Quem, como eu, seja um consumidor compulsivo de jornais, não pode ficar indiferente ao número cada vez mais elevado de casos de assaltos à mão armada que a imprensa regional tem vindo ultimamente a registar entre nós. Todos os dias, ou perto disso, somos supreendidos, de uma forma que já vai começando a banalizar-se, com preocupantes notícias de encapuzados e de roubos mais ou menos violentos.
Acredito que as autoridades de investigação estejam a fazer tudo que podem para combater uma praga que perturba a vida de cada vez mais pessoas, e belisca a imagem de tranquilidade que, apesar de tudo, ainda vai sendo associada à Madeira. Do que duvido é que as restantes autoridades estejam a fazer tudo o que lhes compete na urgente tarefa de atacar as causas de um fenómeno que merece ser encarado com seriedade.
Entendamo-nos. Eu sei que as abordagens ao fenómeno da criminalidade e da violência estão balizadas por dois pontos de partida teóricos de sinal contrário: um que entende que a violência, independentemente da forma que assuma e das causas que possa ter, só se resolve por via da repressão radical das suas manifestações; e um outro que, por olhar para a violência como um sub-produto de determinadas circunstâncias económicas e sociais, entende que a única forma eficaz de combatê-la é actuando a montante dos factos que a tornam visível.
No seu desenvolvimento, e se analisados ao arrepio da visão sistémica que a análise social exige, estes dois pontos de partida conduzem a outros tantos equívocos: ou à desresponsabilização de quem organiza a sociedade e dita as regras da economia; ou à quase desresponsabilização de quem pratica a violência, apesar da autonomia da vontade de que todos somos portadores.
Se repararmos, o discurso político está infelizmente demasiado contaminado por estas duas formas radicalmente distintas de ver o problema. É por isso que a direita opta por desenvolver uma retórica de matriz securitária. Mas é por isso também que, de uma forma mais ou menos contemplativa, a esquerda se limita a incluir a criminalidade no lote das múltiplas expressões das denominadas "contradições sociais" do capitalismo.
O mais grave, porém, é a costumeira atitude do poder político perante estas duas posições antagónicas. No meio do barulho que elas provocam, os governos ensaiam quase sempre fugas em frente. E mentem, na maior parte das vezes. Ou minimizando a importância dos problemas, para evitarem, conforme dizem, o alarme público. Ou refugiando-se em estatísticas mistificadoras da realidade.
Alguém, certamente céptico, disse um dia que há três maneiras de mentir. Uma é falsear a verdade. Outra é omiti-la. E a terceira é fazer estatísticas. Ora, o que todos nós esperamos é que, em cada momento, e independentemente do ruído político que possam fazer as esquerdas ou as direitas, o governo faça o que lhe compete, e não se fique no engano a que conduzem estes três caminhos falseadores da realidade. É preciso, pois, que dispense às polícias os meios humanos, materiais e legais suficientes para a repressão dos fenómenos de violência. Mas é preciso também que não esqueça as responsabilidades que tem ao nível da regulação da nossa vida social, bem como da informação que não pode deixar de ser dispensada aos cidadãos.
Ignoro, porque isso nunca nos foi dito por quem de direito, se há qualquer estudo sério sobre a expressão e natureza das causas da criminalidade que parece aumentar na Região. Mas sei que anda muita gente por aí excluída do desenvolvimento que se vê e apregoa; sei também que a política de alojamento e ordenamento urbano tem muito que se lhe diga (veja-se o que ocorre em determinados bairros periféricos); e sei igualmente que tem havido nos últimos anos um aumento da heterogeneidade do nosso tecido social, para me ficar por um eufemismo politicamente correcto. Creio, assim, que nenhum governo responsável pode fechar os olhos a esta realidade. Sob pena de poder deixar o problema nas mãos dos delinquentes e da gritaria dos radicais, sem cuidar de saber que entre uns e outros há cidadãos que não só têm direito à segurança, como necessitam de ter dela uma percepção satisfatória.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
À medida que a crise global que se vai desenhando nos for atingindo é natural que o problema também se vá agudizando. A política habitacional que vem sendo implantada na Madeira tem a vantagem de concentrar, "esconder" os problemas sociais mais gritantes no entanto hipoteca a resolução desses mesmos problemas. Esta concentração de famílias problemáticas num mesmo espaço impede-as de recuperar a dignidade por si mesmas pois não lhes dá "modelos" que lhes dêem esperança de conseguirem ultrapassar a situação presente. Se no curto prazo, os bairros sociais, são uma reserva de votos para o partido do poder e uma reserva de mão de obra para a economia regional assim que ela tenha necessidade de mais recursos humanos sem qualquer formação específica, por outro lado são uma bomba relógio que paulatinamente vai explodindo através da baixa criminalidade mas que numa situação extrema poderá vir a explodir de forma imprevisível!
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