quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Fumos e outros devaneios

Primeiro o registo de interesses. Fumei furiosamente durante duas ou três décadas. E abandonei o vício quando muito bem quis e me apeteceu. Não precisei de nenhuma lei para me impor a abstinência. O que quer dizer que não precisei que o estado decidisse por mim o que só a mim dizia respeito. Fui um fumador inveterado. Sou agora um aliviado abstinente. Porém, agora como no passado orgulho-me de ser um liberal puro e duro em matéria de costumes. Não permito que o estado me substitua nas decisões de ordem pessoal que eu quiser tomar.
Dito isto, devo confessar que sou solidário tanto com os que fumam como com os que não fumam. Acho que os primeiros devem poder fazê-lo porque sim. Considero que os segundos têm o direito de respirar um ar despoluído. Onde é que deve entrar o estado? Aqui precisamente: na zona em que os dois direitos podem e devem harmonizar-se.
Ignoro quantas pessoas fumam neste país. E nem sequer me interessa quanto é que o estado cobra a título de imposto sobre o consumo do tabaco, a despeito de imaginar que a expressão numérica da taxa pode eventualmente oferecer-nos uma amostra devidamente quantificada da hipocrisia tabágica estatal. Porém, hipocrisias à parte, não posso deixar de pensar que o estado só deveria ir neste caso até ao ponto em que os direitos de uns começassem a conflituar com os direitos dos outros.
Eu sei que é mais fácil esgrimir princípios do que descer ao terreno das coisas práticas. Não obstante, não consigo deixar de pensar que o proibicionismo por decreto é coisa detestável. Mas isto, insisto, há-de ser a minha costela liberal a protestar.
O que quero dizer, afinal é tão só o seguinte: acho ridículo, estapafúrdio, e tendencialmente fascista, que o estado central considere que tem o direito de regular o ritmo a que os fumadores devem envenenar os seus próprios pulmões; do mesmo modo, acho risível, disparatado, e sucedanemente totalitário, que o direito regional considere ter o direito de avocar a prerrogativa de se opor ao proibicionismo estatal, até porque um disparate nunca deve curar-se com outro disparate. De modos que, bem vistas as coisas, são todos iguais: enquanto uns querem controlar os nossos vícios assim, os outros pretendem controlá-los assado. Mas em todos eles a palavra controlo está lá a atestar a deriva higienista em que a política se transformou.
Divirto-me, pois, com os cuidados sanitários dos nossos legisladores. Do mesmo modo que me diverte o zelo do órgão fiscalizador da legalidade das nossas leis. Porque não consigo deixar de pensar que o estado preocupa-se com o tabaco que uns quantos fumam enquanto o país se revolve numa crise complicada. Porque não consigo deixar de espantar-me com o facto de a Madeira governamental se rebelar contra uma lei idiota sem cuidar de reparar que incorre em igual idiotia. E porque não consigo reprimir um frémito de espanto e de gozo perante o zelo escrupuloso de uns quantos vetustos senhores de toga envergada que consomem dias inteiros dos nossos impostos à caça de uma inconstitucionalidadezita qualquer na lei regional sobre o consumo do tabaco em locais públicos. Valha-nos Nossa Senhora, bem como todos os santos do bom senso que, pelos vistos, andam zangados com os legisladores da República e da Região!
Bernardino da Purificação

Post Scriptum
Prometo voltar ao tema. Por agora fica esta nota que um comentário recente me suscita. O dr. Cunha, mais a seita que o rodeia, vai construir uma dessalinizadora exclusiva do golfe do Porto Santo. Com ele é assim. As coisas que faz são um fiasco do ponto de vista dos resultados financeiros, e ele, intrépido, tenta mascarar a coisa com mais umas pazadas de dinheiro em cima. Se o dito fosse dele, o problema não nos diria respeito. Mas não é. E alguém tem de começar a pôr cobro ao desvario. Senão, qualquer dia, o cavalheiro sai pela direita baixa e deixa um monte de dívidas aos outros. Sugere-se, pois, uma investigação. É que não acredito que estejamos só perante um caso de incompetência e megalómano devaneio. Se calhar é mais qualquer coisa.

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