Gosto da ordem. Prefiro-a, de longe, à bagunça premeditada ou à desordem organizada. E, como certamente acontece com praticamente toda a gente, faço questão de sublinhar que me agrada particularmente saber que as instituições democráticas funcionam, e que, mais do que isso, se dão ao respeito e são respeitadas.
Abomino, porém, que a ordem se pratique à martelada ou se imponha pela via da força. E detesto saber que uma instituição qualquer possa dar-se ao desplante de pensar que consegue o respeito dos cidadãos que serve sem curar de se dar previamente ao respeito.
Falo do parlamento madeirense, pois então. Porque, sem surpresa, fiquei a saber hoje que, por obra e graça do PSD e do PP, a polícia poderá passar a entrar na Assembleia para pôr na ordem os senhores deputados que se portam mal. Sendo que o critério de aferição das boas maneiras parlamentares repousa no arbítrio de sua excelência o senhor presidente da Assembleia Legislativa, o tal que é eleito anualmente por ordem expressa, e às vezes explícita, do excelentíssimo senhor presidente do governo regional.
Ou seja, o regime acaba de dar mostras de que entende que a censura política já não é suficiente para se condenar a indigência atávica ou premeditada de alguns deputados mais radicais. Não. Agora é necessária também a intervenção das forças da ordem. E amanhã, quem sabe, há-de ser preciso levar a tribunal aqueles que ousarem transgredir as regras que em cada momento possam dar jeito à maioria que nos manda.
Quer dizer: a corporação dos senhores deputados foi capaz de engendrar para si própria um sistema de imunidades absolutamente imoral. Mas quando lhe aparece pela frente alguém com falta de jeito e ausência de pachorra para actuar de acordo com os pactos corporativos que os nossos representantes entre si estabelecem, aí soam de imediato os alarmes. E o resultado é o que atrás se descreveu: a ordem à paulada, seja pela via da intervenção da polícia, seja pela tentativa de criminalização da conduta política pura de gosto duvidoso.
Todos sabemos que este entendimento proto-fascista decorre do tal incidente do relógio de cozinha protagonizado pelo senhor deputado do PND. O problema é que nenhum de nós sabe, nem nós nem os cavalheiros que dizem que nos representam, que tipo de condutas em concreto poderão merecer no futuro a mimosa intervenção da polícia de segurança pública. E isso é preocupante. Porque na falta de um rol de condutas proscritas ou a proscrever (cuja extensão só poderia ser equivalente ao delírio de quem queira dar-se ao favor de imaginá-lo), o que acabará por prevalecer há-de ser sempre a soberana vontade de quem estiver a dirigir os trabalhos parlamentares. E isso, reconheça-se, não deixa de ser politicamente inquietante e, em consequência, democraticamente intolerável.
Mas, enfim. A oposição está a partir de agora refém dos humores de uma maioria agora ampliada por via da solícita adesivagem do PP. E eu estou à vontade para dizê-lo, até porque não me coibi de aqui criticar certas condutas políticas. Como? Dizem-me que ninguém é refém dos humores, mas sim, e só, do bom senso? Mas como é que pode ter bom senso quem não é capaz de revelar primeiro um simples módico do dito (democrático, entenda-se)?
Bernardino da Purificação
3 comentários:
Será que teremos a oportunidade de ver as "forças repressivas colonialistas", segundo palavras do AJJ, ao serviço da nossa evoluida autonomia democrática!? Gostaria de ver...tal significaria o cair da máscara perantante uma parte da opinião pública. Uma pequena parte diga-se de passagem pois até no antigo regime, ao contrário do que se possa pensar, a opinião pública, apesar de tudo, estava com o regime!
Afinal o tal identificado de anónimo "amsf" não gosta do seu "Mugabe Jardim" ?
Será pelo verdadeiro "Mugabe" ter-se submetido a 2ª volta, a qual ganhou com percentagem superior ao seu "Jardim" ?
Verdadeiramente sem palavras, melhor dizendo, só na Madeira, conforme se diz no Continente Português.
Então a "Casa da Autonomia" agora é defendida pelas forças da República...?
SOCORRO a todos aqueles que ainda se mantêm aptos a gerir os seus legitimos interesses...!
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