quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Os acólitos da contrição

Não quero passar por desmancha-prazeres. Mas, palavra que está mesmo a apetecer-me atirar uma pedrada à unanimidade pia e congratulatória que reconduziu o parlamento madeirense ao trilho da legalidade. A razão é simples. Considero que os actos de contrição devem ser pessoais. E entendo que os ofendidos deveriam ser capazes de se dar ao respeito. Como nada disso aconteceu, receio bem que a dita normalidade tenha sido conseguida à custa de uma negociata qualquer. Como se a legalidade democrática, insisto numa tecla já tocada em textos anteriores, pudesse algum dia ser objecto da traficância de uma qualquer transacção.
Um bocado confuso, o que precede? Já se verá que não.
O PSD merecia, tinha esse direito, de desfazer sozinho o imbróglio jurídico e político em que leviana e prepotentemente meteu a Assembleia Legislativa Regional. Deveria ser capaz de subir sozinho ao plenário cujos trabalhos havia suspenso. E, num acto de penitente solidão, revogaria, com a exclusividade da sua iniciativa e votos, o que a força bruta da sua maioria havia anti-democraticamente imposto.
Isto é, a oposição não deveria ter-se intrometido no recolhimento alheio. Nem para lhe apoiar as dores. Nem para dar solenidade à indigência da rábula. A situação criada na Assembleia era um problema do PSD. Deveria, em consequência, ser resolvido a solo pelo PSD.
Se bem repararem, verão que não há ponta de radicalismo neste entendimento que expresso. Embora reconheça que os mais apressados tentarão encontrar aqui um laivo qualquer de incitamento à prática nada cristã do ajuste de contas.
Ora, o que defendo é tão simples quanto isto. Por vontade exclusiva da maioria social-democrata, a legalidade democrática na Assembleia ficou dependente e refém da revogação, pura e simples, de uma decisão arbitrária, ilegal e inconstitucional. Acontece que essa deliberação foi dirigida contra um deputado de uma das minorias com assento parlamentar. O que quer dizer que, enquanto se não verificasse tal revogação, nenhum partido da oposição com um apurado sentido de dignidade política e democrática deveria permitir-se participar em qualquer sessão plenária. Por não haver condições políticas para o fazer. Por subsistirem as razões jurídicas que levaram à suspensão da actividade parlamentar. E pela razão mais mundana e prosaica de que se não deve dar confiança à prepotência dos que sistematicamente se marimbam para as regras.
Pois bem, o que vimos foi outra coisa. Toda a oposição, com a digna ressalva do deputado directamente ofendido, aceitou acolitar a tardia contrição da maioria parlamentar. E, o que é mais surpreendente, aceitou emprestar o seu voto, que habitualmente de nada conta, a uma votação só tornada necessária pelo arbítrio da maioria. Perdeu assim uma oportunidade. Mais uma. De se dar ao respeito. E de confrontar o PSD com a indignidade da sua prepotência.
A oposição, e, em particular, o PS, lá saberá com que linhas se há-de coser. Mas depois de todas as omissões que se conhecem, por parte de quem tinha o dever ético e político de pronunciar-se sobre o acontecido, é inquietante perceber que os deputados da maioria tenham conseguido passar incólumes por entre os pingos da chuva que provocaram. No mínimo dos mínimos, deveria ter-lhes sido dado o direito de subirem ao plenário sozinhos, e de, com o imenso quórum que têm, assumirem sozinhos que erraram, no pelourinho da praça pública. Sem acólitos à volta a emprestar dignidade política à coisa. E sem ninguém a segurar as velas de uma contrição que deveria ficar como exemplo. Só espero é que, por detrás deste aparente erro de cálculo de tão cordata e prestável oposição, não tenha ficado uma negociata qualquer. Mas isso há-de ver-se quando um dia destes se reeditar a votação para a escolha do vice-presidente que falta à mesa da Assembleia.
Bernardino da Purificação

12 comentários:

Anônimo disse...

Parabens pelo rigor objectivo da presente análise.

Realmente o grupo parlamentar do PS, assumiu uma postura ridicula nesta também ridicula história que em nada dignifica a nossa tão débil democracia ( ? ) regional.

A acreditar na negociata resultante do paragrafo final, recordo-me do velho adágio...mais vale Rainha por um dia do que Princesa toda a vida...quanto aos meios, vale tudo, desde que, obviamente os fins sejam conseguidos.

Tudo numa só palava, LAMENTAVEL

Anônimo disse...

Um hino para o Bernardino! Não tenho o prazer o conhecer o Cidadão que nos presenteia com estes belos nacos de prosa. Faço dele a ideia de um Homem inteligente e, por isso, desculpará o gracejo do hino, pois, sinceramente,acho-o merecedor de uma distinção pública.
Os partidos realmente tudo negoceiam. Estes trinta anos provam à saciedade que o bloco central dos interesses está sempre pronto para servir os homens que corporizam os partidos e não os CIDADÃOS, militantes ou não dos partidos. Admito que no interior dos partidos existam alguns CIDADÃOS embora a grande maioria não passem apenas homens (às vezes mesquinhos)procurando benefícios pessoais pela sua filiação partidária. Daqui à colectividade adoptar o pensamento dos críticos da 1ª Rep. que se insurgiam contra a "camarilha partidária que sugava o País até ao tutano" vai muito pouco. Chamarão a tudo isto o comportamento politicamente correcto. Pergunta-se: onde fiva a ética?

