terça-feira, 10 de junho de 2008

Entre o caçoar e o caçuar

O dr. Jardim diverte-se à grande. O salário do seu povo já esticou para alem do possível, e ele ri-se. O desemprego vai paulatinamente subindo, e ele gargalha. Os preços disparam, por causa do custo das operações portuárias e dos fretes, e ele agita-se de gozo. Os combustíveis andam pelas horas da morte, porque sua excelência não abdica da receita fiscal que lhe vai dando para mais um lugar de baixo destruído ou mais um parque empresarial convertido em campo de pasto, e ele rebola-se de diversão na permanente paródia em que vive. Um verdadeiro peste, é o que ele é. A malta com dificuldades, a pobreza a subir e a desigualdade a aumentar, e ele continuamente perdido nas suas congeminacões humorísticas. Porque para ele a vida é uma festa. E a política não passa de um mero espaço cénico (tal como diz a epígrafe deste blogue) para as suas excêntricas representações.
Perguntarão: afinal, o que e que o homem fez desta vez, já que, a bem dizer, mal o ouvimos e mal lhe pomos a vista em cima, tão entretido que anda, semana sim, semana não, nas suas agradáveis excursões europeias de carácter lúdico-politico? Ok. Porque a pergunta é boa (como são, aliás, todas as perguntas, mesmo as que possam ter uma resposta óbvia), passo então a explicar.
Depois da ultima reunião da comissão política do seu partido, o dr. Jardim fez um anuncio solene aos madeirenses. As próximas eleições legislativas nacionais, disse sua excelência, serão um plebiscito centrado na pertinentíssima questão da ampliação do poder legislativo da Assembleia Regional. Um pouco à semelhança, explicou, do que aconteceu com as últimas eleições regionais (as tais antecipadas que só produziram atrasos e mais atrasos, e adiamentos e mais adiamentos) em que, conforme lembrou, o povo da madeira plebiscitou a lei de finanças regionais.
Onde é que está o gozo nisto? Pensem comigo. Há trinta e tal anos que se sabe que qualquer eleição é um plebiscito para o dr. Jardim. É essa a sua forma de fazer política. É essa, aliás, a escola onde aprendeu as primeiras letras do abecedário político. Salazar e Caetano (para falar só dos portugueses que inspiraram o dr. Jardim) tinham das eleições exactamente o mesmo entendimento instrumental. De maneira que o dr. Jardim não precisava sequer de dar mais explicações. As próximas eleições serão um plebiscito, porque sim, ponto. Como foram as últimas e todas as outras que as antecederam. E como serão as próximas e as que virão a seguir às próximas. Sem mais justificações ou explicações. Porque é assim que o dr. Jardim quer. Porque o verdadeiro objecto do plebiscito é sempre ele e só ele. E porque, como já todos percebemos, o dr. Jardim não se arrisca a plebiscitar coisas tão práticas como um verdadeiro programa de governo.
Esgota-se nisto o gozo de sua excelência? Não, claro que não. Ele diverte-se, é verdade, a fazer de conta de que é assim uma espécie de De Gaulle de trazer por casa. Mas a sua paródia vai muito para além disso. Vai até ao ponto, imagine-se, de embaraçar os peões que lhe aparam o jogo. Ora imagine-se o desgraçado do dr. Guilherme a andar de porta em porta, de tasca em tasca, de igreja em igreja, na cidade e no campo, a explicar aos eleitores que é muito importante para a vida deles dar mais poderes legislativos ao bando de loucos que habita politicamente a Assembleia Legislativa. Dá vontade rir, não dá? É quase maldade de menino traquinas, não é? Mas procurem levar a imaginação um pouco mais longe. E imaginem o dr. Brazão, o dr. Jardim Ramos, o empresário-deputado Jaime Ramos, o dr. Cunha dos parques e dos lugares de baixo em ruína, bem como toda aquela oleada e polida frente armada que o dr. Jardim costuma lançar para a linha da frente das batalhas eleitorais, a fazer o mesmo, isto é, a explicar à malta que o desemprego aumenta porque a assembleia precisa de mais poderes, que a pobreza galopa porque o Terreiro do Paço estrangula o parlamento regional, e que a economia fenece porque na Avenida do Mar há gente que não tem os suficientes instrumentos de trabalho.
Estão a ver a cena? Então admitam: não é mesmo de ir às lágrimas de tanto gozo? Um peste, em suma. E só não digo que o dr. Jardim adora caçoar connosco porque nunca consegui descobrir se a grafia da palavra é essa, ou se, ao contrário, ela se escreve com "u" e não com "o" (às tantas, as duas grafias estão certas). Mas que apetecia, lá isso apetecia. Porque, afinal, nenhuma outra exprime tão bem aquilo que o dr. Jardim passa a vida a fazer connosco.
Bernardino da Purificação

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