Todos os sinais indicam que no próximo ano assistiremos no país à emergência recauchutada de um novo bloco central. Ninguém conseguirá provavelmente uma maioria absoluta. De maneira que, às dificuldades decorrentes da conjuntura económica, somar-se-ão com certeza problemas de governabilidade e estabilidade política. Mesmo admitindo que o PS ganha as eleições, não é crível que possa fazer uma coligação com o BE. A relação crispada entre ambos e a natureza que o Bloco tem de partido de protesto inviabilizam à partida uma tal possibilidade. À esquerda fica então a sobrar o PCP. Mas como o socrático PS não há-de querer assustar o eleitorado do centro, uma coligação com os comunistas estará, também ela, descartada à partida. Mesmo considerando que um eventual entendimento político com o partido de Jerónimo poderia trazer como bónus o fim das acções de rua que ameaçam exaurir o moral das tropas socialistas. Restam assim os partidos situados à direita. Ora, destes, só o PSD estará em condições de oferecer garantias de estabilidade, tanto por razões de aritmética política, como por razões de contiguidade ideológica e programática com o PS actual. Alguns factos folclóricos recentes, tais como os artigos assassinos de Mário Soares ou o contravapor da súbita exaltação poético-esquerdista do camarada Manuel Alegre, são a prova provada dos incómodos que uma tal proximidade já começa a provocar.
Não sendo adepto de blocos centrais ou de coisas quejandas, confesso que o cenário está longe de me agradar. Até porque não ignoro que, no simplismo redutor, porém operativo, de uma grelha de análise marxista, ele não seria mais do que a projecção na superestrutura política do que, em bom rigor, há muito se passa ao nível da infraestrutura económica que efectivamente conta. A promiscuidade entre a política e o mundo dos negócios não é de todo uma coisa que me atraia. E a ameaça de que essa promiscuidade pode um dia ganhar uma expressão institucionalmente legitimada só pode causar-me urticária. Não obstante, é esse o cenário político que se prefigura. Salvo, é claro, qualquer incidência mais ou menos imprevisível que neste momento, e por falta de informação, não seja possível ponderar.
O que é que a política da Madeira tem que ver com isso? Tudo, como é evidente. Não apenas porque, como dizem os teóricos, toda a política é política local. Mas sobretudo pelo gozo que nos haveriam de dar os embaraços que um bloco central em Lisboa certamente traria às direcções regionais do PSD e do PS, e pelo fôlego autonomista que as restantes forças políticas poderiam colher desse quadro, se porventura o quisessem aproveitar.
Tudo isto dito, devo confessar que compreendo mal que o dr. Jardim pareça inclinado a nem sequer pôr os pés no congresso nacional do PSD. Seria ali, e não no recato de outro sítio qualquer, que ele encontraria o palanque adequado para dizer ao partido e ao país o que pensa de soluções políticas do tipo bloco central. Sabe-se, é claro, que ele se diz contra. Só que pensar ou dizer é facílimo. Coisa diferente é aceitar as consequências de uma vinculação pública a tudo o que se diga ou pense. Ora, Jardim sabe que não há nada mais politicamente relevante e vinculativo do que uma posição assumida na solenidade de um congresso. Sobretudo se essa posição for contrária à corrente dominante, como seria certamente o caso.
O dr. Jardim está entalado, em suma. É contra a constituição de um bloco central. Sabe que o assunto vai estar em cima da mesa no próximo congresso, até por causa da próxima revisão constitucional (o PSD está num ponto em que nem tem força sequer para assumir-se como minoria de bloqueio). Porém, não lhe dá jeito ir lá dizer o que inequivocamente pensa, porque não ignora que isso ficaria devidamente registado para memória futura. E o futuro, toda a gente o sabe, é algo que assusta os políticos. Sobretudo os que, como Jardim, só sabem e ousam gerir o presente.
Bernardino da Purificação
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