Diz quem viu que, no domingo em que se encerrou o congresso do PSD, Miguel de Sousa e João Cunha e Silva andaram, quase de braço dado, a passear no Madeira Shoping. Ao que parece, a cena terá sido verdadeiramente enternecedora: dois responsáveis políticos que se detestam exibindo uma cumplicidade carregada de significado. Bonito. Nada melhor do que o alarme de um estado de necessidade para aproximar companheiros desavindos.
Quem viu diz também que o passeio teve todos os ingredientes das verdadeiras encenações. O que não me espanta: em primeiro lugar, a plateia era mais que muita, o que dá sempre imenso jeito a quem quer fazer passar uma determinada mensagem; depois, toda a gente sabe que nem Cunha e Silva nem Miguel de Sousa brincam em serviço quando em causa pode estar o futuro. Ora, como no caso de ambos o futuro (o político, entenda-se) começou a acelarar-se no passado congresso, nada melhor do que fazer passar a ideia de que os rancores do passado estão definitivamente enterrados. Mesmo que isso possa ser uma rematada mentira.
Quando me contaram o enlevo com que andou a exibir-se semelhante par, confesso que não fiquei propriamente surpreendido: eu sei que eles sabem que, nas actuais circunstâncias, uma aliança é-lhes muito mais útil, ainda que de difícil digestão, do que uma guerrinha inconsequente e estéril; e sei também que eles sabem que, sobretudo em circunstâncias como as actuais, é-lhes politicamente mais proveitoso engolir uma dose, por mais indigesta que seja, de pragmatismo.
Que circunstâncias são essas? As que se conhecem: Albuquerque, apesar da reconhecida antipatia jardinista, não está disposto a entregar os pontos (veja-se, aliás, a entrevista que deu ao Expresso do passado sábado), e conta com os apoios de Jaime Ramos e Miguel Mendonça; Manuel António é, conforme Jardim disse pela boca de Marcelo, o preferido do momento; e Guilherme Silva continua, desinteressadamente, a aceitar imolar-se como solução transitória. Ora, neste quadro, e porque marcar homem-a-homem três ou quatro adversários directos é tarefa praticamente impossível, Cunha e Silva e Miguel de Sousa terão, provavelmente, resolvido colocar um parêntesis na quezília pessoal que os desunia, e contrapôr a outras alianças a sua própria coligação. Reflectindo um pouco, se calhar terá sido por isso que Miguel de Sousa adoptou neste congresso um perfil propositadamente baixo que de todo não lhe encaixa.
Neste quadro, e partindo do princípio que ele é real (alguém um dia disse que só o real é racional, e só o racional é real), o que importa é perceber os termos do negócio entre ambos celebrado. Eu sei que é atrevimento conjecturar sobre ideias, intenções ou pensamentos alheios. Mas não me admirava nada que as condições do acordo pudessem passar pela seguinte partilha: o governo para Cunha e Silva, e a Assembleia para Miguel de Sousa. Com a vantagem de assim poderem garantir a Jardim a mais pacífica das sucessões possíves.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Suponho que a passeata foi uma encenação para passar a passagem de que o partido está sereno.
O Miguel de Sousa não foi tão discreto quanto isso pois afirmou que terá sido o melhor aluno de AJJ. Triste o professor cujo seu melhor aluno foi o Miguel de Sousa!
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