O dr. Jardim, que não é separatista, lamenta hoje em artigo de jornal que, na Madeira, o Estado português só existe com as suas proibições, com as forças militares, as polícias, os tribunais e uma fiscalização apertada da produção legislativa regional.
O dr. Jardim, se fosse separatista, não lamentaria seguramente coisa diferente. Ficaria maçado com os limites legais ao seu quase poder absoluto. Sentir-se-ia desconfortável com a presença no território de um exército de ocupação. Desesperaria por não poder dar ordens directas às forças que nos asseguram a ordem pública. Guincharia de irritação por não ter nas mãos o poder de nomear e condicionar juízes e procuradores. E, em nome do seu povo, haveria de fazer da cruzada contra a compressão constitucional do poder legislativo da assembleia regional a luta da sua vida.
Fico satisfeito pelo facto de o dr. Jardim não ser separatista. Por ele, desde logo. Não há nada que me faça mais infeliz na vida do que ver políticos em perpétuos estados de alma. Mas também por mim, permitam-me que confesse. Porque, sinceramente, sinto um arrepio só de imaginar que teria de zarpar da minha terra se um dr. Jardim qualquer (este ou outro que por aí venha num futuro mais ou menos longínquo) pudesse mandar um dia nas polícias e na tropa, nos acusadores públicos e nos juízes, e pudesse ter nas suas soberanas mãos o poder de legislar a gosto de um qualquer freguês de circunstância.
Leve-se, portanto, à guisa de acto falhado ou de mero desabafo o lamento do dr. Jardim. O que ele, no fundo, pretende dizer é que as fardas e as togas exercem sobre ele um fascínio que vem de outros tempos. Ou, dito de outro modo, o texto que hoje li no JM não é propriamente da autoria do político que dizem que nos governa. É do militar angustiado que serviu heroicamente a pátria na secretária dos bravos. Mas é também do advogado ou do magistrado frustrado que um dia, por razões de urbaníssima sobrevivência, se desviou da vocação sonhada porque um tio rico lhe cometeu a maldade (se calhar, em virtude dos méritos observados) de ofertar uma vaquinha mimosa para que, de uma assentada, se pudesse fazer sócio e presidente da cooperativa agrícola do Funchal.
O mistério da vida tem destas coisas. A gente sabe que um dia nasce. Mas nunca ninguém há-de saber por que raio e por que artes um simples bovino ofertado, sobretudo se leiteiro, é assim tão capaz de nos conduzir o destino à revelia dos sonhos que temos. Ora, como é do domínio público, foi exactamente isso que aconteceu ao dr. Jardim, o jovem. De maneira que agora não espanta que o dr. Jardim, o velho, se não contente, em matéria de fardas, em só passar revista às paradas luzidias das nossas corporações de bombeiros, se não alegre, em matéria de togas, em só ter de passivamente acatar as decisões dos tribunais, e se não conforme, em matéria de leis regionais, com o controlo a meias que exerce sobre a Assembleia Legislativa com essa exótica figura que representa legalmente a República e não apenas o Estado.
Veja-se bem o que pode uma simples e pachorrenta vaquinha. E ainda há quem duvide da teoria e da força do acaso.
Bernardino da Purificação
2 comentários:
Por um lado simula junto do povo, e não só em artigos do JM, pena pelo Estado fazer tão pouco na Região Autónoma da Madeira por outro revela ambição em abocanhar essas mesmas supostas exíguas funções do Estado. Faz-me lembrar o povo laranja que simulando ignorância (!?) acusa a oposição de nada fazer pela Madeira mas ao mesmo tempo não vota de forma a que essa oposição tenha oportunidade de o fazer!
É triste como um povo é capaz de anular a sua inteligência crítica e deixar-se manipular desta forma por um demagogo!
O verdadeiro problema desta RAM, trata-se obviamente da reconhecida inimputabilidade politica do Dr. Jardim. Existe alguém que o ainda o leve a sério ?
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