Que me seja permitido começar com duas ou três questões prévias:
a) por ser uma empresa privada, o Diário de Notícias tem todo o direito de definir os critérios editoriais que mais lhe convêm, no quadro, como é evidente, do seu estatuto e das normais legais em vigor;
b) o facto de esses critérios poderem assentar em pressupostos que nada tenham a ver com a satisfação do interesse público é uma eventualidade que ninguém tem o direito de condenar, salvo se se verificar uma colisão com outros direitos legalmente protegidos ou com deveres prescritos na lei;
c) uma vez que vivemos numa sociedade formalmente livre e democrática, não dever condenar não significa não poder criticar.
Entendidos que estamos quanto às linhas de enquadramento do texto que se segue, passo a explicar ao que venho.
Na sua edição de hoje, o DN surpreendeu-me com o título seguinte: "Fausto Pereira perde processo contra vizinho". Li e imediatamente pensei: este senhor Fausto qualquer coisa deve ter um estatuto que seguramente o distingue da generalidade dos restantes cidadãos. E o seu vizinho, ao contrário dele, há-de ter com toda a certeza um estatuto social inferior. Não só não tem direito a nome próprio, como passou, a partir de hoje e por solene decisão do DN, a ficar conhecido por uma circunstância vicinal: não passa de um vizinho do tal senhor Fausto.
Entretido nestas profundíssimas reflexões, e com a curiosidade assim desperta por tão apelativo título, mergulhei no conteúdo da notícia. E foi com alguma sensação de curiosidade frustrada que acabei por concluir que, afinal, a coisa não era mais do que o relato aligeirado de uma querela qualquer entre dois cidadãos circunstancialmente desavindos, igualzinha a dezenas de outras, porventura a centenas(?), que fazem fila nos nossos tribunais. A menos que houvesse por ali qualquer outra coisa escondida que me estivesse a escapar. Perceba-se: não sou dos que acham que as notícias, por muito inócuas que possam parecer, sirvam só para encher papel. De maneira que me atirei outra vez a ela, desta feita intrigado, procurando o que pudesse estar teimosamente a iludir-me a compreensão. Até que, lá para a terceira ou quarta tentativa, reparei num subtítulo: "José Miguel Tropa, da SMS advogados, foi o defensor do promotor e do empreiteiro". Foi então que finalmente percebi (não tenho culpa, sou mesmo de compreensão lenta): com toda a probabilidade, a notícia sobre um sujeito com nome e sobre um outro sem nome só terá servido para suportar a relevantíssima informação de que um tal José Miguel Tropa é advogado e até consegue ganhar uma causa qualquer por mais irrelevante que seja.
Concluído este magnífico e extenuante esforço analítico, não pude deixar de dar o passo que faltava: o de procurar saber quem era o causídico com tãos luzentes méritos. Nem acreditam no que fiquei a saber. Então não é que o dito Miguel Tropa é o esposo da filha do senhor presidente do Governo Regional, a qual, por sua vez, é chefe de gabinete do senhor vice-presidente do Governo Regional e, para além disso, madrinha de um dos filhos do senhor vice-presidente do Governo Regional, cujo é, por seu turno, padrinho de casamento e compadre de um jornalista com responsabilidades na empresa do DN, e sócio ou ex-sócio da dita SMS?!
Pois fique a saber-se que, segundo noticia o DN, um tão ilustre causídico conseguiu ganhar uma causa em representação de um vizinho sem nome do senhor Fausto qualquer coisa (é claro que sei quem é, mas assim a prosa sai mais a preceito). O que é que isso tem a ver com o interesse do público? Bem, essa é outra questão. Porque em matéria de públicos, o DN lá sabe quais é que lhe interessam. Sugere-se é que da próxima inclua tais notícias nas páginas de classificados, de casos do dia, ou, se as tiver, nas páginas cor-de-rosa, tendo em consideração a enorme relevância social de que se revestem.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
SMS de que é sócio Ricardo Vieira que tem uma propensão para defender obras particulares e autarquias que são useiras e veseiras na violação dos PDMs. Neste momento sou vítima duma destas obras que violam mais de 10 artigos do PDM da Ponta do Sol e mais 5 do Código Civil e com a agravante de a referida autarquia mais do que entidade fiscalizadora é cúmplice do dono da obra. O Ministério Público - Tribunal Administrativo faz uma acção especial e logo suas Excias adiantam-se e abrem outro processo de licenciamento sob outro artigo do PDM...entra o pedido de embargo...entretanto a obra acelera...executam o embargo...entretanto abrem outro processo sob um outro art. do PDM...solicito o embargo...aceleram a obra...voltam a embargar. Já vai na terceira licença de obras e com estas jogadas estão prestes a deitar a segundo laje. PDM`s, RGEU, Código Civil...o que é isso!? A lição do Lobo não serviu para nada...aliás ele continua a se pavonear por ai à espera da decisão de um recurso. Psicologicamente já há algum tempo que estou em desobediência civil...é assim que começa a derrocada do Estado...
Postar um comentário