Unknown disse...

Sim senhor.Parabéns.Um artigo de se lhe tirar o chapéu.Realmente mais uma vez a oposição perdeu uma rica opurtunidade de deixar os PPD`s a falar sózinhos.Cumprimentos.

Anônimo disse...

Há muito que defendo que a oposição madeirense, mormente o PS, não deveria participar na palhaçada em que se tornou a Assembleia Regional.
Mas não só agora. Deveria fazê-lo logo a seguir aos discursos do Lider da bancada do partido do Governo nas sessões inaugurais das legislaturas e noutras ocasiões em ele que se esmera a humilhar os opositores.
Nesses discursos inaugurais, mutatis mutandis, esse senhor avisa que todo o trabalho das oposições será olimpicamente ignorado. Ou seja, explica, sem deixar quaisquer dúvidas, que a oposição não está lá a fazer nada.
Tal arrogância, pelo desrespeito implícito, deveria provocar de imediato o abandono do parlamento por toda a oposição. Assim, o PSD ficaria a falar sozinho, o que tiraria toda credibilidade ao seu trabalho, se tal se pode chamar ao que lá faz.
Mas não. As oposições parecem não querer arriscar o "tacho". Ficando lá dentro, embora falem alto e pareçam zangados, estão a colaborar com o sistema...

Anônimo disse...

Senhor Bernardino da Purificação

Diz o Senhor que não quer ser aquilo que eu tento ser, mas, que eu gostaria de ter escrito o que o Senhor escreveu, lá isso gostava, olá se gostava!
Está tudo dito.
Resumindo e concluindo:
Uns piores que outros, mas, ao fim e ao cabo...todos iguais.
Que tristeza!!!

Anônimo disse...

Amigo Bernardino, mais palavras para quê ? Eleve a "capa", abra o peito e saia do seu terreiro, rumo à luta.

Se o fizer, desde já conta com mais um lutador.

Para já uma grande abraço à objectividade da sua intervenção e à qualidade da sua critica, com que modelarmente nos presenteia.

Um grande Bem Haja ao nosso notável anfitrião.

Anônimo disse...

Isto só à vassourada!
Ainda ontem, Mamuela Ferreira Leite, respondia ao jornalista que, a esta distância das eleições legislativas, não divulgava as medidas que preconizava para superar a crise (em que o Zé Pagode esperneia), porque, se o fizesse, "o PS aproveitar-se-ia delas para as executar, e, desse modo, retiraria votos ao seu Partido".
Bendito seja nosso Senhor Jesus Cristo!!!
Andam para aí a encher a boca com o " a bem dos portugueses", com os " Vivas a Portugal" e outras tretas eivadas de falsidade, para, depois,numa escorregadela, lhes fugir a boca para a verdade:

A BEM DO INTERESSE PARTIDÁRIO.

De facto, só à vassourada,ou, melhor, como dizia Eça:

"Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão".

Quando será que a turba "superior" entende uma coisa tão simples?!

Anônimo disse...

o sr. Purificação tem muita razão.
Quem fez a cag...,digo,a borrada é que devia limpá-la. Sózinhos.
Os outros da oposição andaram mal.
Quando foi posta à votação a limpeza da borrada deviam ter saído do hemicirco, como o Coelho que nem pôs lá os pés.
Não percebo é porque o chefe do ppd, o sr. Ramos da rua da conceição, deixou os seus amigos abandonados. Devia estar meio gripado, coitado.
Era só isto que me fazia confusão.
Obrigado pela paciência.

Anônimo disse...

Ao pica miolos II

Ao escrever Mamuela em vez de Manuela estava a pensar na anatomia da senhora (que não será lá grande coisa...) ou na Mamadela doa políticos?

Um abração

Anônimo disse...

Gostei especialmente do título.
Grande análise!
João Pequeno

Anônimo disse...

Subscrevo inteiramente a análise do Bernardino da Purificação.
Da mesma forma que a maioria arroga-se, de ser responsável pelo "Paraíso" da Madeira e pelo desenvolvimento "à Dubai", também as primitivas agressões constitucionais perpetradas pelo PSD e secundadas pelo Presidente da Assembleia, deviam ser solitariamente assumidas por esses senhores. E claro, submeterem-se à justiça.
Até ao momento um dos "ilustres" demarcaram-se.

amsf disse...

Parece-me que o caro amigo desta vez errou na questão do PS/M ter feito uma negociata com o PSD/M em troca da Vice presidência da ALM.

O amigo poderá retorquir que se não o fez devia te-lo feito, pois da fama temporária não se safa!