Suponho que não erro se disser que um dia destes vai recomeçar a discussão política sobre essa estranhíssima entidade que dá pelo nome de representante da República. É claro que hão-de passar o Chão da Lagoa e o Verão. Mas, logo depois, é certo e sabido que as forças políticas regionais vão tratar de começar a medir o pulso uns aos outros na perspectiva da próxima revisão constitucional.
O dr. Jardim já fez saber que o PSD tenciona dramatizar politicamente a questão do poder legislativo do parlamento madeirense. Basta isso para se perceber que essa discussão terá que ter no seu centro o Palácio de São Lourenço. A menos, claro está, que todos resolvam fazer de conta que não percebem que uma tal discussão não pode passar ao lado nem do problema da fiscalização preventiva dos diplomas legislativos ou regulamentares regionais nem da controversa questão do estatuto do representante da República.
Porque gosto de deixar as coisas claras, e a título de declaração de interesses, declaro desde já que entendo que a autonomia constitucional portuguesa deve evoluir no sentido da consagração do mecanismo da fiscalização sucessiva como único instrumento de controlo da legalidade e conformidade constitucional das leis regionais. A fiscalização preventiva constitui, no meu modestíssimo entendimento de leigo, uma intromissão preconceituosa e indesejável na nossa capacidade de legislar sobre as questões que nos dizem respeito. Deveria por isso deixar de ser possível. Em conformidade, entendo que deve ser pura e simplesmente extinto qualquer cargo que tenha sido criado para esse efeito.
Esclarecido este ponto, quero apontar o dedo a todos os que, no próximo processo de revisão constitucional, nos vierem vender de novo a ideia de que temos vindo a evoluir em matéria de autonomia política por via da criação mais ou menos paliativa de sucedâneos do entretanto extinto, embora não inteiramente finado, ministro da República. Receio bem que isso possa voltar a acontecer. Pelo menos, a avaliar pelas indicações do passado recente.
Repare-se. Até os mais encarniçados autonomistas do PSD foram capazes de nos vender a ideia de que a extinção do cargo de ministro da República, e a sua substituição pelo cargo actual de representante da República, constituiu um passo adiante em matéria de autonomia. E nós, claro, acreditámos. Porque quem o dizia era gente insuspeita em matéria de fervor autonómico. E porque se fez criar a ideia de que o único problema da existência de um tal cargo decorria do facto de ele parecer estar ligado a uma concepção mais ou menos soberanista e reservada das autonomias insulares.
Como não há estudos nem opinião no espaço exterior aos partidos, poucos terão reparado que a emenda feita é potencialmente pior do que o soneto emendado. E praticamente ninguém notou que a designação representante da República é muito mais pesada politicamente do que a entidade que veio substituir.
Repare-se. Quem representa a República representa necessariamente todos os portugueses, madeirenses naturalmente incluídos. E representa por isso a Autonomia que temos, a legalidade democrática em que vivemos, bem como todo o quadro de direitos e valores inerentes à dignidade de que somos portadores enquanto cidadãos e pessoas.
Isto quer dizer que, em matéria de representação, os madeirenses e açorianos são representados não apenas pelos órgãos políticos que directamente elegem (nacionais e regionais), mas também por um órgão investido de uma função política fiscalizadora. Assim uma espécie de provedor autonómico mais ou menos envergonhado.
Dir-se-á que essa fiscalização tem limites definidos pela lei. Mas será que os tem mesmo? E se um dia o representante da República (logo, também dos madeirenses) decide que pode ter uma interpretação lata, extensiva e transversal dos limites da Autonomia e dos interesses dos cidadãos portugueses da Madeira? Se tal acontecesse, não poderíamos chegar a um ponto de atrito ou de impasse institucional que o país e a coesão nacional seguramente dispensariam? Receio sinceramente que sim, sem prejuízo de aqui dever reiterar (o que faço com toda a humildade) a minha evidente condição de leigo numa matéria que, infelizmente, continua na disponibilidade exclusiva dos partidos.
O problema destas coisas, de facto, é que na Madeira não há um único fórum, uma única sede (fora do quadro dos partidos, insisto) que aprofunde ou investigue estas matérias. O que quer dizer que a sociedade civil madeirense vai andando continuamente ao jeito de todos os embustes que até os autonomistas empedernidos periodicamente lhe servem. Como vai com certeza verificar-se mais uma vez quando, lá para depois do Verão, se começar a discutir de novo a evolução e limites constitucionais da Autonomia.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Tá visto que a oposição que temos não dá conta do recado.Por vezes aparecem grupos de cidadãos intitulados de independentes,mas a sua vida tem sido efémera,Contra este poder instituído,só mesmo se aparecesse (qual D.Sebastão) algúem com punjança e sem medo de enfrentar o chefe Albertinho,o regime e não ter receio de ser enxovalhado na praça pública , ser detentor de uma liderança e projecto politico novo e de alternativa que congregasse todos os que anseiam por uma verdadeira alternativa democrática e fim deste regime de comunismo branco em que vivemos na Madeira.Cumprimentos.Bem haja!
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