Se alguém se atrevesse a escrever ou dizer que o dr. Jardim pertencia a um "bando de loucos", o mais certo é que apanhasse com um processo judicial. Por muito menos do que isso já muita gente se sentou no banco dos réus. E por bastante menos do que isso já muita gente foi condenada.
Em tempos idos, como se sabe, o bom nome resgatava-se com um par de tabefes. Agora é diferente. Porque mais sofisticados, engendrámos várias instâncias de mediação de conflitos. E porque mais civilizados, é na Justiça que reparamos as injúrias. Nada a dizer: a acção directa não é coisa que se recomende, ainda que por vezes a gravidade ou a frequência de certas afrontas possam ser um teste difícil até à paciência de um santo.
Consumado o intróito, convém esclarecer o seguinte: interessa-me pouco continuar a chover no molhado. O que me traz hoje aqui não é o problema das relações de Jardim com o parlamento e com a oposição parlamentar. Nem muito menos o dos excessos verbais verificáveis no confronto político regional. O problema é outro: é o de saber se todos os cidadãos são iguais perante a lei, ou se, ao contrário, há cidadãos mais iguais do que outros por imperativo da própria lei.
No fundo, a questão é esta: se eu chamasse louco ao dr. Jardim, levaria com um processo, seria julgado, e com toda a probabilidade condenado. Em processo crime. E em instância cível. E o mais certo é que me servisse de emenda. Mas se fosse o dr. Jardim a chamar-me louco a mim? Que poderia eu fazer perante o agravo? De acordo com a lei, teria a possibilidade de intentar uma queixa-crime, bem como o direito de, em processo cível, tentar ir ao bolso do meu ofensor. O problema é que todos sabemos que não é assim que se passam as coisas. Por ser um simples cidadão, eu teria de responder perante duas jurisdições: uma crime e outra cível. O dr. Jardim, por ser político e ter imunidade, só teria de responder, em tempo útil, perante uma: a cível. Mesmo que o demandasse em processo-crime, sua excelência só iria responder lá para as calendas, quando deixasse de ocupar funções políticas, ou seja, quando já tivesse deixado de fazer qualquer sentido julgar a razão da minha queixa.
Em suma, por ser um simples cidadão, eu sairia do tribunal como delinquente e com uma obrigação indemnizatória às costas. Ao passo que o dr. Jardim, por ter sido eleito deputado, por ser presidente do Governo, e por pertencer, por via disso, ao Conselho de Estado, seria apenas civilmente responsabilizado. Mesmo tendo ambos cometido a mesma falta.
Sem pretender alinhar pelo discurso fácil anti-políticos, parece-me que é cada vez mais urgente debater a questão das imunidades. Não com o objectivo de eliminá-las. Mas sim com o propósito de delimitar o seu âmbito bem como as condições do seu exercício.
É claro que, no quadro de uma democracia representativa, os eleitos devem poder exercer a sua função com o mínimo possível de constrangimentos. Mas daí até poderem ofender tudo e todos mais ou menos impunemente vai a distância que separa o razoável do indefensável. E o mesmo se diga da possibilidade que têm de distribuir processos a torto e a direito, sem que o mesmo lhes possa acontecer, em virtude da forma demasiado lata com que a imunidade política se aplica e exerce.
Dada a exiguidade e natureza deste espaço, o tema não pode aqui ser abordado com a exaustão que merece. Ainda assim, atrevo-me a avançar com a seguinte proposta: haja a justiça, o discernimento e a decência de alterar a lei por forma a que os políticos tenham obrigatoriamente de suspender a sua imunidade quando entendem maçar alguém com processos-crime. Uma vez que a suspensão só produziria efeitos para aquele processo em concreto, nunca constituiria qualquer limitação à actividade política. E teria pelo menos dois méritos: quem fosse visado ficaria em pé de igualdade, podendo responder à medida e da mesmíssima forma; por outro lado, nenhum político ousaria sequer pensar, como frequentemente acontece, que tem o perverso direito de utilizar a Justiça como instrumento de perseguição pessoal ou política. Acreditem que esta situação ocorre muito mais vezes do que se imagina. Em prejuízo da qualidade da nossa democracia. E em claro (e cobarde) atentado aos direitos das vítimas.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Esqueceu de mencionar que qualquer processo levantado por si teria que ser feito às suas custas enquanto o sr. AJJ veria as suas custas serem pagas com o dinheiro do erário público...o sr. Guilherme Silva agradece.
Entretanto vejo que temos aqui alguém formado em direito!
O apelidar os deputados da ALRM de loucos não se enquadra no chamado "crime público"? Suspeito que não pois o Ministério úblico teria aqui um problema!
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