O senhor representante da República voltou a dar pública nota da sua existência. Deu uma entrevista. Se não fossem estas ocasionais aparições mediáticas, o mais certo é que nunca déssemos por ele. Refiro-me, é claro, aos cidadãos comuns, que desconhecem de todo o frenético e patriótico frenesim (ainda bem que as redundâncias superlativam as coisas) do palácio de São Lourenço.
De maneira que sua excelência falou. Em boa hora: as saudades já apertavam. E apesar do seu manifesto e costumeiro esforço para não ir além da irrelevância substantiva, a sua entrevista de ontem ao DN merece (no máximo) dois ou três comentários.
Permitam-me, todavia, antes deles, uma espécie de declaração de interesses. Como tantos outros cidadãos desta terra, eu gosto muito do senhor representante. Já gostava, aliás, do ministro que foi, apesar de lhe reconhecer escassa ou nula necessidade institucional. Sempre que leio aquilo que diz, fico à espera das reacções que as suas palavras possam suscitar. E ainda que a indiferença generalizada não constitua prova provada de coisa nenhuma, não sou capaz de deixar de pensar que, na percepção da sociedade madeirense, o cargo de representante da República é mais ou menos visto como tendo uma importância meramente adjectiva. Não obstante, o senhor representante diz coisas. Sendo que algumas delas têm a particularidade de soar a coisa mal pensada.
Vejamos. Ao comentar a polémica sobre o parlamento que Jardim ateou na véspera da visita de Cavaco Silva à Região, o conselheiro Monteiro Diniz ficou a um pequeno passo de exprimir a sua concordância com a posição do presidente do Governo. Em bom rigor, só discordou quanto à forma: disse que pessoalmente não diria como Jardim disse aquilo que Jardim disse. Porém, fez questão de sublinhar o entendimento de que, exactamente como Jardim diz, os deputados nem sempre se têm comportado com a elevação que se espera de uma assembleia legislativa. A título de exemplo citou as coisas menos dignas que, em sua opinião, ocorreram durante a visita de Jorge Sampaio em 2001. E concluiu o seu pensamento sobre a matéria com a seguinte lição de boas maneiras: "quando nos parlamentos se encontra o chefe de estado deve haver uma determinada contenção e equilíbrio e não um comportamento como se fosse uma sessão ordinária".
Eu confesso que não sabia que devia existir um código de conduta (ou um catálogo de temas politicamente aceitáveis) para as sessões ordinárias e um outro para as sessões extraordinárias. Do mesmo modo que desconhecia que cabia ao senhor representante definir os contornos de um e de outro. Julgo, no entanto, saber que é de um atrevimento sem limites que o titular de um órgão não eleito se permita fazer críticas públicas ao comportamento político de titulares de órgãos eleitos. Assim como tenho o direito de entender que os representantes do povo da Madeira passam bem sem o paternalismo educativo do ex-senhor ministro.
É verdade que o senhor representante se limitou a dizer o que, provavelmente, toda a gente diz. O problema é que o conselheiro Monteiro Diniz é o Representante da República para a Madeira. E isso, a meu ver, faz toda a diferença. Se não consegue perceber isso, então suspeito que tem de arranjar rapidamente um código de conduta política também para si próprio. Se porventura o percebe, então a coisa fica mais divertida: nesse caso, é a República quem, por seu intermédio, entende dever puxar as orelhas aos representantes do povo desta terra. Não sei é com que direito o faz.
Bernardino da Purificação
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