quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A Constituição e a guerrilha

Como autonomista que me prezo de ser, li com a atenção possível o receituário prescrito pelo dr. Jardim no ultimo número do seu boletim partidário. Concordo com a generalidade das objecções que faz ao sistema que a actual Constituição cristaliza. E estou cem por cento de acordo com alguns dos caminhos alternativos que aponta. A razão é simples: tudo o que escreve o dr. Jardim tem como ponto de partida a rejeição desse anacronismo político que a Constituição designa por estado unitário.
Queira ou não queira o estado central, a verdade é que a construção e consolidação do projecto europeu reclama um aggiornamento dos processos de participação dos cidadãos desta casa comum que é a Europa. O que conduz inevitavelmente à consideração de que as regiões europeias têm um papel que já não se compadece com fórmulas políticas que tenham no seu centro exclusivo os estados centrais.
O que se passa, de facto, é que a denominada Europa dos Estados já não é mais do que um referencial político do passado. Se quisermos construir e sedimentar uma efectiva cidadania europeia, teremos de mudar o actual paradigma para um outro que afirme e execute, sem margem para tibiezas ou meias-tintas, o princípio da subsidiariedade e uma Europa de Regiões. Até lá, andaremos a navegar num mar de impasses, de equívocos, de anacronismos.
É verdade que a crise planetária actual é capaz de ter vindo em má altura para este desígnio de promoção e reforço do estatuto das comunidades regionais e das suas instituições políticas. Em alturas destas, as forças centrípetas e centralizadoras costumam acentuar-se no interior de cada estado. Não admira. Dada a sua condição de único e exclusivo detentor dos meios, só ele pode funcionar como chapéu de chuva protector das desgraças que nos possam vir a cair em cima. Mas isso não quer dizer que se deva adiar ou deixar cair o debate em torno da questão regional. Pelo contrário. Entendo que nestas alturas ele deve acentuar-se. Para memória futura. E para manter vivos objectivos de longo prazo que nem as crises devem fazer esquecer.
Dito isto, não posso passar ao lado de algumas considerações de carácter político. O dr. Jardim prometeu relançar este debate antes ainda da eclosão da crise. A sua preocupação não foi a de procurar combater as supracitadas forças centrípetas. Foi, isso sim, a de procurar deslocar o debate político regional para uma área que pouco ou nada tem que ver com os resultados concretos da sua governação.
Explico. Não é a Constituição a culpada da ausência de resultados visíveis no combate à pobreza. É a ausência de políticas sociais devidamente sustentadas e orientadas. Não é o centralismo que resta no texto constitucional que deve responder pelas dificuldades do nosso tecido empresarial. As contas devem ser pedidas às opções políticas do governo regional que sempre se traduziram pelo açambarcamento do crédito bancário disponível por parte do sector público. Não é na escassa afectação de verbas do PIDDAC para a Região Autónoma que reside a culpa de termos o custo de vida dos mais caros (se não mesmo o mais caro) do país. É na política de transportes, entre várias outras reguladoras da nossa vida económica, que deveremos tentar encontrar a culpa de nem sequer conseguirmos materializar de forma consistente a discriminação positiva que sempre merecemos por parte da União Europeia. Do mesmo modo, não é apenas ao aperto financeiro que nos restringe a capacidade de endividamento que devemos assacar a escassez de recursos para o investimento. É ao esbanjamento ciclópico que está à vista de todos que devemos pedir responsabilidades. Não é, em suma, por causa da Constituição que temos tanto insucesso escolar. Do mesmo modo que não é por causa do texto fundamental que a qualidade da nossa democracia deixa tanto a desejar; que a capacidade negocial entre o Funchal e Lisboa bateu completamente no fundo; que o amiguismo tem os seus arraiais escandalosamente assentados na nossa vida económica e social; que temos fama de ricos mas não passamos de uns tesos.
O dr. Jardim, não obstante tudo isto, prefere discutir a Constituição. É lá com ele. É pena é que não perceba que não pode pedir um dia mais competências para uma Assembleia Legislativa que sistematicamente desacredita nos dias restantes. Assim como é lamentável que não tenha ainda percebido que a revisão das constituições não se faz à pedrada mas sim em consenso.
Ou seja, o que é verdadeiramente lastimável é que o dr. Jardim não tenha ainda percebido que o aprofundamento da Autonomia não deve ficar refém dos seus caprichos ou da sua estratégia de confronto. A dialéctica política é apanágio da vida democrática. A tensão política é-lhe também inerente. A guerrilha política nada tem que ver com ela. Ora, é aqui que reside o nosso principal problema: o guerrilheiro Jardim continua a subjugar o político Jardim. E assim a governação vai andando a monte.
Bernardino da Purificação

