sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As adições subtractivas

Sei que vou com alguns dias de atraso. Mas, que querem? A espessura do Verão retarda-nos por vezes a observação e a disponibilidade. E o pesado capacete que a geografia e o tempo nos põem em cima convida muito mais à inacção do que a qualquer frenesim bloguístico-político. Porém, mesmo retardatário, acho que ainda vou a tempo de alinhavar três ou quatro frases a propósito de um facto da política madeirense muito menos inocente ou inócuo do que à primeira vista se poderia supor.
Quero falar então da presença, certamente querida, ternurenta e simpática, do deputado do PND na Festa da Liberdade do PS. Não para sublinhar o exotismo político da coisa. Mas para enfatizar o significado profundo de uma aliança objectiva que o PS de João Carlos Gouveia já nem é sequer capaz de disfarçar.
Desde o princípio que se sabe que o PS-Madeira vive uma espécie de esquizofrenia política. Para mal dos seus pecados, o partido continua a ser adiado e estrategicamente condicionado pelo chamado grupo do Éden, o qual actua por fora e mais ou menos na clandestinidade. Mas como entretanto é necessário dar pública nota de que existe enquanto partido, faz emergir periodicamente do vazio em que há muito caiu um porta-voz devidamente acolitado cuja degola todos esperam tranquilamente que um dia aconteça.
E isto é assim há anos. Há um PS oficial que faz barulho, oposição e leva pancada. E há um PS elitista, avesso às brigas públicas e dado aos negócios privados, que vive politicamente na repimpa da boa vida, que não se opõe a coisa nenhuma e que só dá a cara nos happenings e nas entrevistas televisivas que por acaso derem jeito.
A coisa é de tal ordem que até a nossa têvê já reparou na dupla face socialista. A uma, à primeira, vai sendo concedido um tratamento consentâneo com a sua existência oficiosa. À outra, e ao contrário, vai-lhe sendo ocasionalmente dada uma presença luzidia nos telejornais sempre que é necessário equilibrar as contas dos tempos de antena.
É claro que o PS oficial exibe volta e meia o seu desconforto. O deputado Carlos Pereira atira-se à têvê que temos. O líder parlamentar socialista esbraceja contra a esperteza saloia da nossa televisão pública. João Carlos Gouveia, esse, vai-se consumindo em arengas que ninguém entende sobre o chamado sistema. Ao mesmo tempo que o PS do Éden se vai rindo da cena na companhia circunstancialmente amiga do companheiro Leonel (o de Freitas, entenda-se).
Onde é que entra nisto o PND? É simples. Percebeu que a direcção de Carlos Gouveia é-lhe politicamente útil, apesar de nem sequer conseguir mandar no seu quintal. Entendeu que o PS oficial só se consegue fazer ouvir quando fala forte e grosso. E tem clarinho como a água que pode vir a receber de herança todos os que virarem as costas ao PS quando João Carlos Gouveia acabar por estatelar-se. O pior é se acabarem todos por descobrir que em política há somas que às vezes subtraem.
Bernardino da Purificação

2 comentários:

amsf disse...

Percebo o que afirma em relação à élite socialista (Trindades, Caldeiras, etc) e a RTP/M, no entanto creio que as estatísticas televisivas não incluem esses comentários nos tempos do PS/M. Subjectivamente percebe-se que essas presenças na nossa televisão dêem um ar mais democrático à coisa apesar desses srs não representarem efectivamente o PS/M.

Quanto ao PND...este partido pode efectivamente "tirar" votos ao PS/M se efectivamente acontecer uma ruptura pública e grave entre os dois partidos mas também pode captar algum eleitorado que habitualmente se abstém de votar e assim reforçar o número de deputados da oposição!

Acredito que o PSD/M tudo tente fazer para provocar essa ruptura de forma pública e assim retirar um deputado ao PS/M sem que o PND consiga outro!

Anônimo disse...

Este amsf é um génio...

Parabéns, Bernardino: além de escreveres sem erros, tens razão, como quase todos vêm.