instalar no Parque das Nações uma representação da Madeira em Lisboa.
É claro que o dr. Cunha sabia que as suas graves acusações nunca seriam devidamente investigadas. Da mesma forma que adivinhava que as decisões que mais tarde viria a tomar, relativamente aos mesmíssimos dossiers, haveriam de passar sem o democrático escrutínio político. E o resultado está à vista de todos. A "sua" Casa da Madeira em Lisboa transitou para o Restelo (zona de embaixadas) e não passa de um espaço votado ao abandono. A "sua" Loja do Cidadão ocupa um espaço nobre da cidade e é um caso de sucesso em termos de procura. Mas, como canibalizou os clientes das repartições, conservatórias, e restantes serviços que alberga (alguns deles situados a duas escassas centenas de metros), e como já vai estando congestionada, em consequência desse e doutros pequeníssimos problemas de planeamento, não tarda nada e ainda assistiremos à necessidade de aquisição de um novo espaço para a abertura de uma nova Loja. A única diferença, claro está, será a ausência (obviamente, porque sim) de qualquer interesse por parte do actual comprador. É que o cavalheiro, acreditem, está aqui só para servir. Como bem o demonstram os Penedos e os parques da sua excelentíssima criação. E como o comprovam as promenades e as marinas que levaram o que tínhamos e até o que não tínhamos.
Ora, uma vez que os instrumentos de fiscalização não existem ou são ineficazes, vamos ter de esperar que o cavalheiro seja um dia removido. Pode ser que nessa altura o seu sucessor se dê também ao trabalho de lhe revelar os erros e denunciar os interesses. Em nome, claro está, desta democracia de intragável qualidade que não há maneira de se regenerar.
Bernardino da Purificação

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Bernardino,

Essa da "paquidérmica ligeireza", além de exemplar figura de estilo, tem ainda o condão de assentar que nem uma luva na paquidérmica criatura.

Saudações revolucionárias.

Anônimo disse...

Estava a apetecer-me contar uma história de gangsters (ou seria de mafiosos???)mas não se adequa ao tema,pois não?!
Fica para uma melhor oportunidade...

Anônimo disse...

Quem vendeu, qual o custo da aquisição, qual o montante das aquisições nos negócios referentes à Loja do Cidadão e casa do Restelo ?

Alguém é capaz de advinhar ? Sim advinhar, porque nesta democracia transparente, o povo não tem o direito de ser minimamente informado do que quer que seja.

Já agora, uma ultima questão, a celebérrima marina do lugar de baixo, foi ou vendida ao grupo Pestana ?

Temos todos o direito de sermos informados deste negócio. Há que informar aos Srs do Governo que este tipo de gestão tem somente dois destinos, ou RUA ou CADEIA.

Anônimo disse...

Por erro, diz-se "aquisições" quando se pretnde dizer "comissões"

Anônimo disse...

A razão nestes escritos, como de costume, está com o Bernardino. A opacidade de que enferma a nossa administração é de tal ordem que por muito grande que seja a nossa ingenuidade todos duvidamos de ela que surja por mero acaso. Digam-me lá os leitores se acham que se um condenado por ilicitudes se apresentasse a votos como fez Isaltino Morais e Fátima Felgueiras era ou não eleito? Eu acho que era. O POVO parece merecer a canga que lhe colocam.

Anônimo disse...

Caro Jorge Figueira

Quanto ao Isaltino e à Fátima Felgueiras, podemos chegar à conclusão de que, do outro lado do mar, também há POVO SUPERIOR.

MMV disse...

Gostava de contar com a sua presença no próximo jantar de blogues!