segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O couraçado à deriva

Como se esperava, o dr. Jardim saltou de imediato a terreiro. Conseguiu, é certo, sufocar os sinais exteriores e habitualmente histriónicos da sua irritação. Mas ficou-se por aí o seu esforço de contenção, que ninguém pode pedir a Jardim que deixe de ser Jardim.
O caso, já se vê, tem que ver com as suspeitas de que o Marítimo SAD anda a contas com a suspeita da prática de fraude fiscal. O dr. Jardim foi instado a pronunciar-se sobre o assunto. E, como é seu hábito, em vez de manifestar desconforto relativamente ao teor das notícias, resolveu arremeter contra os divulgadores dessas mesmas notícias. Nada, enfim, que não se esperasse já.
Quer dizer. Para o dr. Jardim, quem dá mau nome à terra e merece censura não é quem é suspeito de ter prevaricado. É quem se limita a dar conta dessa suspeita. O problema, para ele, não é o teor a mensagem. É, sim, a identidade do mensageiro. Clássico. Atitudes destas fortalecem o espírito de seita. Vão perguntar à Cosa Nostra e logo verão se não é assim.
É claro que, como todos nós, o dr. Jardim também erra. E, neste caso concreto, sua excelência cometeu o erro de se esquecer de mandar toda a gente ficar calada. Se calhar pensou que os seus administradores da direcção regional do futebol profissional, que é o Marítimo SAD, haveriam de saber que, até nestes casos, o segredo é a alma do negócio. Enganou-se, pois então. Porque o que eles sabem mesmo é que é preciso salvar a pele. Mesmo que tenham de se entalar alegremente uns aos outros.
Não fosse esta uma terra sui generis e certamente que as revelações de Carlos Pereira haveriam de ter consequências. E houvesse entre nós uma oposição a sério, diligente e atenta, mais uma comunicação social livre e descomprometida, e logo veríamos se as revelações do presidente Pereira (o que chefia a direcção regional atrás referida) se perderiam no esquecimento.
O que foi que ele disse? Só e apenas isto. Quem trata das contas da SAD é um tal Rui Nóbrega. Quem o nomeou administrador foi o Governo Regional. E quem faz a contabilidade da SAD é uma empresa pertencente a um familiar do dito cujo. Pouca coisa, como se vê.
Carlos Pereira não ignora que estas suas revelações não o desresponsabilizam. O mais que fazem é dar conta de cumplicidades políticas ao mais alto nível do governo da Região. Mas, se fosse mais atento, saberia com certeza que um administrador nomeado pelo governo é um gestor público. Saberia também que os gestores públicos estão obrigados por lei a um conjunto de deveres, entre os quais se inclui a obrigação de se nortearem sempre pelo respeito e salvaguarda do interesse público. Saberia ainda que os gestores públicos estão legalmente inibidos de contratarem serviços a empresas de familiares. E haveria de saber igualmente que um gestor público tem o dever de exercer as suas funções em regime de exclusividade.
Carlos Pereira saberia tudo isto, se porventura o respeito da lei fosse coisa que o motivasse. Assim como o saberia a oposição. Do mesmo modo que o saberia a comunicação dita social.
Ora, o que é que desde há muito se sabe, a propósito do gestor público Rui Nóbrega? Pertence ao quadro da Direcção de Finanças. Administra a SAD do Marítimo e, de caminho, contrata os serviços de uma empresa de contabilidade do irmão. Acumula as funções na SAD com as de gestor igualmente público do Jornal da Madeira. Sendo que aqui os serviços contratados são os de fornecimento e manutenção de ares condicionados a uma empresa de um outro dos seus manos, se calhar por causa dos calores. E apesar de a lei vedar aos gestores públicos a utilização de despesas confidenciais e de outros expedientes similares, li algures que o cavalheiro em questão, por sinal esposo de uma por certo meritíssima juíza, utilizava, ou utiliza ainda, um cartão de crédito e de débito do mais que falido e agonizante jornal.
Mas numa coisa Carlos Pereira tem razão. O dr. Jardim não pode fazer de conta de que não sabe nada disto. Não só sabe, como apadrinha esta teia que começa agora a ser puxada. De maneira que estará sempre condenado a arremeter contra os mensageiros na tentativa desesperada de blindar o sistema. O pior é que o dito já mete água por tudo quanto é sítio.
Bernardino da Purificação

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