A hipótese, admito, é arrojada. Se calhar, quase louca e a roçar o disparate. Mas, garanto-vos: tendo em conta alguns dos indícios fornecidos pelos factos das últimas semanas ou dias, ela pode ser racionalmente sustentada sem um esforço argumentativo por aí além.
Vejamos. Tem subido de tom nos últimos tempos a reflexão e discussão que alguns sectores da intelectualidade política lusa vêm fazendo sobre a eventual inexorabilidade de uma recomposição do sistema partidário nacional.
Sintetizando, é mais ou menos esta a tese que, tendo saído já do espaço diletante das tertúlias, vem sendo crescentemente amplificada:
a) os estudos de opinião revelam que o PS canibalizou o centro sociológico do país ao PSD;
b) os mesmo estudos revelam também que um aparente crescimento do BE e do PCP (a par das exigências das circunstâncias da economia global) forçarão cada vez mais o PS a tornar-se um partido pragmático e de geometria ideológica variável, mais centrista que socialista, mais do centro do que da esquerda; muito mais, em suma, social-democrata, nos termos em que ela é hoje entendida e teorizada;
c) nessas circunstâncias, e porque está no poder, tem melhores condições para ocupar e instalar-se no espaço político e sociológico que o PSD tradicionalmente reclama e ocasionalmente ocupa quando tem a responsabilidade da governação;
d) a conjugação destes dados poderá conduzir a uma cisão no PSD - de um lado ficaria a franja do partido mais ideologicamente contígua com o PS; do outro ficaria o PSD profundo, basista, popular e liberal, que se encarregaria de atrair para o seu seio a direita democrata-cristã que actualmente vive acantonada no PP.
A tese, embora discutível, é mais ou menos esta nas suas premissas fundamentais. E vem sendo de tal modo apelativa e intelectualmente estimulante que ainda não há muitos dias alguém com a notoriedade de José Miguel Júdice dava dela pública nota. É claro que alguns dos principais teóricos do PSD saltaram de imediato a terreiro tentando impedir que a ideia germinasse. Mas como geralmente acontece em períodos de crise, as ideias, por mais exóticas que possam parecer, acabam sempre por fazer algum caminho. E aqui retomo a hipótese de que falava no início deste texto: e se o dr. Jardim não estiver a fazer mais do que marcar uma posição na perspectiva de um eventual divórcio litigioso entre o eleitorado tradicional do PSD e os tais "barões e baronetes" que o líder madeirense tanto tem verberado?
Repare-se. Não é verdade que Alberto João Jardim tem vindo a subir o tom da expressão do seu distanciamento político relativamente aos candidatos (sobretudo Manuela Ferreira Leite) do sistema? Não é igualmente verdade que o dr. Jardim vem apelando a uma rebelião das bases contra os "notáveis" do partido? E não é verdade também que o líder insular já declarou com todas as letras que este não é o partido em que se revê? Claro que tudo isto é verdade. E quem o assegura são os factos. Deste modo, não creio que seja assim tão grande o salto lógico que nos leve a equacionar a estratégia de Jardim à luz da teoria atrás referida de recomposição do sistema partidário do país.
Seja: até ver, esta hipótese não passa de uma mera construção da razão. Mas quem disse que são sempre os acontecimentos, mais a força imanente que às vezes os impulsiona, quem determina a abertura dos caminhos do futuro?
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Olha a vaga de fundo em http://www.albertojoaoapresidentedopsd.pt.vu/.
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