sábado, 25 de outubro de 2008

A metáfora da Madeira Contemporânea

Um escaravelho! Uma praga de escaravelhos!
A verdade é que, de repente, a Madeira tornou-se um pequeno paraíso para bicharocos de espécies exóticas várias. Primeiro, foram os mosquitos. A contemporaneidade chegou com eles. O destino atlântico que sempre fomos começou a ceder o passo a uma tropicalidade irritante e sem ponta de sentido. Pouco depois, vieram lacraus, centopeias e outros animalescos quejandos. Chegaram embrulhados em areia. E foram-nos apresentados como efeitos secundários dessa coisa notável que é o progresso. Não nos disseram, é claro, que raio de progresso é esse que nos adultera a paisagem e rebenta a ecologia. Não precisaram. Do alto do seu voluntarismo, a um tempo idiota e soberbo, estão convencidos de que o progresso se basta e justifica a si próprio. Um dia, como é evidente, acabarão por descobrir, com o espanto que é próprio dos tolos, que as coisas não são bem assim. E agora, como se não bastassem os mosquitos e os lacraus, eis-nos confrontados com mais um sinal do exotismo sem freio que vem acompanhando as praias amarelas de recarga periódica, e as promenades apalmeiradas que nos homogeneizam e normalizam a frente-mar. Uma praga de escaravelhos às cavalitas da pressa de plantar palmeiras em tudo quanto é sítio! Era mesmo só o que nos faltava...
Não pretendo brincar com coisas sérias. Mas juro que não me lembro de ver coisas destas na Madeira Velha. E posso até garantir que nem a Madeira Nova produziu coisa semelhante. É verdade que esta última brincou um bocado com a solidez dos nossos solos, divertiu-se bastante a comprimir leitos de ribeiras, e rebolou-se de gozo a desviar cursos de água, à conta de dezenas de quilómetros de túneis. Mas foi preciso esperar por essa era notável de prosperidade e progresso, que é a Madeira Contemporânea, para se perceber em toda a sua plenitude o delírio de quem nos governa. Transformámo-nos num paraíso para os entomólogos. Não passamos agora de um insalubre pasto para hordas de insectos importados.
Exagero, gritarão os devotos dessa nova religião local que tem como sumo sacerdote o dr. Cunha das sociedades de desenvolvimento. Não há progresso sem efeitos perversos, dirão com fé. E só os reaccionários aceitam sacrificar as bênçãos tangíveis do dito cujo só para lhe fugir aos efeitos colaterais indesejados, hão-de certamente também argumentar. Di-lo-ão, é claro, no intervalo da comichão ou da pulverização do repelente. Ou então, para dar um toque feérico à coisa, dispará-lo-ão à braseira da incineração das palmeiras infestadas. O problema é que os agnósticos como eu são pouco permeáveis a semelhante argumentário. Porque entendemos que o desenvolvimento deve construir e não destruir. E porque temos a mania de pensar que quando há planeamento, estudo e cautela, não há efeitos bons nem efeitos maus. Há apenas efeitos. Que podem ser previstos. Que podem, portanto, ser controlados.
Uma porcaria de um escaravelho não merece a maçada deste escrito? Uma praga de mosquitos ou a singeleza de um lacrau também não? Depende do que estivermos a falar. Ora, o que nos diz esta execrável bicharada é que andam por aí uma forma errada e inculta de fazer política, e um modo imbecil e arrogante de construir o futuro. Se ao menos o repelente resolvesse isso também...
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O medo da paixão clubística

