sábado, 3 de maio de 2008

O circo e a pirueta

Acho com franqueza que o dr. Jardim devia a si próprio uma outra atitude. Fico até impressionado com esta espécie de tendência suicidária que revela nesta última fase da sua vida política. Primeiro avançou de peito feito. Depois recuou tentando dar a ideia de que se tratava só de um compasso de espera. Mais tarde esbracejou. Pelo meio deixou subentidadas acusações de deslealdade a Santana Lopes. E agora, depois de prometer e jurar distância e recato, admite que é bem capaz de apoiar o dito e desleal Santana. Enfim, mais errático não podia ser o seu comportamento. E a gente fica sem saber se pura e simplesmente as qualidades políticas do homem se volatilizaram. Ou se tudo não passa de um qualquer número de uma arrevesada estratégia só ao alcance dos verdadeiros mestres da política.
Em qualquer dos casos, uma coisa parece certa: ninguém pode dizer que o dr. Jardim esteja a dar ao país uma imagem de consistência política. Bem pelo contrário. Porque não se pode dizer à segunda que é desta que se avança; à terça que, afinal, talvez não; à quarta de manhã que, bem vistas as coisas, o melhor é ficar por cá para não dividir o partido; à quarta à tarde que, afinal, as famigeradas e sacralizadas bases podem contar com ele; à quinta que, pensando bem, o partido não merece o seu sacrifício; à sexta que a dra. Manuela nem pense em ser líder se não tiver pelo menos cinquenta por cento dos votos; ao sábado que o dr. Santana é um rematado egoísta por passar o tempo nesta vida de eterno candidato a qualquer coisa, mesmo que no final seja candidato a coisa nenhuma; e ao domingo que, tudo devidamente ponderado, ainda admite candidatar-se, mas que se não o fizer, há-de dispensar o seu desinteressado apoio ao regresso dessa verdadeira pérola da política portuguesa que é o santanismo.
Convenhamos que para uma escassa semana é cá uma dose de piruetas que nos deixam quase sem fôlego só de observar... E mesmo que o circo sirva só para entreter a plateia e marcar uma posição, o que acabará por ficar na ideia de quem viu é que, nesta altura do campeonato, Jardim é um político que não sabe o que quer, que muda de convicção como quem muda de roupa interior, ou que está de tal maneira necessitado de surfar uma onda qualquer que já nem é capaz de acertar a bota com a perdigota.
É claro que ninguém leva a mal que o líder madeirense tenha tido necessidade de ir ajustando o discurso à forma como se iam apresentando as circunstâncias. Reconheça-se, porém, que poderia ter sido mais hábil. Sobretudo nesta manobra a propósito de um eventual apoio a Santana Lopes, que era para ser desde início, que passou depois a não ser, e que, sem a gente perceber porquê, voltou à primeira forma. A menos que aquilo que está em jogo nesta disputa interna seja de tal modo importante (até quase à transcendência) para o futuro imediato da política portuguesa que tenha valido a pena dar de novo ao sacrifício a consistência e a credibilidade política. É o que se verá nas próximas semanas. Só que, por agora, Jardim não se livra da impressão de que, pelo menos nesta fase, lhe falta em coragem o que lhe sobra em bazófia.
Bernardino da Purificação

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