O dr. Cunha e Silva tem uma percepção desfocada da realidade. Aprendeu com Jardim a rodear-se de paus mandados. E, tal como sucedeu a Jardim, ele também vive já no isolamento da sua torre de marfim. Primeiro erro: não percebeu, se calhar porque nunca lho explicaram, que até os paus mandados desenvolvem interesses próprios nem sempre coincidentes com os do chefe a quem devem e juram obediência. Segundo erro: não quer perceber, porque o ego não deixa, que o constante elogio dos paus mandados não é mais do que um truque de quem lhe conseguiu apanhar o ponto fraco. Terceiro erro: não consegue perceber, porque isso é coisa que não lhe interessa, como é virtual a realidade que lhe chega através dos olhos dos seus paus mandados.
Ao dr. Cunha e Silva basta-lhe, pois, o que lhe dizem, vêem e ouvem os seus colaboradores mais chegados. Para além, é claro, das sentenças de Reader's Digest que, em forma de livro de citações, lhe decoram a secretária e a cabeceira, e que ele utiliza metódica e sistematicamente nas prédicas quinzenais da revista do Diário (o homem, imagine-se, até cita Séneca!). Não admira: de tanto se levar a sério, tem-se na conta de um verdadeiro líder; e de tanto lhe acenarem com a hipótese de mandar nesta terra de trezentas mil almas, acabou por ver-se como um verdadeiro escolhido do destino. Veja-se bem do que é capaz uma explosiva mistura de paus mandados com doses homeopáticas de cultura em forma de citações!
Cunha e Silva acha-se, em suma, sucessor por direito próprio, e candidato à sucessão por força dos seus incontáveis méritos. E nem sequer percebeu ainda (se calhar, porque Séneca não lho explicou nas citações a que acedeu) que não é mais do que um simples peão de um jogo de xadrez alheio (vá lá, concedo, dada a função que tem, até pode ser que seja bispo).
Apetece, pois, lembrar o que o dr. Cunha e Silva faz questão de esquecer.
O lugar de vice-presidente só foi criado e teve existência quando tal conveio ao dr. Jardim. Nunca se tratou de premiar ou escolher quem quer que fosse. Nem, como os factos demonstram, amarrou o dr. Jardim a qualquer sentimento de gratidão ou de dívida política.
Quando Miguel de Sousa foi vice-presidente, Jardim espreitava a possibilidade de dar um fôlego nacional à sua carreira. E agora, com Cunha e Silva, o que estava em cima da mesa era a possibilidade de Jardim vir a trocar o Funchal por Bruxelas, e o seu lugar de presidente do Governo regional pelo cargo de comissário europeu (assegura quem sabe que Durão Barroso e Morais Sarmento lho haviam prometido).
Ou seja, em ambos os casos, o lugar foi criado à medida das necessidades, da estratégia e dos interesses particulares de Jardim. E como um dia destes se há-de ver, à vice-presidência de Cunha acabará por suceder o mesmo que à vice-presidência de Sousa: isto é, lá veremos o fim da experiência; e lá assistiremos a mais um salto para a geração seguinte. Porque, para supremo azar, primeiro do presidente, e depois do actual vice, a porta europeia fechou-se para Jardim no momento em que Barroso foi desafiado a chefiar a Comissão Europeia. Tal como antes (ou seja, exactamente quando o PSD se entregou a Cavaco) se lhe havia fechado a janela que podia dar para uma carreira política nacional.
É claro que, já avisado, Cunha e Silva tentou imprimir uma marca porventura mais autónoma à sua vice-presidência. E o resultado aí está aos olhos de todos em forma de cartazes gigantescos que quase nos asseguram que há dois governos - um da Região, o de Jardim, e outro da vice-presidência, o de Cunha. Só que, com Jardim irremediavelmente confinado aos estreitos horizontes da ilha, nem o frenesi obreirista, de que tanto se orgulha o dr. Cunha, lhe há-de mudar o destino. Experimente perguntar a Séneca e logo verá. Mas vá directamente à fonte. Não se limite às impressões dos seus paus mandados. Nem se contente com a homeopatia dos livros de citações.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Por mais incrível que pareça a realidade é muitas vezes alterada de forma a coincidir com a visão do líder carismático, o que não é o caso do Cunha e Silva. Às vezes as profecias concretizam-se pela "força" do profeta que as repete, força que o Cunha Silva não tem.
Conclusão: a propaganda funciona no entanto é necessário uma forte empatia entre o emissor e o receptor. Cunha e Silva não goza dessa empatia junto da opinião pública e muito menos no interior do seu partido!
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