terça-feira, 29 de abril de 2008

Crise de representação

Um dia, estou firmemente convencido disso, há-de ser equacionado o problema da representação política na Madeira. Será mais tarde, será mais cedo, mas o tempo dessa discussão acabará por chegar e impor-se com a força das coisas urgentes.
Note-se. Não ponho em causa a democraticidade formal da escolha dos nossos eleitos. O que quer dizer que não lhes contesto nem a legitimidade jurídica nem a legitimidade política. Faço também questão de sublinhar que não pretendo alinhar no perigoso estribilho anti-classe política. Por uma razão simples: a demagogia não é de todo o meu terreno de eleição. Não obstante, considero quase impossível passar ao lado da gritante e progressiva diminuição da qualidade relativa do grupo de pessoas que nos representa. Do mesmo modo que entendo que começa a ser tempo de começar a entender-se a função política como uma responsabilidade e não como um agradável privilégio.
No que diz respeito à qualidade (política, entenda-se, não pessoal), o que se sabe é que a maioria dos nossos representantes não tem sequer existência política real: poderão ser, conceda-se, alguma coisa na vida interna dos partidos a que pertencem; não são, porém, rigorosamente nada fora deles. E a escassa minoria que o eleitorado conhece (descontando a meia dúzia de honrosas excepções) supera à tangente o teste da mediocridade.
Ou seja, andam para aí umas quarenta ou cinquenta almas a decidir e a falar em nome do povo, mas o povo não as conhece de lado nenhum. No entanto, ninguém parece incomodar-se grandemente com o assunto: nem os eleitores, que vão votando por inércia nas quatro ou cinco caras que conhecem; nem os directórios partidários, que têm mais que fazer (como cuidar das respectivas carreiras, por exemplo) do que preocupar-se com minudências semelhantes.
Dirão alguns, assim como quem acha que a justificação resolve, que o problema é uma expressão da tão falada crise da democracia representativa. E dirão outros, num tom algures entre a resignação e o cinismo, que esse é, no fim de contas, o preço que devemos alegremente pagar pela democracia que temos. E o facto de uns quarenta ou cinquenta desconhecidos se ocuparem dela, em nosso nome e para nosso refastelado descanso, deve ser tido à conta de um bónus adicional do nosso sistema de governo. Pode até ser. O problema é que isso não resolve o défice de participação cívica que se vê a olho nu nesta comunidade insular a que pertencemos.
Devo admitir que, se a sociedade dita civil conseguisse respirar na Madeira para além dos partidos, o problema não teria porventura a acuidade que tem. A maçada é que não consegue: entre nós, com efeito, tudo começa nos partidos, acaba nos partidos, esgota-se nos partidos. E o resultado é o que se vê: vota-se num Martins e sai-nos um Almada; elege-se um Aguiar e levamos com um Coelho; e um dia, não tarda nada, depois de escolhermos um Jardim, lá teremos de gramar aquele senhor sem figura nem rosto que, não há muito tempo, o congresso do PSD aplaudiu delirantemente de pé. Um embuste, em suma. Porém, democrático.
É evidente que não há democracia sem partidos. Mas era importante que se começasse a tentar perceber por que razão há cada vez mais eleitores à margem da política e alheados do voto. Do mesmo modo que considero fundamental que o nosso sistema de partidos se ajuste às nossas circunstâncias sociais e políticas, por forma a reduzir-se ao mínimo possível a sub-representação ou mesmo a ausência de representação. Até porque a democracia, para além da legitimidade jurídica dos eleitos, exige ainda uma outra legitimidade: a do exercício. Ora essa mede-se pela maior ou menor adesão que as políticas e as ideias em cada momento conseguem. E a mim o que francamente me preocupa é o deserto de políticas e de ideias donde vão brotando os tais quarenta ou cinquenta simpáticos/as senhores/as que, em nosso nome, vão governando a vida. A deles e a nossa.

Bernardino da Purificação

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