sábado, 8 de novembro de 2008

A democracia negociada

Entendamo-nos. Não me move qualquer perverso desejo de ver a Madeira falada por más razões e envolvida em polémicas lamentáveis. Não obstante, e ao contrário do que possa imaginar o conformismo dos que se preocupam mais com os efeitos do que com as causas, considero que seria de extrema utilidade para a saúde da nossa vida democrática que o presidente da República fosse capaz de colocar no patamar devido o mais recente caso da política madeirense.
Uma democracia responsável não se refugia em subterfúgios. E os titulares responsáveis das suas instituições políticas não se escondem nem fogem dos problemas. No entanto, a sensação que se tem é que praticamente toda a gente aceita passar bovinamente a vida fazendo de conta que a normalidade e a legalidade são negociáveis. Como se as leis não fossem imperativas. Ou como se à Madeira tivesse sido outorgado um estatuto de excepção.
Ora, é óbvio que em democracia a legalidade não pode ser susceptível de transacção. De maneira que o mínimo que se poderia esperar de um presidente da República é que tivesse a decência política de enviar uma mensagem ao parlamento regional. Condenando, sem tibiezas nem ambiguidades, a reiterada indecência que a Assembleia quase diariamente alberga. E dizendo, sem medo das palavras, que as rupturas institucionais chegam sempre que os representados deixam de rever-se nos comportamentos e nas práticas dos seus representantes.
Como os factos falam por si, não vou entrar novamente na descrição da ocorrência. O que me interessa hoje é outra coisa. É explicar por que é que penso que o presidente da República não tem o direito de reduzir o problema criado a coisa que se resolve com umas quantas conversas de bastidores. E é procurar reter o que considero haver de verdadeiramente significativo nestes últimos atropelos cometidos à normalidade da nossa vida democrática.
Então, é assim. Ficou à vista de todos que o PSD convive mal com a crítica e reage mal à diferença de opinião. Encontra-se de tal maneira refastelado na sua obesa maioria que já nem consegue pensar. As suas reacções são, no mais das vezes, primárias e instintivas. E têm, quase sempre, a mimosa particularidade de se marimbar para o freio das regras, de mandar às urtigas os limites da decência e do império da lei, e de privilegiar o primarismo da força bruta.
A ocorrência recente é paradigmática. Em vez de procurar enquadrar democraticamente as invectivas políticas de que foi alvo, o poder que temos reagiu com a cegueira da intolerância: um deputado anda para aí a maçar-nos com fantochadas pseudo-políticas que dão notícias, pois cale-se o deputado, mande-se a política àquela parte e tente-se dar um jeito nas notícias; as críticas ganham uma visibilidade acrescida por serem feitas no parlamento, pois que se feche o parlamento; a democracia é um empecilho para um poder que se julga absoluto, pois que se dane a democracia; as pessoas julgam estar na posse do direito de opinião, pois que se lixem os direitos, mande-se passear as pessoas e vão à fava as opiniões. E um dia, sem darmos por isso, viveremos sem críticas nem opiniões. Sem política nem parlamento. Sem democracia nem regras. Apenas com as notícias que interessam. Apenas com a opinião que conta.
Aos que acham que a caricatura exagera, direi simplesmente que reagimos exactamente como somos. Os tolerantes reagem com tolerância. Os intolerantes nem chegam a perceber onde fica a fronteira da intolerância. Ora, foi nisto que se transformou o poder que nos manda.
O PSD não é todo assim, farão o favor de dizer os que não querem ser metidos em semelhante saco. Têm razão. É claro que não é. Individualmente considerados, os seus militantes não passam, quase todos, de estimáveis pessoas. Mas vão perguntar o que pensam os que são diariamente humilhados, os que são sistematicamente perseguidos, os que são criminosamente marginalizados. Eles lhes dirão que poder é este que é capaz de levar gente decente à prática reiterada e sobranceira do atropelo de regras, de direitos, de pessoas.
Ora, é por tudo isto que o presidente da República não devia ficar novamente calado. Porque se o fizer torna-se objectivamente cúmplice do desmando. E porque ao fazê-lo dá um público sinal de que a esta gente tudo é permitido.
Bernardino da Purificação

11 comentários:

Anônimo disse...

