terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A fuga ao tribunal das contas

Por alguma razão que desconheço, os partidos políticos regionais não querem que o Tribunal de Contas lhes escrutine a subvenção parlamentar que recebem do erário. Fazem mal. Revelam que, no fundo, estão-se nas tintas para a sacrossanta transparência de que todos falam mas poucos praticam. E dão pública nota de que não querem tratar da questão do financiamento partidário com o rigor que os cidadãos reclamam e o sistema político exige.
Enquanto elementos estruturantes da democracia, entendem que a única entidade fiscalizadora a que devem estar sujeitos é o Tribunal Constitucional. E enquanto instrumentos necessários à participação dos cidadãos no governo da res publica, consideram que estão acima da maçadora possibilidade de terem as suas contas auditadas por entidade diversa da que lhes fiscaliza e generalidade dos gastos. Acho mal. Mesmo que os partidos não sejam pertença do Estado. E mesmo considerando que a actividade partidária não deve ser colocada em plano idêntico ao do objecto de uma instituição, de um organismo, ou de uma empresa estatal.
Suponho que não erro se disser que os partidos recebem do Estado dois tipos de cheque. O mais generoso é emitido no quadro do financiamento partidário público. Financia a actividade partidária globalmente considerada. E as despesas que permite são fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional. Um outro, de montante mais modesto e finalidade específica, assume a forma de apoio público à acção parlamentar. Sai directamente do orçamento da Assembleia Legislativa. E tem sido até agora, e a meu ver bem, controlado pelo Tribunal de Contas. Ora, é esta linha de demarcação que a generalidade das forças políticas madeirenses pretende pura e simplesmente eliminar. Procurando fazer passar a ideia de que os dois cheques são afinal um só. E garantindo a quem os ouve que partido e grupo parlamentar não passam afinal de duas maneiras de dizer a mesma coisa.
Sei nada de leis. Mas tenho para mim que financiar a actividade de um grupo parlamentar é coisa distinta de financiar um partido político. Se o legislador tivesse pretendido tratar como uma só as duas realidades não teria sentido especial dificuldade lexical ou jurídica em fazê-lo. Porém, não foi esse o seu entendimento. Assim como não foi esse o seu objectivo. E isso há-de ter um significado político e jurídico qualquer. É pertinente, aliás, recordar que a própria mesa da Assembleia fez há anos a mesmíssima demarcação semântica e legal das duas realidades. Se não o tivesse feito, não teria descontado ao partido socialista as verbas que passou a atribuir a dois deputados que dele desertaram. E não me passa pela cabeça que a mesa do parlamento possa ter posto um interesse partidário qualquer à frente da sua obrigação de cumprir a lei. Não o fez, certamente. De maneira que me espanta a ligeireza com que praticamente todos pretendem agora fazer de conta que, para efeitos de financiamento, tanto faz dizer grupo parlamentar como partido político. E sou levado a pensar que a única finalidade de tão repentina a abstrusa confusão é apenas driblar o Tribunal de Contas. Ao ponto a que isto chegou!
A demagogia faz-me urticaria. Mas, numa altura de crescentes dificuldades, não posso deixar de sublinhar que é por estas e por outras que temos a crise instalada nos nossos mecanismos de representação política. Ninguém leva a sério os deputados. São geralmente vistos como uma dispendiosa inutilidade. E fazem, eles próprios, o favor de continuamente se desacreditarem. Se tivessem um pingo de respeito por quem os elegeu, não estariam tão entretidos a tentar fugir ao Tribunal de Contas. Estariam a fazer trabalho político relevante e efectivo. E se dessem um mínimo de atenção às crescentes necessidades que por aí andam aceitariam, isso sim, um dispositivo legal qualquer que os obrigasse a devolver aos contribuintes as verbas que a sua notória preguiça todos os anos fizesse sobrar. Talvez pudesse começar por aí, quem sabe, a reconciliação entre os cidadãos e a instituição parlamentar. Mas com gente desta índole isso seria pedir de mais.
Bernardino da Purificação

11 comentários:

Anônimo disse...

No teatro da politica, tudo é possivel...até o Santana recandidata-se por Lisboa.

