quinta-feira, 29 de maio de 2008

O governo dos chefes de divisão

Anda para aí um assinalável desnorte na outrora bem oleada máquina social-democrata. Concordo com o que há dias li no Ultraperiferias: há pouca preocupação com a comunicação política por parte de quem governa. Só não concordo com a sugestão implícita de que o problema da governação se possa resumir ao que concertada ou desconcertadamente cada governante nos possa ir dizendo. O problema, a meu ver, é mais fundo. É inerente à própria actividade governativa. Porque cada membro do governo vai gerindo o seu pelouro como lhe apetece e em função da capacidade política que possa ter. E porque o executivo, no seu conjunto, ainda não decidiu quando é que pode ser social-democrata, em que dias é que lhe dá jeito ser liberal, sendo certo que, na maior parte do tempo, é declaradamente tentacular e estatista.
Compreende-se. O dr. Jardim é o único que tem as ideologias bem alinhadas na cabeça. Os restantes não passam de ilustres cavalheiros a quem o destino sorriu. Com a particularidade de a generalidade deles ter chegado onde chegou por exclusão e não por opção consciente de quem os escolheu.
Desde há muito que se sabe que o perfil dos governantes foi desenhado em 2000 tendo em atenção a personalidade do vice-presidente. Porque nessa altura dava jeito a Jardim que o vice brilhasse, a escolha dos nossos governantes teve como único critério eleger quem, fosse pelo cinzentismo da imagem que possuísse, fosse pelo feitio acomadatício que tivesse, fosse pela ausência de ideias próprias, nunca pudesse fazer sombra àquele que teria de afirmar-se como herdeiro natural de um líder já cansado da mediocridade política insular. Foi assim que o dr. Garcês passou de escolha impensável a secretário regional das Finanças. Foi igualmente por isso que o dr. Francisco Fernandes foi levado a abandonar uma gloriosa carreira como contador de histórias de peixinhos amarelos às crianças. E foi também à conta disso que o dr. Jardim Ramos suspendeu por uns tempos as suas paliativas consultas à população senior do seu concelho (um dia ainda vos conto quais os nomes das primeiras escolhas do nosso requintado vice, bem como os vetos decretados por sua excelência).
Isto é, o que se sabe é que estes improváveis políticos foram levados à condição de membros do governo regional muito mais pelo que não tinham do que pelo que eventualmente pudessem ter em termos de ideias ou de pensamento estruturado sobre as áreas que passaram a superintender (não falo dos restantes porque esses já vinham de trás e não entram por isso nestas contas). O que não seria um problema por aí além, dado que, lá do alto, o dr. Jardim teria por certo a arte suficiente para engendrar um discurso aglutinador e capaz de conferir alguma coerência à acção de cada um dos membros do governo. E, mais abaixo, o dr. Cunha e Silva teria certamente (era essa a esperança de Jardim entretanto frustrada) a capacidade de coordenar a acção política concreta de cada um deles.
O problema de uma coisa assim estruturada é que pode ser tudo menos um governo. De maneira que, em vez de governantes, temos a chefiar os diversos pelouros governamentais assim uma espécie de chefes de divisão com divisas (nem chegam a ter galões). E isso começou a notar-se a partir do momento em que o dr. Jardim se saturou das rédeas que tinha, e permitiu que o seu vice tomasse conta disto.
Assim, como cada um só é capaz de dar o que tem, o resultado está à vista: ninguém se entende; todos procuram passar despercebidos (até o herdeiro putativo); não há explicações sobre coisa nenhuma (ninguém, aliás, conseguiria coerentemente dá-las); ninguém, em bom rigor, sabe o que pode ou não fazer; e, a esta hora, deve andar o chefe à procura de um pretexto qualquer ou para cavar daqui para fora, ou para remodelar a aparência de governo que faz de conta que lidera. A chatice (que me seja perdoado o plebeísmo) é que, faça o que fizer, a coisa já vem tarde. Porque a crise estrutural está instalada. E os aumentos de preços que já começamos a sentir só vêm agudizá-la. Se ao menos tivesse tido a sorte de escolher governantes...
Bernardino da Purificação

Um comentário:

amsf disse...

Em 2004 a porta pela qual podia sair o dr. Jardim ainda era grande, agora e no futuro só o espera uma porta pequena. Não sei existirá realmente uma porta mesmo que pequena ou se ele terá que improvisar e criar uma!