O representante político de duzentos e cinquenta mil accionistas resolveu dizer de sua justiça. A empresa de que somos todos sócios não acerta nas opções. O core business que era suposto que tivesse ocupa um lugar secundário nas preocupações da administração. E, em resultado disso, os desaires começam a ser mais do que muitos.
No caso, o dito representante é o dr. Jardim. Os accionistas somos nós, os contribuintes da Madeira. A empresa é o Marítimo. E a administração da coisa é aquela simpática malta que, por vontade expressa do mandatário do sócio pagante, alimenta a vaidade e os bolsos à custa dos impostos de todos e da paixão clubística de alguns.
Ora, pelos vistos, o dr. Jardim acaba de descobrir que a sua relação com o futebol profissional não é coisa que se recomende por muito mais tempo. Façamos um esforço e entendamos o facto. Essa relação só lhe serve se lhe puder render qualquer coisa. Mas como o futuro se afigura mais ou menos negro, a rendibilidade do investimento que faz com o dinheirito do zé pagode ameaça parecer nula.
Chamo a atenção para o verbo que utilizei. O dr. Jardim não ignora que o retorno da despesa que obriga o nosso erário a fazer com o futebol profissional é totalmente inexistente, absolutamente nulo. O seu problema é que agora, para além de ser, passou também a parecer. O que quer dizer que para além de nulo está agora a chegar ao ponto de lhe ser politicamente inconveniente.
Sabem. O dr. Jardim pertence à escola cínica da política. Se às aparências puder acrescentar resultados, óptimo, que assim todos lucram. Mas se os resultados se revelarem incompatíveis com as aparências, pois então que se lixem os ditos, que a sobrevivência política depende muito mais da subjectividade de quem vê do que da objectividade do que está à vista.
Façamos um pequeníssimo exercício. Todos os anos são descarregados na Madeira umas boas mãos cheias de jogadores de bola. Ninguém, em bom rigor, conhece os critérios de recrutamento. Do mesmo modo que ninguém conhece o saldo resultante das constantes idas e vindas desses aspirantes a profissionais de futebol. Diz quem sabe que esse movimento gera comissões mais ou menos avantajadas. Mas não há quem seja capaz de garantir que o Marítimo esteja a ganhar o que quer que seja com a prática continuada desse tipo de operações. Nem financeira, nem desportivamente. Ao ponto de se poder dizer, sem exagero, que as carradas de jogadores, que por cá arribam todos os anos, outra coisa não fazem que não seja a transferência de recursos financeiros que são nossos sabe-se lá para que destino.
Não obstante tudo isto, o dr. Jardim veio agora a público demarcar-se apenas da política desportiva posta em prática pelos gestores públicos que legalmente são os administradores do Marítimo. Pelos vistos, não se preocupa com a gestão financeira. Como se alguma empresa futebolística pudesse desenvolver uma política desportiva sólida assente numa base financeira pouco clara, gelatinosa, e eternamente dependente de recursos que não lhe pertencem, como são, no caso em apreço, os nossos queridos e suados impostos.
Eu não quero cometer a injustiça de pensar que o dr. Jardim não percebe que a aventura político-futebolística em que nos meteu tresanda a coisa pouco sã. O problema é que ao evitar essa injustiça arrisco-me a cair numa outra porventura ainda maior. Como é, por exemplo, a pouco simpática ideia de que a participação da Região na Marítimo SAD pode ter objectivos que pouco ou nada têm que ver com o desporto ou com o fomento da prática desportiva.
Dito isto, não posso deixar de acrescentar uma nota final. No fundo, para constatar a ausência de uma posição clara dos partidos da oposição sobre a matéria. É curto e vago arremeter de vez em quando contra o financiamento público do futebol profissional. Gostava de ver aplicada nesta questão a acutilância que todos revelam relativamente ao desvario despesista das sociedades ditas de desenvolvimento. Não é isso que ocorre, porém. Como se a paixão clubística lhes metesse medo. Ou como se o esbanjamento em obras inúteis não fosse tão condenável como outro esbanjamento qualquer.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O tempo novo cada vez mais velho