Como dizia um reconhecido filósofo, a falta de vergonha trata-se da componente principal do lucro.

Anônimo disse...

É óbvio que tudo quanto ficou escrito é verdade. A única questão que não foi abordada foi "o não te rales", com trinta anos de vida, com que o Estado Português permite que o avacalhem na RAM. A opacidade e o desvario tomou, há muito, conta dos eleitos para ALM. A situação é de tal maneira grave que o TC que, inicialmente, julgava a Conta agora apenas emite parecer. Os bons modos, a elevadissima educação recebida nos melhores colégios suiços, do lider parlamentar da maioria bem se fez sentir quando se insurgiu contra funcionários não eleitos do TC que queriam verificar as contas da ALM. Tresandava que caminhavamos para isto. Que fez o Estado Português? Encolheu os ombros!

Anônimo disse...

É óbvio que tudo quanto ficou escrito é verdade. A única questão que não foi abordada foi "o não te rales", com trinta anos de vida, com que o Estado Português permite que o avacalhem na RAM. A opacidade e o desvario tomaram, há muito, conta dos eleitos para ALM. A situação é de tal maneira grave que o TC que, inicialmente, julgava a Conta agora apenas emite parecer. Os bons modos, a elevadissima educação recebida nos melhores colégios suiços, do lider parlamentar da maioria bem se fez sentir quando se insurgiu contra funcionários não eleitos do TC que queriam verificar as contas da ALM. Tresandava que caminhavamos para isto. Que fez o Estado Português? Encolheu os ombros!

Anônimo disse...

Até o "Joe Banana" pensa que pode ser sócio da "Edifer - Madeira", no lugar do Entradas...!

Anônimo disse...

e a entidade das contas ...

amsf disse...

A verdade é que a posição do AJJ é que os políticos eleitos só podem ser julgados no acto eleitoral. A lei ordinário não se lhes aplica!

Curiosamente, esse sr., recentemente defendia que se tivesse poderes para tal sabia como tratar o deputado Coelho, hoje vem dizer que os deputados estão revestidos de uma tal honra que não podem ver a sua assiduidade e pontualidade serem controlados. Isto a propósito da ausência de um número apreciável de deputados PSD aquando da votação do Orçamento de Estado!

Anônimo disse...

O que me entristece é ver crónicas com esta, tão bem apresentada e fundamentada, cairem no vazio do déjà vu. Já ninguém se impressiona com estes autênticos escândalos. E até haverá quem acredite que se trata de um procedimento normal.
Resta-nos a consolação de haver pessoas que se dão ao trabalho de denunciar a infâmia, já que ninguém com poder está interessado em esmagá-la.
No mínimo, que façam as maroscas impunemente, mas que não nos tomem por parvos.

Anônimo disse...

Não foi por acaso o Dr. Guilherme (reconhecido multimilionário Advogado ao serviço do Psd-M, o qual fas uns biscetezecos da AR) que propôs para espanto de mjuto, o encerramento da AR aos fins-de-semana, por forma a dar "descanso" aos pobres dos deputados,os quais neste momento, se cansados estão, sera a contar o dinheiro do totoloto que lhes foi atribuido.

amsf disse...

Caro anónimo,

Se a proposta do dr. Guilherme Silva fosse para fechar a AR aos fins de semana até concordaria mas a proposta era "fechar" às Sextas e Segundas-Feiras também!

Anônimo disse...

Senhor(a)(?)amsf

Lamento mas não posso concordar consigo.
Para as Maiorias Absolutas (de lá e de cá) fazerem o que fazem, acho que só deveriam "trabalhar" ao Domingo.
Note que nem sequer estou a ser original; o sr."engenheiro" sabe, por experiência própria, que estou cheio de razão!
Como vê...

João Carvalho Fernandes disse...

Conordo totalmente com a existência de uma Entidade de Contas, que fiscalize como deve ser, agora a palhaçada que se tem passado, NÃO!

Actualmente a intenção é apenas uma: acabar por asfixia económica com todos os partidos extra-parlamentares. Só assim se percebem multas de 3.000 euros por pseudo-infracções de 15, enquanto se fecha os olhos a vultuosas doações das empresas construtoras aos grandes partidos!