sexta-feira, 18 de abril de 2008

Funchal: a eficácia ou o brilho?

Manda a honestidade intelectual que declare, desde já, que não tenho a certeza de que a minha análise traduza com rigor a realidade. Não vejam nela, portanto, qualquer grelha de observação de adesão obrigatória. E resistam à tentação de a ela aderirem de forma desprevenida e acrítica. Dito isto, porém, há uma coisa que garanto: ela corresponde exactamente ao que penso; está em total acordo com as impressões que venho colhendo ao longo de vários anos de obervação atenta; e não tem qualquer motivação enviezada ou escondida.
A questão que se segue é a mais importante: falo de quê? Eu explico. Em texto anterior relacionado com a desastrada afirmação de Jardim sobre a Assembleia Legislativa da Madeira, escrevi que o líder madeirense exerce a sua função no cómodo respaldo de dois amortecedores de desgaste político: um situado a montante do poder político regional - o governo central; e outro situado, por força das precedências políticas, a jusante desse poder - as câmaras municipais da Região. Como é bom de ver, esta afirmação exigiu uma reflexão sobre a actividade das câmaras e dos seus presidentes, que acabou por se centrar no município do Funchal, dada a sua extensão territorial e a sua importância política e simbólica. Ora, é de um aspecto particular dessa reflexão que trata o texto de hoje.
O que se passa é que dei comigo a concluir o seguinte: não tenho a certeza de que o Funchal ganhe alguma coisa, enquanto cidade, com o facto de ser ocasionalmente presidido por políticos de alto perfil. Ao contrário, sou levado a crer que alguns dos erros urbanísticos e demais equívocos de planeamento são, em grande medida, provocados pela circunstância, nada inocente ou singela, de certos presidentes poderem ter uma agenda política paralela (e, em muitos casos, sobreposta) à agenda autárquica.
Faça-se uma retrospectiva e medite-se um pouco nos mandatos de Virgílio Pereira. O que é que resultou para a cidade desses mandatos? Sinceramente, o que retenho é uma distribuição, com critérios eleitorais óbvios, de uns saquitos de cimento; um ostensivo fechar de olhos à forma anárquica como a cidade foi galgando as agora chamadas zonas altas e super-altas (Santo António e, em particular, São Roque); e uma grande atenção aos aspectos da comunicação. Compreende-se: Virgílio Pereira foi um presidente de Câmara com ambições políticas de outra ordem. E essa circunstância marcou a sua acção. É claro que não esqueço o que de muito foi feito na área ambiental. Só que, convenhamos, a política ambiental da Câmara de Virgílio, teve um nome e um rosto diferentes dos de Virgílio - os de Raimundo Quintal.
Diagnóstico similar pode ser feito a propósito dos mandatos de Miguel Albuquerque. Independentemente das simpatias que o actual presidente da Câmara Municipal do Funchal possa recolher junto do eleitorado, o que é que se retém dos seus sucessivos mandatos? Mesmo correndo o risco de poder parecer excessivamente rigoroso ou injusto, parece-me que muito pouco, tendo em consideração todo o aparato comunicacional e mediático que tem tido no seu centro, não o município, mas o próprio presidente da Câmara.
Certo: o passeio marítimo existe; os serviços camarários foram informatizados; algumas escassas medidas de apoio à habitação social estão no terreno; as Poças do Governador estão valorizadas; a Ponta Gorda foi beneficiada; e algumas ruas foram "devolvidas aos munícipes", no dizer dos clichés da propaganda. Mas, com franqueza, não será isto (a par de uma boa meia dúzia de licenciamentos feridos de ilegalidade e polémica) demasiado escasso para tanto tempo de mandato? Não deve o Funchal ambicionar bastante mais, agora que dobra os quinhentos anos?
É claro que sei que, com toda a probabilidade, alguma outra coisa estará a ser feita em vários outros domínios. Mas basta passar os olhos pelos jornais para concluirmos que as obras atrás citadas correspondem aos grandes emblemas escolhidos pelo próprio presidente da Câmara. Ora se é ele quem os escolhe, é porque lá terá a consciência de que a pouco mais se pode agarrar.
Em clara oposição a estes dois exemplos, temos a gestão camarária de João Dantas. Por não ter um perfil político elevado, quase ninguém se lembra do que fez pela cidade. E por não ter uma estratégia pessoal de comunicação, somos levados à injustiça de não ver nele o melhor presidente da Câmara que o Funchal teve depois do 25 de Abril.
Assim de memória recordo apenas algumas das realizações da Câmara do seu tempo: lançamento de uma rede de esgotos estruturada por toda a cidade; alargamento da rede de distribuição de água potável às zonas altas e super-altas do Funchal; ampliação do sistema de recolha de lixo; criação de duas novas centralidades que são as praças de Colombo e do Carmo; e, note-se bem, elaboração de um plano rodoviário que contemplava o prolongamento da Avenida do Mar para leste, que teria o mérito de resolver muitos dos estrangulamentos de trânsito que hoje em dia se verificam na cidade, mas que Miguel Albuquerque fez o favor de mandar às urtigas com a ideia peregrina de desqualificar o velho Almirante Reis.
Feito este exercício de memória, a que conclusão fui forçado a chegar? À mais óbvia: o Funchal, enquanto cidade, ganhou quando teve na presidência alguém confortável com a sua função de autarca; ou seja, alguém que mais nada ambicionava em termos pessoais ou políticos. É claro que uma Câmara assim dirigida acaba por herdar a imagem politicamente baça de quem a preside. Mas o que pode perder em termos de projecção e imagem mediática, ganha com certeza em termos de dedicação e eficácia. E isso, a meu ver, faz toda a diferença. Para melhor, já se vê.
Bernardino da Purificação

Um comentário:

amsf disse...

Em política a comunicação é tudo pois, infelizmente, qualquer político medíocre mas com uma elevada inteligência emocional consegue manter-se no poder e propagar a sua mediocridade! Tal como a comunicação é tudo também a percepção também o é. Diz-se que não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo no entanto a verdade é que basta que se consiga enganar a maioria dos eleitores em momentos chave! A história não é feita pelos honestos mas por aqueles que apesar de não o serem conseguem criar a percepção que o são ou que os adversários não o são!