quarta-feira, 30 de abril de 2008

O monopólio da representação

Um primeiro esclarecimento: não defendo, longe disso, que a Assembleia Legislativa da Madeira se transforme numa espécie de assembleia municipal de âmbito e objectivos mais alargados. Porém, ninguém me tira da cabeça que a nossa assembleia só poderá voltar a ser a sede da vontade política dos madeirenses quando for legalmente possível que grupos de cidadãos a ela concorram, ou quando for constitucionalmente permitida a criação de partidos políticos regionais
Repare-se. Neste momento, e por força da autonomia que a revolução democrática de Abril viabilizou, o povo da Madeira tem duas sedes de representação política: a Assembleia da República e a Assembleia Regional. Só que a escolha dos deputados a uma e outra câmara é mediada pelos mesmíssimos partidos, independentemente da natureza e vocação distintas de cada um desses órgãos. Ou seja, em ambos os casos, estamos condenados a escolher os deputados que os directórios dos partidos do sistema nos impõem. A limitação, não custa vê-lo, é óptima para eles, uma vez que lhes permite esse notável desígnio que consiste em controlar e filtrar a expressão da nossa vontade. Porém, não custa igualmente admiti-lo, é péssima para nós, por poder conduzir, no limite, a um défice de representação.
Um exemplo: alguém se sente efectivamente representado pela profª Julia Caré ou pelo dr. Maximiano Martins? Alguém sabe (para lá obviamente do que é feito constar pela propaganda oficial) o que andam por lá a fazer os drs. Guilherme Silva e Hugo Velosa? Sinceramente, não creio. Do mesmo modo que não acredito que esse seja um defeito meu ou dos restantes eleitores.
Os filósofos do fundamentalismo jurídico-formal sorrirão certamente, com a condescendência que só podem ter os sábios, perante a indigência aparente do argumentário. E explicarão, lá bem do alto das suas cátedras, que as razões legais e constitucionais são muito mais complexas do que se imagina, devendo portanto ser deixadas nas suas iniciáticas mãos.
Devo confessar a minha pasmada admiração pelos sábios. E não resisto à tentação de partilhar convosco a sedução que me causam as ciências ocultas. Só que, cá de baixo, a minha indigência cultural, com a boa companhia do senso comum, passa os dias a afligir-me com a ideia de que os sistemas políticos têm como finalidade organizar as sociedades e servir os cidadãos. E leva a impertinência ao ponto de insinuar que era bom que esses sistemas não fossem vistos apenas como produtos mais ou menos esotéricos do deleite intelectual ou especulativo de uns quantos bem intencionados académicos.
Isto é, o que me dizem as minhas óbvias lacunas culturais é que os sistemas políticos têm de ser compreendidos e aceites pelos cidadãos cuja vida regulam, sob pena de se descolarem da realidade. E garantem-me também que, enquanto assim não for, não cessará de aprofundar-se o inconveniente divórcio entre eleitos e eleitores.
De maneira que volto ao tema: não era mais útil que a Constituição da República permitisse, pelo menos, a criação de partidos regionais? Por que razão se persiste na teimosia de obrigar os eleitores da Madeira autónoma a continuarem a ver os seus problemas regionais tratados por partidos de expressão e vocação nacional? Ou será que alguém pensa que, por mais autonomia que tenham as direcções regionais dos partidos do sistema, não são estas muitas vezes obrigadas ou a um jogo de cintura ou a um processo negocial com a sensibilidade das direcções nacionais, em nome de conveniências que pouco ou nada têm que ver com os interesses dos eleitores?
É claro que sei que o problema não tem que ver apenas com o maior ou menor esoterismo científico com que se desenham os sistemas de mediação. O problema é outro: é político. Quando os sistemas se sedimentam e cristalizam, ninguém quer perder o monopólio da representação. E essa é que é a verdadeira questão.
Bernardino da Purificação
Post scriptum
Afinal, a proposta explicativa do penúltimo artigo não é tão excêntrica quanto isso. O dr. Jardim himself admite já uma recomposição do espectro político nacional, e quer ter as suas tropas em estado de prontidão para essa eventualidade. Não espanta: a ameaça secessionista sempre fez parte do seu arsenal político.

Um comentário:

amsf disse...

Suponho que a proibição de partidos especificamente regionais tem por objectivo evitar qualquer tendência sessionista...