Quem me tem dado o privilégio de frequentar este espaço já percebeu com certeza que ele está sobretudo vocacionado para o comentário político. Disse desde o início que me interessa muito mais a procura de linhas de análise da nossa realidade insular do que deter-me, em jeito de pura denúncia pública, no pequeno ou médio escândalo presente ou passado. Tenciono manter essa linha de orientação. Como não tenho contas a ajustar com ninguém, sinto-me totalmente disponível para o exercício de pensar. E daqui não pretendo sair. Sem embargo de não me sentir vinculado a nenhum dever de reserva ou a qualquer dever de sigilo, para além obviamente dos me forem ditados pela consciência.
Vem tudo isto a propósito do meu último texto. Porque o tema é candente, falei da política de preços em vigor na Região. E com o intuito de alargar o âmbito da reflexão que em muitos quadrantes vem sendo feita, aludi à questão concreta do preço dos lacticínios. Como não podia deixar de ser, toquei ao de leve na ILMA. Não apenas por ser uma empresa regional. Mas sobretudo pela forma como intervém no mercado.
Sem surpresa, notei que o facto desencadeou algumas reacções mais ou menos epidérmicas. Umas de agastamento. Outras de incredulidade. Maça-me pouco, devo dizê-lo, que assim tenha acontecido. Porém, umas e outras interpelam-me a voltar ao tema. O que farei com intuitos explicativos e com a ressalva e cautelas acima expressas no intróito deste texto.
Não há muitos anos, a LIDL manifestou a intenção de se instalar na Madeira com cinco ou seis lojas. Responsáveis da empresa mantiveram contactos preliminares com membros do governo regional. E, face aos sinais positivos que numa primeira fase receberam, começaram a procurar terrenos disponíveis para a instalação dessas lojas. Como vivemos num meio pequeno, a notícia prontamente se espalhou. E como somos todos muito liberais mas no fundo execramos o comércio livre, rapidamente se iniciou a formação de uma espécie de sindicato anti-LIDL. E é aqui que entra a ILMA.
O que se passou foi tão só o seguinte: esta empresa madeirense de produção subsidiada sentiu-se ameaçada pela capacidade da empresa alemã de colocar na Madeira lacticínios a preços competitivos; uma outra achou que as suas cervejas poderiam perder face às que pudessem vir da Alemanha; e duas ou três outras recearam que a racionalidade da gestão desse grande e inesperado "perigo" alemão pudesse pôr em causa a posição que ocupam no nosso mercado.
Unido por tão meritórios propósitos, o sindicato em questão sentiu-se no dever de pressionar o governo. Em nome, é claro, dos interesses da economia e dos postos de trabalho da Madeira. E de tal forma o fizeram que, num ápice, as facilidades prometidas à LIDL transformaram-se em insuperáveis dificuldades. Até as leis de licenciamento de superfícies comerciais, veja-se bem, foram mudadas. Tudo com o objectivo de impedir a entrada em cena de um operador que trazia consigo a ameaça de um acentuado decréscimo de preços nalguns produtos de maior e mais necessário consumo.
É claro que o processo trouxe algumas dores: a LIDL queixou-se aos tribunais contra a Região; um seu intermediário ficou com dois ou três terrenos a arder nas mãos por se encontrar a eles amarrado por contratos-promessa de compra (qualquer coisa como meio milhão de contos); e o governo viu-se de repente confrontado com a necessidade de distribuir por aí algumas compensações.
Algumas dessas dores já foram resolvidas. Por exemplo, um dos terrenos que era para ser da LIDL - logo à descida do caminho das Virtudes, ali em São Martinho - tem tido honras de páginas e páginas de polémicas, por nele ter sido erguido, a custos controlados e com aquisição garantida por parte do IHM, um magnífico monumento habitacional que, segundo se diz, bateu o recorde mundial da aglomeração de pessoas por metro quadrado (para alívio e proveito do tal intermediário dos terrenos). E outros cuidados paliativos para algumas das citadas dores devem andar ainda a ser ensaiados sabe-se lá por quem.
O que é que a ILMA tem a ver com isto? Muito: não só fez parte desse tal intrépido sindicato, como em alguns aspectos o liderou. O que não admira, sabendo-se como se sabe que a empresa é dirigida por um assessor do vice-presidente do governo, o qual, como é público, tem a tutela da economia e a responsabilidade dos licenciamentos. Mas há mais. Por ter essa ligação privilegiada com quem pode definir as regras do jogo económico regional, a ILMA consegue a nada pequena proeza de fazer com que, no caso dos lacticínios, os preços que pratica sejam considerados preços de referência para o mercado. De maneira que quem quiser vender mais barato, arrisca-se a um processo ou a uma coima por dumping.
Um bocado sórdida, esta história? Talvez. Porém, verdadeira. Como quer que seja, e porque mesmo na blogosfera deve haver o sentido da responsabilidade, direi como o outro o seguinte: os factos aqui narrados são todos verdadeiros, menos os que o não forem. E assim ponho-me a coberto de maçadas para além de alguns, espero que passageiros, amuos.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Permenores interessantes! Com tanto estabelecimento comercial que surgiu posteriormente não percebo como é que, legalmente, o GR consegue impedir que o LIDL se instale na Madeira!
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