Há uma espécie de regra não escrita da prática política que impõe aos governos a necessidade de renovarem periodicamente a legitimidade de que são portadores.
Não me refiro, como é evidente, à legitimidade formal que o estado de direito exige que tenham. Não há democracia sem eleições. Logo, não há governos democráticos sem a unção do voto popular. Mas como a democracia não termina nem se esgota no mero cumprimento dos seus próprios formalismos, não há chefe de governo democrático que não precise de mais qualquer coisa para se sentir permanentemente legitimado. A menos que se esteja nas tintas para os cidadãos que o elegeram.
Como já se percebeu, este qualquer coisa de que falo é o cuidado que têm os governantes de verdade de auscultarem em permanência os sinais dos tempos que passam. É verdade que, no nosso caso, se governa para quatro anos. Mas é igualmente verdade que os ciclo políticos nem sempre correspondem ao tempo de duração de uma legislatura. É por isso que qualquer sistema democrático salvaguarda a possibilidade de se poder interromper esses ciclos. E é por isso também que que os mecanismos informais de escrutínio da actividade governativa têm ganho, nos últimos anos, um lugar cada vez mais importante nas sociedades hipermediatizadas em que vivemos.
Em suma, para além da legitimidade formal que qualquer sistema reclama que tenham, os governantes necessitam do conforto e do amparo de uma outra. Há quem a designe por legitimidade de exercício. E, em termos práticos, não é mais do que a percepção clara de que, em todos os momentos da legislatura, as medidas de quem governa têm o aval e vão ao encontro das expectativas e necessidades dos governados.
Não há governo democrático que se permita dispensar esse aval. E isto é de tal modo verdade que por todo o lado vemos multiplicar os barómetros e os estudos de opinião. Do mesmo modo que é cada vez mais frequente a antecipação de eleições, tanto por iniciativa de quem governa, como em resultado de uma decisão nesse sentido por parte de quem tem o poder supremo de interromper os ciclos eleitorais. A demissão de Santana Lopes e a convocatória antecipada de eleições regionais na Madeira são exemplos recentes do que se acaba de dizer.
Porque já vai longo o intróito, passo já aos finalmentes. O que pretendo colocar sobre a mesa é uma questão muito concreta. A seguinte. Não havendo dúvidas de que o governo do dr. Jardim tem toda a legitimidade formal para se manter em funções, até que ponto tem actualmente o amparo da outra de que acima falei?
Como não estou na cabeça do dr. Jardim, desconheço por inteiro o que é que, sobre a matéria, sua excelência acha ou deixa de achar. Mas por analogia com o que se passou há um ano e pouco, atrevo-me a presumir o que é que ele deveria achar.
Explico. Por meras razões de interesse político pessoal, o dr. Jardim decidiu interromper a meio a última legislatura. Mas como era feio confessar o egoísmo da sua decisão, o presidente do governo resolveu oferecer como razão o entendimento de que a Madeira estava a ser estrangulada pelo Terreiro do Paço. De maneira que ele (pobre dele!), colocado entre a espada e a parede, não teve outro remédio se não optar galhardamente pela espada.
Os resultados da manobra são conhecidos. A mensagem foi convincente. E a Madeira em peso entronizou o seu excelso presidente, seguramente à espera de um novo tempo, de uma nova governação, de um novo modo de driblar as dificuldades. Debalde, como todos os dias se percebe. Porque o tempo continua exactamente o mesmo. Porque a governação mantém exactamente os mesmos traços e as mesmas caras. E porque as únicas coisas que todos vemos virtuosamente dribladas são as expectativas dos madeirenses.
Estarei a defender com isto uma nova ida às urnas antecipada? Podem crer que não, sem embargo de constatar que as presidenciais razões de há mais de um ano atrás continuam a ser, tanto no tom como na substância, invocadas até à náusea. Mas julgo que não exagero se me sentir no direito de exigir a quem me governa que tenha ao menos a decência de um gesto de refrescamento da sua legitimidade de exercício.
Eu sei que o dr. Jardim se diz avesso a remodelações. Isso não passa de fita, como se sabe, porque todos temos ainda presente o chuto no traseiro que um dia levaram os drs. Lélis e Gaudêncio (essa história, aliás, ainda está por contar em todos os seus deliciosos detalhes). Mas se a economia se afunda, se o desemprego sobe, se o desperdício está patente, se a desconfiança alastra, se a falta de um rumo é uma clara evidência, de que espera o presidente do Governo para emitir um sinal, por muito ténue que seja, de que, tal como há ano e pouco atrás, se preocupa com o futuro da Madeira e dos madeirenses? Ou será que não se preocupa? Ou será que para ele é indiferente que a política posta em prática pela equipa que o acompanha desde 2000 se tenha traduzido no imenso fracasso que já ninguém consegue esconder?
Como se imagina, as respostas cabem-lhe a ele. E mesmo que o não queira, elas serão dadas todos os dias. Se não em palavras, seguramente nas acções e omissões com que a sua cada vez mais notada falta de pachorra nos vier a brindar.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Uma questão de estado

