quarta-feira, 16 de abril de 2008

A mercearia e a concorrência

Pelas notícias de hoje, deu para perceber que a comunicação social vai ocupar a agenda do PS-Madeira nos próximos dias. Não admira: segundo a tese oficial socialista, a sua posição relativa no contexto eleitoral passa em grande medida pela forma como os media veiculam, ou não veiculam, a sua mensagem. Daí a forte pressão política exercida não há muitas semanas sobre a RTP-Madeira, a pretexto dos seus critérios editoriais. E daí também a nova ofensiva política, mediática, e, novidade das novidades, também judicial, ensaiada agora a propósito da situação atípica, e porventura ilegal, que caracteriza a actual fase do Jornal da Madeira.
Convenhamos que o PS tem razão ao colocar a questão do JM da forma que coloca. Na verdade, é a todos os títulos imoral que uma empresa detida e mantida pelo sector público se permita o desplante de entrar no mercado publicitário com práticas de dumping. Isso só acontece porque nesta terra não há um mínimo de respeito pela iniciativa privada. Pelo menos, no sector da comunicação social. Se houvesse, no preciso momento em que escolheu a opção de tornar-se gratuito, o JM cessaria de imediato as suas incursões no mercado publicitário. A menos que esse passo se inserisse num plano devidamente pensado e estruturado de tentativa de viabilização da empresa e da sua centena de postos de trabalho, que levasse a que, por exemplo, e à semelhança do que ocorre com a RTP, todas as receitas da publicidade servissem para ir amortizando o seu gigantesco passivo. Mas que passasse também pela definição de uma política editorial condizente com a sua condição de empresa pública. Como não é isso que acontece, o que se constata é que o JM não só não cumpre a função de serviço público a que estará obrigado, em função da sua condição de órgão integralmente detido pela Região, como desrespeita as regras da concorrência.
Nestas circunstâncias, o que parece evidente é que o único plano efectivamente existente, no que toca ao Jornal da Madeira, é, por um lado, continuar a utilizá-lo como veículo da propaganda do Governo e do partido do poder. E, por outro (é esta a única, refinada e perveresa novidade), como instrumento de pressão e chantagem sobre os jornais privados: se estes se "portarem bem", acabará um dia a publicidade no JM; mas como fazem questão de se "portar mal", terão santa paciência, mas vão ter de pagá-lo nas contas dos anúncios.
Decididamente, os críticos têm razão: o JM, de uma única penada, não só desvirtua as regras da equidade política, como arrasa as regras da concorrência comercial. E o pior é que, um dia, quem vai pagá-lo, injusta e imerecidamente, serão as mais de cem famílias que dele dependem em termos de subsistência. E tudo isso porquê? Apenas e só porque quem manda comete o miserável desrespeito de continuar a vê-los, não como as pessoas e profissionais que são, mas sim como meros instrumentos das suas pequeninas vontades e caprichos de ocasião.
E sobre a RTP, que dizer? Por agora, mas prometendo voltar ao tema em próxima oportunidade, digo apenas que, embora o compreenda, lamento profundamente que o tom das críticas e das respostas se tenha situado ao nível de uma contabilidade que só não é de mercearia, porque em vez de arroz e feijão, pretende medir tempos de antena. É que para lá dessa discussão centrada na espuma do confronto político, o que a RTP precisa é que se discuta que modelo de televisão pública pode e deve ter uma Região como a nossa, idependentemente de quem estiver no poder. Só que isso, pelos vistos, é pedir de mais.
Bernardino da Purificação

Um comentário:

amsf disse...

Eu pessoalmente penso que a oposição nestes anos todos não soube obviar a censura que certa comunicação social tem feito. Censura que não pode ser detectada pela simples avaliação quantitativa das coberturas jornalísticas.
Esperemos que esta denúncia anti concorrência desleal obtenha melhores resultados uma vez que objectivamente tem um carácter económico que naturalmente se for condenada terá as devidas consequências políticas!