De repente, uma pequena notícia suspendeu-me o cepticismo. Passo a explicar. Soube há instantes que o dr. Jardim foi condenado a pagar uma indemnização à dirigente socialista Edite Estrela. Vinte mil euros. A decisão foi tomada pelo tribunal Judicial do Funchal, que não achou bem que o presidente do governo tivesse tratado uma sua adversária política ao arrepio das regras de urbanidade a que todos os cidadãos estão obrigados. Vinte mil euros é pouco? É verdade que sim. É quase nada. Mas é, porém, o suficiente para explicar ao dr. Jardim que há limites que não podem ser ultrapassados.
É claro que o cavalheiro em questão não há-de ter aprendido nada com a lição. Não por que seja um malcriado compulsivo. Nem, muito menos, por lhe ter eventualmente faltado em pequeno a dose recomendada de chá. Pensando bem, o problema do dr. Jardim é de natureza diversa. Tem que ver com a percepção que tem dos resultados da dialéctica política que escolheu. E está directamente relacionado com a prudente distância a que preferem situar-se os alvos potenciais da língua de sua excelência.
Permitam-me que explique. O dr. Jardim é como uma criança a quem nunca foram ensinados limites. Sempre que berra, obtém o que quer. E como os seus berros têm sempre recompensa, não encontra razão para mudar de conduta. Trata-se, no fundo, de um problema decorrente da relação existente entre o estímulo e a resposta, nos termos dos mais elementares processos de aprendizagem.
Directamente relacionado com este, há um segundo aspecto. Depois de largos anos a berrar, o dr. Jardim deu-se conta de que a generalidade das pessoas de bem receiam a sua língua. Não pela substância do que possa dizer. Mas sim pela grosseria useira e vezeira de que é portadora. Compreenda-se. Nem toda a gente tem pachorra para descer ao nível das presidenciais peixeiradas com que sua excelência já nem consegue surpreender ninguém. De modos que o cavalheiro em questão acabou por perceber que a sua já crónica e relapsa boçalidade, para além de materialmente compensadora, funcionava com sucesso como estratégia de intimidação. Afastando da política algumas pessoas qualificadas que eventualmente lhe pudessem fazer frente. E inibindo os seus adversários directos de firmemente se lhe oporem com pública veemência.
Ou seja, o dr. Jardim aprendeu em trinta anos de vida política como tornar toda a gente refém do seu destempero. E só há-de um dia mudar se porventura o que aprendeu acabar por tornar-se ineficaz. Espero por isso que esse dia esteja a chegar. E quero acreditar que a sentença de que hoje tive conhecimento pode constituir a demonstração de que há um meio de suster as diatribes do dr. Jardim. Esse meio tem nome. Chama-se Justiça. E, pelo menos na aparência, conseguiu desta vez proteger uma vítima. O problema é se tal desfecho só ocorre quando vítima e agressor se movimentam num patamar de idêntico poder. Mas como isso é coisa que só adiante se verá, tenho o prazer de declarar que me considero a partir de hoje um pouco menos céptico. Em relação à Justiça, claro está.
Bernardino da Purificação