É extraordinário como nem as crises são capazes de gerar novidades que se vejam na política madeirense. Uma pessoa sai por uns dias desta santa terrinha. Regressa quatro ou cinco dias mais tarde. E constata com aliviado desalento que, mais coisa menos coisa, está tudo mais ou menos na mesma. Jardim vocifera nos intervalos das suas cada vez mais frequentes deslocações a Bruxelas. Cunha e Silva lacrimeja e protesta por tocarem nas suas queridíssimas SD's. Ventura Garcês, participante acidental deste filme, promete nem ele sabe bem o quê. O director das nossas regionalizadas Finanças selecciona os seus alvos segundo critérios que só ele e os senhores que serve conhecem. A oposição esgadanha-se toda nessa estimável competição que consiste em ver quem consegue dar o tiro mais certeiro num porta-aviões que já parece um queijo suíço, tal a quantidade de rombos que tem. A têvê que temos mantém-se imperturbável na sua mui meritória função de nos entreter com programas assumidamente ridículos e cómicos, embora pretensamente informativos. O "nosso" Marítimo, por obra e graça do dr. Jardim, e o meu Nacional, por afecto imperativo de vários anos, não desistem desse magnífico propósito de se aniquilarem um ao outro. E, no meio disto tudo, a malta que observa vai tocando a vida para a frente. Como pode. Como deixam. Como consegue. Entretanto, lá de fora chegam continuamente notícias de uma crise que passa notoriamente ao lado dos nossos governantes. De todos os lados chovem apreensões várias que nos apertam os bolsos perante a bonomia impávida dos que, em proveito próprio, ostentam o mandato de representação que colectivamente lhes outorgámos. E, cá em baixo, a malta continua à espera das boas notícias que nunca chegam, bem como das medidas que já nem os crédulos acreditam que algum dia possam chegar.
O CDS tem razão: apesar da legitimidade reforçada nas últimas legislativas, este governo não foi, não é, nem nunca há-de ser capaz de anunciar uma medida de ataque aos efeitos da crise.
Carlos Pereira tem razão: com alguma capacidade técnica, com interesse pela coisa pública, com vontade de produzir ideias e governar de facto, é possível engendrar uma boa meia dúzia de medidas práticas susceptíveis de darem alguma respiração à nossa economia.
O PS tem razão: Cunha e Jardim só têm de queixar-se de si próprios por terem conduzido a Madeira por atalhos pouco recomendáveis.
Todos, afinal, temos razão: esta coisa já se tornou demasiado cansativa para ser minimamente suportável.
No entretanto, porém, o dr. Jardim vai despachando as maçadas em que nos meteu com a notável afirmação que está cada vez mais farto do estado. O dr. Cunha confessa que ocultou dos contribuintes e dos eleitores, durante quatro meses, o relatório demolidor do Tribunal de Contas sobre as meninas dos seus olhos já certamente cansados, as famigeradas Sociedades de Desenvolvimento. E se não é o sol que ainda nos deixa ir à praia, estávamos mesmo bem arranjados: isto não teria mesmo ponta por onde se pegasse.
Já agora, e a propósito: o dr. Jardim ainda continua por cá? Se sim, porque não aproveita para visitar o estado dessa coisa notável que é o legado material do seu já desacreditado vice? Já que tanto gosta de falar do estado, porque não experimenta falar desse?
Bernardino da Purificação