«E um dia, sem darmos por isso, viveremos sem críticas nem opiniões. Sem política nem parlamento. Sem democracia nem regras.»

Caro amigo

Penso que, a este respeito, o PR tetá uma grande dificuldade: a de, na Assembleia da República (com um pouco menos de espalhafato rasca e folclórico), passa-se exactamente o mesmo que na nossa Assembleia Regional.
Não me parece justo criticar um lado sem fazer o mesmo ao outro.

Anônimo disse...

Peço desculpa

No meu texto anterior há uma gralha.
Segue-se o que eu queria escrever:

Penso que, a este respeito, o PR tetá uma grande dificuldade: a de, na Assembleia da República (com um pouco menos de espalhafato rasca e folclórico), se passar exactamente o mesmo que na nossa Assembleia Regional.
Não me parece justo criticar um lado sem fazer o mesmo ao outro.

amsf disse...

No dia em que as pessoas que ainda pensam nesta terra não poderem exprimir a sua opinião por palavras tenderão a fase-lo por actos e a "coisa" poderá não ser tão inofensiva quanto isso!
A blogosfera, num primeiro momento poderá favorecer o "poder" pois constitui um auditório "inofensivo" para aqueles que conseguem fugir ao condicionamento ,ao hipnotismo do poder! Mas será essa própria blogosfera a revelar que cada um daqueles não se encontra sozinho e que juntos poderão agir sobre a realidade política! À Blogofera como "escape" ao condicionamento político sucederá a blogosfera como revelador e unificador dos críticos dispersos!

Anônimo disse...

O Estado Português está cada vez a comportar-se como se a RAM não passasse de um temor benigno no interrior do seu corpo. Vão já trinta anos (as metástases começam a surgir)e ninguém se atreve nas mais altas hierarquias nacionais, a dar um murro na mesa perante certas atitudes. Chamar efeminadas às FA's é grave, o contexto da época desculpava. O crescendo, porém, veio a desembocar neste grave atropelo. O "laranjal", tal qual estão as coisas, persegue no trabalho e nos negócios se o PR continua calado passarão ao estádio seguinte. É esse que está a pensar leitor: eliminação física de quem se lhe opuser.
Quem chega a este blog e aos comentários é gente que lê. Queria no entanto - permitam-me o desplante - sugerir que comprando ou indo a uma biblioteca leiam A FESTA DO CHIBO livro, se a memória me não atraiçoa, de Vargas LlOsa. Encontrarão um personagem - o cerebrito - que retrata um Homem Público da nossa terra. O contorcionismo dele para defender o CHEFE é espantoso.

Anônimo disse...

Na semana passada a região viveu um acontecimento que uma democracia não pode nunca conhecer que é barrar a entrada no parlamento de um deputado que é-no por via do poder soberano da nação e, neste caso, da região. Assistir a esse episódio é absolutamente aberrante para quem eu como tantos outros admira a democracia. Como chegamos a esta situação deve ser o ponto primeiro da nossa reflexão. Onde está a politica dos pesos e contrapesos na nossa região, onde está a nossa própria autonomia, onde está o principio da separação dos poderes, em que pederestal se pode colocar um presidente da assembleia que devia ser o primeiro a aperceber-se da imiquidade da medida de barrar um dos deputados dessa assembleia pelo facto de uma maioria assim quer....que democracia é esta? É tempo de mudarmos o nosso destino com as nossas mãos, trabalhando para se formar um novo partido regional e através do qual se mobilizarão os homens-bons que trarão o trust e o ar fresco a esta terra. O sistema como está tirou o "tesão" à própria de autonomia, ela deixa cada vez mais de ser mobilizável. Talvez pudessemos fazer algo por esta terra...

Anônimo disse...

já sabemos que o pnd ou o blog pravda não negoceiam, nem criticam construtivamente.

estranho é ninguem condenar a humilhação e o gozo que o coelho faz na assembleia há meses..., é só engraçado...

mas no fim, o coelho leva á frente dele o psd, ps, etc...e até as vitimas do nazismo... e a culpa é de cavaco...

ridiculo.

Anônimo disse...

Muito gostamos de ser enganados. O Coelho exibiu uma bandeira, não fez a apologia ou defesa do regime representado por essa bendeira.

E o sanita, quando abre o otoclismo, seguramente que está defendendo a democracia.

