Por muito que dele queiramos fugir, acabamos sempre apanhados pelo passado. No mais das vezes, o facto é uma arreliadora maçada: confronta-nos com os esqueletos que passamos a vida a tentar esconder no armário do esquecimento. Mas, por outro lado, o facto acaba por dar-nos uma certeza reconfortante: por mais voltas que dêm alguns, a impunidade é muito mais relativa e contingente do que possa supôr a sua presunção.
Embora não o lamente, também não o digo com gozo. Mas estou em crer que, desgraçadamente para ele, o dr. Jardim vem vivendo, nestes últimos dias, um desses infelizes momentos de acerto de contas com o passado.
Explico-me. Se repararmos, nunca o PSD esteve tanto à mercê de um qualquer aventureiro. Não obstante, apesar do seu voluntarismo e da elevada conta em que se tem, o dr. Jardim não tem a mais pequena hipótese de lhe deitar a mão. E, assim, vai consumindo os dias a pôr-se em bicos de pés a ver se o vêem. E a falar alto sobre os vários candidatos que vão aparecendo para ver se o ouvem.
Façamos um esforço e reconheçamos, sem alegrias, tristezas, ou estados de alma quejandos, que deve ser um exercício penoso, o do líder regional do PSD. Mesmo que os suspeitos do costume se tenham apressado a declarar ao país que Jardim é sempre um bom candidato. E mesmo que os candidatos conhecidos só não sejam improváveis porque, entretanto, Santana, Meneses, e tutti quanti a eles se alaparam (do indizível Mendes Bota ao inenarrável Rui Silva), se deram, com um zelo digno de nota, ao trabalho de colocar a fasquia da exigência à altura de um pé descalço.
Não levemos a sério, pois, a afirmação de Jardim de que apoiaria uma potencial candidatura de Miguel Cadilhe. Com ela, o que Jardim quer (sei eu, como diria o Gato Fedorento) não é mais do que afirmar que nunca há-de apoiar ninguém (para além, é claro, de procurar assim associar-se à imagem de respeitabilidade e credibilidade que Cadilhe tem, mas que, por exclusivas culpas próprias, Jardim tem cada vez menos). Porque sabe que Miguel Cadilhe nunca se meteria em aventuras de directas. E porque não ignora que o tempo que nos separa das eleições social-democratas não dá a mínima hipótese a candidatos sem boa imprensa, sem o suporte de alguns barões, ou destituídos de apoios ao nível do aparelho partidário.
Ou seja, o que ele quer é acenar aos candidatos efectivos esta singela mensagem político-aritmética: na Madeira há uns milhares de votos prontos para um negócio que possa parecer lucrativo. Para ambas as partes? Claro que não. Jardim não tem pachorra, nem feitio, nem tempo para pensar em repartir lucros em negócios que possa vir a fazer. Muito menos com candidatos sem pedigree político, como Aguiar Branco, ou com soluções de passagem, como Pedro Passos Coelho.
Aliás, racionalmente, ele até acha que Ângelo Correia joga bem e está certo quando, depois de tirar suavemente o tapete a Meneses, insinua agora um discreto apoio a Passos Coelho, ao mesmo tempo que, prudentemente, espera que Ferreira Leite ou Rui Rio se definam. Jardim exulta com estas manobras. Porém, o instinto de outsider, que já tomou conta dele, só lhe indica um caminho: começar por nunca apoiar ninguém, mas aceitar fingir, sempre sob determinadas condições (que é como quem diz com reserva mental), que quem vier a ganhar poderá vir a ser ungido, quem sabe, com o benefício do seu desprendido apoio.
Mas é pena. Isto estava mesmo era ao seu jeito. O problema é o passado. Tanto o remoto, como o recente. Ou, dizendo melhor: o problema é a memória dos que não esquecem nem o passado remoto nem o passado recente. E eu tenho para mim que os próximos dias ainda são capazes de mostrar que a memória é o maior inimigo dos políticos. Sobretudo dos que, ao arrepio do que recomenda a razão, se deixam controlar e dirigir pelos instintos.
Bernardino da Purificação
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