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A rebendita

Convenhamos. O dr. Jardim merece que lhe coloquem dificuldades atrás de dificuldades. A prepotência que já não consegue esconder está mesmo a pedir que lhe batam sistematicamente o pé. A insolência convencida e tola com que gosta de aviar receitas governativas aos outros, como se pertencesse ao escol dos governantes de verdade, só merece como resposta o prazer da contradita. O maquiavelismo de trazer por casa de que gosta de fazer alarde até parece que reclama resposta equivalente. E o modo arrogante com que trata os súbditos já há muito que pedincha o tormento da humilhação pública.
O pensamento é pouco cristão. Não me custa admitir que sim. Porém, compreenda-se: não se dá a outra face a quem passa a vida a agredir. E não se deve tratar com indulgência quem parece já ter perdido por completo a noção dos limites.
Mutatis mutandis, até porque um é histriónico enquanto o outro é sonso ou contido, coisa semelhante pode dizer-se do dr. Cunha. Ao esbanjamento politicamente delituoso que não se cansa de dar mostras (partindo do princípio de que só existe esse) sou capaz de jurar que apetece contrapor um quadro de penúria. À forma como abusa do poder só para perseguir os seus ódios de estimação é capaz de dar algum gozo apontar a suprema evidência do seu incompetente desgoverno. Ao voluntarismo idiota que pariu marinas destruídas, parques vazios, promenades sem uso e em permanente conserto, e outras coisas quejandas que só serviram para nos gastar a paciência e os recursos, apetece dizer que já basta de megalomania, já chega de desvario. E à forma politicamente cobarde como agora se esconde atrás das Sociedades de Desenvolvimento é imperioso que se diga que a falta de pudor tem limites.
Dito tudo isto, impõe-se uma explicação. A prosa precedente foi motivada pelo chumbo dado pelo PS na Assembleia da República à alteração da Lei de Finanças Regionais.
Ora, acontece que tenho a ideia de que os deputados socialistas fizeram assentar o seu chumbo em argumentos semelhantes aos acima expostos. Que são tudo menos políticos. E tão falhos de racionalidade como cheios de desejo de ajuste de contas. Ora, isso parece-me ser coisa de pouco aviso.
Não é que considere que a lei em vigor asfixia as finanças da Madeira. Não é isso. Entendo, aliás, que aquilo que verdadeiramente asfixia a Madeira é a incompetência governativa, o despesismo sem freio nos dentes, a ausência de critério na selecção das prioridades, a roda livre, em suma, em que andam o nosso presente e futuro ao sabor dos caprichos do dr. Jardim e do dr. Cunha. Considero, porém, que é errado fazer assentar as transferências financeiras do estado central num PIB que se sabe ser irreal e empolado.
É claro que sei que os culpados da graça foram os dois sobreditos senhores. Se não se tivessem apresentado em Bruxelas com um PIB de fantasia, o Terreiro do Paço nunca teria a lata de fazer de conta que somos uma região rica. E se não tivessem sobreposto o despudor da propaganda à iniludível realidade da nossa vida, a esta hora ninguém teria tido o atrevimento de desconsiderar a pobreza relativa que ainda evidenciamos. Nem em Bruxelas, nem em Lisboa.
Não têm, portanto, legitimidade moral para reclamar aqueles que conscientemente nos empurraram para um prejuízo objectivo de várias centenas de milhões de euros. Não posso, todavia, deixar de notar que me parece mal que o partido que mais tem denunciado o empolamento do PIB da Região tenha sido capaz de impedir a revogação de uma lei errada porque assenta em pressupostos também eles errados. Fico com a ideia de que o PS caiu no engano lançado por Jardim. Votou, de rebendita, contra o ditadorzeco que nos governa, sem perceber que quem estava em causa eram (e são sempre) os madeirenses. E assim o dito cujo ganhou fôlego.
Bernardino da Purificação

