Como é de todos conhecido, o nosso estimado governo mantém ligações no mínimo perigosas ao obscuro mundo do futebol. O facto, devo dizê-lo, sempre me fez espécie. Não só não percebo o que é que a Região, no seu conjunto, ganha com isso, como não há maneira de conseguir entender que superior interesse político se pretende alcançar com tais ligações.
Dir-se-á que o fogo da paixão clubística é capaz de garantir alguns votos. Duvido. É que, para além da imoralidade política da coisa, sinceramente não acredito que o dr. Jardim algum dia pensasse em entregar nas mãos do senhor Pereira a responsabilidade de traduzir em votos fidelizados ou conquistados o avultado esforço financeiro que o orçamento da Região tem de fazer todos os anos, por via da participação da RAM no Marítimo SAD. E nem me passa pela cabeça admitir que o dr. Jardim possa aceitar de bom grado fazer depender a sua política de intervenção no mundo da bola num remate que sai torto ou numa bola que vai ao poste.
É verdade que, volta e meia, sua excelência não consegue refrear o impulso que o leva a explicar-nos como é que, de acordo com o seu elevado entendimento de expert, o Marítimo deve ou não organizar-se em campo. E até acredito que ele acredite que as pérolas de sapiência estratégico-táctica com que nos brinda sejam dignas de um verdadeiro compêndio da bola. Não obstante, e ainda que isso indicie que o outrora apelidado "maior das ilhas" já não passa, para o dr. Jardim, de uma espécie de direcção regional dos assuntos futebolísticos, não deixa de me fazer confusão esta teimosia politicamente irracional que consiste em manter a Madeira e os madeirenses atrelados a um sub-mundo mais ou menos expurgado de práticas sãs.
Em texto recente, salientei fugazmente o facto, a propósito dessa escandalosa novela a que, com assinalável estridência, se deu o nome de "apito dourado". Nessa altura nem me passava pela cabeça o teor de uma mensagem electrónica que um solícito e bem informado anónimo me iria enviar. E se é verdade que a dita mensagem nada diz quanto a eventuais envolvimentos da equipa madeirense em apitos coloridos ou em outras coisas quejandas, ela é, todavia, pródiga na referência a factos aparentemente envolvidos em alguma nebulosidade.
Antes de continuar, um esclarecimento. Interessa-me pouco, ou nada, a identidade desconhecida de um qualquer mensageiro. O que verdadeiramente para mim conta é a qualidade substantiva da mensagem. É por isso que aqui a refiro. Depois, é claro, de ter certificado a verdade dos factos que nela são referidos. Eis, pois, a síntese do que me foi dito na mensagem referida:
a) facto 1 - até à constituição da SAD, o Marítimo teve sempre a dirigir o conselho fiscal um alto funcionário da direcção de Finanças do Funchal.
b) facto 2 - uma vez que a lei constitutiva das sociedades anónimas desportivas responsabiliza solidariamente todos os órgãos sociais nos resultados e nas práticas da gestão, o ex-presidente do conselho fiscal do Marítimo resolveu sair da cena. Ele lá saberá o porquê de tão dolorosa decisão, dado o seu conhecido fervor maritimista.
c) facto 3 - constituída a SAD, o Governo fez-se representar na administração do Marítimo por outro funcionário de Finanças, entretanto requisitado à direcção do Funchal.
d) facto 4 - o dito funcionário de Finanças exerce actualmente funções de director financeiro do Marítimo SAD.
e) facto 5 - simultâneamente, é, por nomeação governamental, presidente do conselho de administração de uma empresa pública regional.
f) facto 6 - a lei veda expressamente aos gestores públicos a possibilidade de acumulação de funções, remuneradas ou não, em quaisquer outras empresas, privadas ou públicas.
g) facto 7 - não obstante, e sem que nada o justifique, a não ser a conveniência governamental, a acumulação de funções mantém-se há vários anos por parte do dito funcionário de Finanças requisitado.
Ora, bem. Sendo tudo isto matéria factual de fácil comprovação, há questões para as quais parecem faltar respostas. Em primeiro lugar, importa saber que raio de fascínio é este que o Marítimo parece ter por funcionários de Finanças. E, correlativamente, interessa do mesmo modo saber que diabo de atracção é esta que os funcionários de Finanças têm pelo Marítimo. Até porque vão ao ponto, uma e outro, de atropelar preceitos legais prescritos tanto no Estatuto do Gestor Público, como na Lei de impedimentos dos titulares de cargos políticos e funções equiparadas.
Eu detesto agitar suspeitas. Mas uma vez que estamos a falar da gestão de dinheiros públicos e de eventuais atropelos à lei por parte de um órgão (o governo da Região) que age administrativa e políticamente em nosso nome, julgo ser pertinente colocar estas questões. Até para podermos ficar absolutamente tranquilos de que nada de estranho se esconde por detrás de factos que parecem indiciar coisa diferente. De maneira que se alguém quiser fazer o favor de lhes dar as devidas respostas, a gente até agradecia.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Ainda bem que volta a tocar no assunto.Como se vê,"eles comem tudo,eles comen tudo e não deixam nada",é como Deus,estão em toda a parte .
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