Apetece-me voltar ao tema que animou a malta nas últimas duas semanas. É capaz de saber a prato requentado, eu sei bem. Mas, como me palpita que a coisa vai dar ainda muito que falar, o melhor é ir mantendo o lume aceso, ainda que brando.
Apesar das muitas explicações ensaiadas, a verdade é que subsistem ainda muitas dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram o presidente da Assembleia da República a vir à Madeira prestar vassalagem ao presidente do Governo regional. Note-se: neste momento interessa-me pouco discutir a justeza ou o disparate dos elogios de Gama a Jardim. Até porque, como se sabe, os pilares do discurso político têm, infelizmente, muito mais que ver com critérios de oportunidade e de interesse do que com vagos conceitos de justiça ou de verdade. O que me interessa, portanto, muito mais do que as palavras de Jaime Gama, é o imenso dark side que se esconde atrás delas. Ou não fosse o seu autor conhecido pela racionalidade quase à prova de bala com que gosta de envolver todos os seus gestos e intervenções públicas.
O que motivou, então, o socialista presidente da Assembleia da República? Tormentos de consciência por ter um dia comparado Jardim a um imperador sanguinário? Pouco verosímil: o homem é pouco dado a estados de alma. Tentar abrir caminho a uma espécie de détente entre Sócrates e Jardim? Pouco provável: para essa tarefa, se porventura a pretendesse, o primeiro-ministro arranjaria alguém com menos peso institucional. Acautelar a possibilidade de uma futura coligação parlamentar no caso de o PS falhar a maioria absoluta? Impossível: a ala esquerda socialista fritaria quem se atrevesse a imaginar um queijo ainda mais limiano que o de António Guterres. Então, o que é que verdadeiramente se passou?
Imaginemos que Jardim quer mesmo sair mas não tem para onde ir (politicamente falando, entenda-se). Tomemos como certo que ao PS também dá jeito que Jardim saia. Olhando assim as coisas, o que é daqui resulta? Simples: nem mais, nem menos, do que a constatação de que os interesses jardinistas e socialistas desta vez se confundem. Mas pode isso explicar os elogios de Jaime Gama? Pode. Sobretudo, se o lugar que Jardim pretenda, ou que se pretenda para Jardim, precisar de uma prévia operação de limpeza de imagem. E aqui era fundamental que fosse alguém como Gama, sobretudo por ter dito o que disse, a lidar com o passado. Maquiavel sabia o que dizia quando teorizou sobre os fins e os meios. A explicação é diletante e ingénua? Até pode ser. Mas cá no Terreiro da Luta tem-se visto cada uma...!
Bernardino da Purificação
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