É por estas e por outras, que seremos sempre o que sempre fomos...um bando de carneiros.

amsf disse...

Entretanto, uma delegação do Parlamento da Região Autónoma do Príncipe (S. Tomé e Príncipe) chegou à Madeira para aprender com Miguel Mendonça a presidir a um Parlamento! LOL!

Anônimo disse...

Miguel Mendonça figura institucionalmente relevante no nosso ordenamento constitucional, tem aquela pose altiva, séria e de trato muito depurado. Não sabia se seria um traço inato ou uma consequência do cargo que ocupa.
Nada mais erróneo. Essa imagem cultivada e mostrada é um fogacho.
É triste chegar à conclusão efectivamente comprovada, de que o Presidente da "Casa da Democracia" da Madeira, é uma marioneta nas mãos de um grupo totalitário, com o qual é conivente e submisso desvirtuando e ofendendo a sua função e consequentemente os madeirenses.
Com tanto mandato como Presidente e sendo até médico de formação, espanta o mais tolo mortal, a sua justificação da atitude ilegal tomada em função de uma "emergência". Sinceramente não sei em que níveis de incumbências será melhor dar de frente com o referido senhor: se como Presidente do Parlamento Regional ou como médico. A avaliar o disparate em que o homem reage perante a "emergência", poderíamos ter algo fisicamente trágico.
Ainda no plano institucional há que censurar igualmente o papel do Representante da República e do Presidente da República. Julgo mesmo que estas duas figuras decorativas (em relação à RAM) do Estado Português, não agiram em conformidade perante a gravidade criada. O simples "acompanhamento" da situação é daquelas frases de relato radiofónico de partida de futebol, em que imaginamos a imagem à distância, e ficamos sem ideia criada se era penalti, ou não. Todos os protagonistas desta novela deviam ser chamados e ouvidos. A magistratura de influência nestes casos particularmente insólitos não se fazem por telefone ou sms. A não ser que todos os órgãos de soberania portugueses desculpem todo o tipo de anormalidades democráticas deste local exótico. Mais. O que falta assumir, quer pelo Representante da República, quer pelo Presidente da República, são os maus sinais que sempre deram de condescendência às espeficidades democráticas da Madeira. Esta Região é sempre tratada como um embaraço varrido para debaixo do tapete.
O sinal que ambos deram na última visita presidencial deste ano, perante o achincalhamento de Jardim à Assembleia, encaixa-se perfeitamente nas suas actuações hipócritas destes últimos acontecimentos.
São agentes cúmplices do desrespeito constitucional, perante a gritante ilegalidade provocada.
O poder moderador presidencial, na prossecução da garantia do bom funcionamento institucional não foi assegurado.
Por muito menos o mesmo Presidente da República discursou ao país, a propósito do esvaziamento dos poderes presidenciais aquando do novo projecto do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. E agora sr. Presidente? Precisará de vir novamente à Madeira e presenciar alguma sessão com o tal "bando de loucos"? Ou ainda vai recebê-los num hotel? Se for em Belém, assegure-se que vão com aquela camisa-de-forças!

Anônimo disse...

Senhor Bernardino da Purificação

Diz o Senhor, e bem:

"(...)que o Presidente da República não devia (...)ficar calado."

Não devia ficar calado e, usando os seus poderes constitucionais, (que tanto parece prezar, como se viu no veto ao Estatuto dos Açores)tomar as decisões que trinta anos de puro arbítrio, bem como os recentes atropelos à Lei, tornaram inadiáveis e imperativas.
Para além da adequada medida,propriamente dita,não perderia a oportunidade para, usando a sua Magistratura de Influência, alertar o Eleitorado Madeirense para a grande responsabilidade cívica que a escolha democrática encerra.

Devia ter falado, devia ter agido.

Não agiu e, para dizer o que disse, mais valia ter ficado calado.

"Tornou-se, objectivamente,cúmplice do desmando,dando um público sinal de que a esta gente tudo é permitido."

Queira aceitar os meus melhores cumprimentos pelo elevado e cuidado nível dos seus escritos.

amsf disse...

AJJ incentiva a população a perseguir a oposição e depois diz que não têm nada a ver com o assunto como no caso do deputado Coelho, agredido por um "levadeiro" - agora condenado - supostamente a mando do Savino!