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A nova terceira via

Bem vindo, dr. Sérgio Marques, ao redil dos delfins vigiados. Se bem percebi o que o JM diz que disse, o PSD acaba de ganhar mais um candidato à sucessão do dr. Jardim. Demos graças ao Altíssimo. Já era tempo de aparecer um aspirante suficientemente distante das tricas domésticas em que andam entretidos o vice-presidente do Governo e o presidente do maior município da Região.
Diga-se, no entanto, que, em boa verdade, Sérgio Marques não chegou propriamente agora aos lugares da frente da linha de partida. Bem longe disso. No final de contas, sem nunca precisar de assumi-lo, o eurodeputado do PSD foi sempre um dos mais fortes candidatos à sucessão de Jardim. O que o distinguia dos restantes era o facto de ter feito da discrição um estilo e um método. Uns, os outros, iam-se esfalfando em pouco sensatas correrias debaixo das luzes da ribalta. Sérgio Marques, ao contrário, optou por correr pelo lado de fora. Fez bem. Evitou um desgaste prematuro. E fez o favor a si próprio de recusar o espectáculo deprimente em que incorrem os candidatos putativos que se acham portadores de um grande pedigree.
Surpreende por isso que tenha decidido abandonar o registo low profile que lhe permitiu marcar pontos sem necessidade de queimar os dedos. Terá soado, sem nós termos percebido, o verdadeiro tiro de partida? Francamente, custa-me admitir que sim. E apesar de achar que faz todo o sentido a tese do dr. Carlos Pereira, segundo a qual poderemos estar perante uma mera manobra de diversão, fico com a ideia de que o voo picado que Sérgio Marques aceitou iniciar tem um alcance político que escapa ainda à nossa compreensão.
Há uma coisa, porém, de que não tenho dúvidas: o presidente do Governo está seguramente por trás deste movimento do eurodeputado. Erra quem pensar o contrário. Porque, sendo cauteloso, o dr. Sérgio Marques nunca diria em voz alta o que toda a gente já admitia, afinal, em voz baixa. E porque se sabe que, sendo maquiavélico, o dr. Jardim já mostrou do que é capaz a todos os que meteram na cabeça que lhes assistia o direito de desenvolverem uma estratégia pessoal e autónoma. Veja-se o caso de Miguel de Sousa. Atente-se no percurso de Virgílio Pereira. E, para citar um exemplo mais recente, tenha-se em conta a vida cada vez mais difícil de Miguel Albuquerque.
Aposto, em suma, que Sérgio Marques articulou com Jardim o timing do seu desnecessário e redundante anúncio. Ou por alguém lhe ter feito pensar que, entre Albuquerque e Cunha, o seu nome pode passar a funcionar como uma espécie de terceira via. Ou, então, por alguém lhe ter feito sentir a necessidade de ser dado um público sinal de que, em matéria de candidatos à sucessão, o PSD deve preparar-se para um tempo novo com novos protagonistas.
Ignoro se Sérgio Marques foi simplesmente incauto ou se se muniu previamente de garantias de protecção. Essa é uma dúvida que só o tempo nos há-de um dia esclarecer. De uma forma ou de outra, fica no ar a convicção de que Jardim tem um novo favorito. Pelo menos, até ao lançamento do próximo.
Bernardino da Purificação

Que o TC nos valha

Daqui a quinze dias, o dr. Cunha e Silva há-de dizer qualquer coisa sobre as denominadas sociedades de desevolvimento. Para não variar, há-de fazê-lo de raspão e em prosa situada algures entre o enfadado e o lacrimejante, já que sua excelência entende ter sido ungido pelo dom da intocabilidade.
Podem apostar. Daqui a duas semanas, tê-lo-emos a dizer umas baboseiras quaisquer no espaçozito que o DN faz o favor de lhe conceder. Falará certamente das obras que impulsionou. Há-de esforçar-se por enganar o óbvio. Terá com certeza o atrevimento de sugerir que os seus palpites são mais fiáveis do que as contas feitas pelo tribunal das ditas. E, antes do ponto final, acabará por despedir-se dos leitores com uma citação qualquer a propósito de coisa nenhuma.
Acontece que, tal como os restantes notáveis deste regime, o dr. Cunha é inimputável. Gasta milhões sem critério perante a complacência geral. Manda fazer obras só para encher os olhos aos incautos (antes dizia-se "para inglês ver") apenas e só porque lhe apetece brincar aos governantes. Numa triste tentativa de emulação do chefe, desatou a polvilhar a nossa santa terra com cartazes que hão-de imortalizar a fúria despesista e irresponsável com que sua excelência nos quis brindar. E, não contente com isso, tem vindo a passar tranquilamente ao lado dos relatórios do Tribunal de Contas, como se o dito nem sequer existisse.
Como sistematicamente sucede, o dr. Cunha engana-se. O TC existe mesmo. Valha-nos isso. Já que temos de aturar os Cunhas deste mundo, ao menos que haja alguém com a suficiente competência técnica e a necessária capacidade legal para lhes pôr a incompetência à mostra.
Bernardino da Purificação

