Considero absolutamente refrescante surpreender um governante a dizer a verdade. E sinto-me verdadeiramente enternecido quando, para além de dizer a verdade, verifico que o dito governante se entrega a públicos exercícios de despojamento e humildade. Acreditem: em alturas assim não consigo travar um suspiro de apaziguamento interior. Porque são ocasiões como essas que me travam o cepticismo e põem de bem com a política.
Não é que geralmente considere que os governantes são um bando de mentirosos, para usar um substantivo colectivo tão do agrado de quem a gente sabe. Nada disso, creiam. Porém, a verdade é que também não penso o contrário, se é que me faço entender.
Vem tudo isto a propósito de quê? Eu explico: nem mais nem menos do que o artigo quinzenal de ontem do dr. Cunha e Silva, nosso ilustre vice-presidente, na revista do DN. E só pode pensar que exagero nos meus estados de alma quem não chegou a ler esse verdadeiro exercício de homenagem à verdade e de humilde entrega do seu a seu dono que constitui o magnífico texto com que nos brindou sua excelência.
O dr. Cunha escreveu desta vez sobre os parques empresariais. E fê-lo com um vigor tal que arrumou logo de entrada quem estivesse à espera ou do auto-elogio ou do discurso justificativo que é próprio dos governantes atormentados: os parques não foram invenção minha, jurou a pés juntos o nosso número dois. Porém, fui eu que os fiz. E eu, siderado, nem queria acreditar no que lia.
Quer dizer: o dr. Cunha, conforme ele próprio declara, foi um mero executor de um plano que o precedeu. E eu que pensava que a denominada Madeira Contemporânea tinha começado com a sua chegada ao poder...! Mas afinal, não: a coisa já vinha de trás, foram outros que a planearam. E foi preciso que saísse a terreiro o próprio dr. Cunha para ficarmos a saber que, contrariamente ao que muitos supunham, ele é muito mais homem de obrar do que homem de pensar.
Aliás, um pouco mais à frente no seu artigo, o dr. Cunha discorre sobre a enorme maçada que lhe têm dado os ditos parques. Pode crer: simpatizei de imediato com o seu esforço. Até porque, não havendo empresas para instalar, é preciso muito trabalho, uma enorme abnegação, e uma coragem ao alcance de poucos para ser capaz de mandar construir parques empresariais. Pois bem, fiquem a saber que o nosso dr. Cunha mandou. Antes mesmo, veja-se bem, e admirem, o homem de acção e obra que temos a dita de ter como vice(!!!), de os terrenos onde foram instalados os tais parques estarem devidamente registados e legalmente desembaraçados, situação, aliás, que ainda hoje perdura.
(Até me fez lembrar aquele autarca, homem também de um obrar constante, que queria mandar fazer uma ponte, e que teve a coragem de responder à medida aos maldizentes e invejosos que lhe observavam que não havia por ali nem ribeiro nem rio que a justificasse: faça-se a ponte que do ribeiro ou do rio um dia se há-de tratar! E assim nasceu uma ponte por cima de coisa nenhuma)
Bem haja, pois, dr. Cunha. Enquanto uns pensam, o senhor obra. Ora isso, a par da humilde sinceridade com que o reconhece, não está ao alcance de todos. Só receio que, por este andar, ainda acabe por levar a modéstia ao ponto de declarar, daqui a quinze dias, que também nada tem a ver com as Sociedades de Desenvolvimento. Mas seja qual for a verdade, faça-nos o favor: diga-a sem medos ou complexos. Até porque, bem vistas as coisas, todos temos os nossos lugares de baixo no currículo...
Permita-me, já agora, uma referência à pérola de erudição que escolheu desta vez para nos iluminar o espírito. Péguy foi o escolhido da quinzena. E, por seu intermédio, ficámos a saber que o cavalheiro em questão terá dito qualquer coisa como isto: "o grande capitão não é o que nunca foi vencido, mas o que se bate sempre". Gostei da escolha. Confesso é que fiquei sem perceber se vosselência nos está a dizer, ainda que com as palavras e pensamentos de outrem, que não é homem de fugir da luta, ou se está simplesmente a mandar uma boca ao nosso presidente que, como se sabe, anda para aí a ameaçar que vai à guerra, mas acaba por esconder-se em casa. Já agora, se quiser fazer o favor de esclarecer, a malta até agradecia...
Bernardino da Purificação
Um comentário:
LOL!!!
A verdade é que há mais gente a obrar do que a pensar!
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