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A nova estratégia socialista

Parece que a política regional vai voltar a animar-se. Boas notícias. É do que a malta andava mesmo a precisar. Não há nada como uma boa cena de pancadaria política para espevitar os espíritos mais sossegados.
Então é assim. O PS acaba de anunciar que está finalmente disponível para fazer oposição ao partido do poder. Abençoada hora. Já era tempo de alguém no PS perceber que, por definição, missão democrática, e eventual proveito da colectividade, quem está na oposição deve fazer oposição. Que seja, pois, muito bem-vindo à função que deve ter, e que nunca deveria ter abandonado, no quadro da nossa vida política. E, já agora, votos de que as maçadas internas que têm vindo a dispersar-lhe as atenções lhe permitam deixá-lo totalmente liberto para uma acção centrada naquilo que verdadeiramente conta.
É claro que uma coisa são palavras e intenções, e que outra bem diferente são as acções. O crivo da prova dos factos há-de estabelecer as verdadeiras distâncias que separam umas das outras. E só ele vai demonstrar se o PS percebeu finalmente que o verdadeiro adversário está lá fora e não intramuros como tem estado até agora. É que, para mal dos pecados do PS, não basta que venha o deputado Vítor Freitas anunciar que o seu partido vai imprimir uma nova dinâmica à sua acção política, que pode passar pela possibilidade de pedir ao Presidente da República a dissolução da Assembleia Legislativa Regional. Como ele próprio certamente compreenderá, é preciso muito mais do que uma declaração sua para podermos ficar com a certeza de que o PS ganhou finalmente juízo e vai passar a fazer o que o seu estatuto lhe reclama que faça.
Ainda assim, vale a pena levar a sério o anúncio feito por Vítor Freitas em recente entrevista ao DN. O PS quer, pelos vistos, tomar a iniciativa e marcar a agenda política. Faz muito bem. E parece querer igualmente exercer alguma pressão sobre o Presidente da República, o que aparenta ser uma ideia inteligente. Mas como não há estratégia inatacável em todos os seus pressupostos lógicos, é bom que o PS-Madeira esteja preparado para responder à suspeita de que pode estar conluiado com o PS nacional numa manobra de ataque ao Presidente da República. No estado a que chegaram as relações entre Cavaco e o governo da República, essa hipótese faz sentido. E ganha uma verosimilhança adicional se considerarmos que o primeiro ponto de fricção entre o palácio de Belém e os socialistas do rectângulo assumiu a forma de uma intensa polémica sobre o estatuto autonómico dos Açores.
Embora não passe de um curioso destas coisas, suponho não errar se disser que quem planeia uma estratégia tem de ser capaz de integrar no seu plano todas as possíveis medidas de retaliação (as chamadas counter measures), sob pena de poder ser surpreendido por escusados e evitáveis imprevistos. E como não tenho a pretensão de ensinar o padre-nosso ao vigário, estou firmemente convencido de que o PS há-de saber o que dizer se um dia lhe atirarem à cara que um eventual aumento de pressão sobre o Presidente da República nada tem que ver com a política regional propriamente dita. Sinto-me por isso bastante curioso relativamente a todos os desenvolvimentos da anunciada manobra socialista. É que a avaliar pelo que disse Vítor Freitas, a política madeirense pode vir a ocupar brevemente um lugar central no debate político nacional. Ora, convenhamos que isso não é nada pouco para um partido que, pelos vistos, quer mostrar que tem um novo modo de fazer oposição.

Bernardino da Purificação