Não percebi muito bem, confesso, os contornos de uma polémica que vi aflorada um dia destes. Se calhar, a culpa é minha. Mas, se não for, julgo ter o direito de pedir satisfações a todos os políticos que ainda não perceberam, se esquecem, ou não sabem que, no reino da ditadura mediática em que vivemos, só tem existência real aquilo que veiculam os meios de comunicação de massas. Por muito perverso que isso possa ser (e é), não há volta a dar-lhe: há uma realidade real que não é perceptível pela generalidade dos cidadãos; e há uma realidade mediada, afinal a única que politicamente conta, que não é mais do que o somatório de uns quantos fragmentos da primeira (in)devidamente misturados com e resultantes da visão subjectiva de quem os reproduz. E com estas considerações preliminares vai o meu pedido de desculpas se porventura incorrer em erros de julgamento ou de apreciação.
A polémica a que me refiro tem que ver com o preço dos combustíveis. E acedi a ela através de um texto que o deputado socialista, Carlos Pereira, publicou no seu blogue.
A partir desse texto, fiquei a perceber que Ventura Garcês e Jaime Ramos, na qualidade, respectivamente, de secretário regional das Finanças e de líder da bancada parlamentar do PSD, se terão insurgido contra o facto de os madeirenses pagarem os combustíveis a preços semelhantes aos praticados no continente, a despeito de serem menores as taxas de IVA em vigor na Madeira. E fiquei também com a impressão (o texto é equívoco) de que Carlos Pereira ou não concorda com o protesto de Ramos e de Garcês, hipótese que, se for verdadeira, me deixa perplexo, ou então pura e simplesmente considera que falta legitimidade política aos dois protestantes social-democratas, uma vez que, ao contrário do que sucede com as gasolinas, não manifestam iguais preocupações relativamente aos preços de outros produtos em que pode intervir o governo regional.
Como não sei exactamente o que quis dizer o deputado socialista, limito-me a observar que o preço dos combustíveis chegou finalmente ao parlamento. Finalmente. Tenho muitas dúvidas, porém, que o facto venha a ter consequências. Porque, ao contrário do que se diz, a liberalização dos preços só é responsável pelos aumentos constantes com que temos vindo a ser confrontados. Não tem rigorosamente nada a ver com o facto de pagarmos na Madeira exactamente o que se paga no continente, apesar das conhecidas diferenças ao nível das taxas do IVA.
Porque gosto de saber do que falo, andei a informar-me. E assim fiquei a saber que na formação do preço dos combustíveis intervêm basicamente três parcelas. Uma é o denominado preço europeu sem taxas. A segunda é o acréscimo resultante da aplicação do imposto sobre os produtos petrolíferos. E a terceira e última resulta da incidência do IVA. Nesta conformidade, afigura-se de todo inaceitável que paguemos na Madeira o mesmo que no continente. Porque as nossas taxas de IVA são menores. E porque o preço calculado do custo de transporte por litro (acreditem que as contas estão feitas na Direcção regional de Comércio e Indústria) fica bastante aquém do valor correspondente ao diferencial de taxas do imposto sobre o consumo.
Mesmo passando por cima da imoralidade que, também neste caso, consiste na aplicação de um imposto sobre outro imposto, as contas atrás referidas querem dizer tão só o seguinte: alguém anda a fazer um verdadeiro "negócio da china" à custa dos automobilistas madeirenses. E, o que é pior, o governo sabe e deixa, apesar de o orçamento da Região não lucrar um cêntimo com isso.
Conforme li no blogue de Carlos Pereira, Ventura Garcês e Jaime Ramos tomaram agora súbitas dores por causa desse pequeno escândalo. Em nome da seriedade política (fico-me por essa), deveriam ter tido essas dores há quase uma década atrás. É claro que sei que o tempo era outro - as vacas ainda eram gordas. Mas algo me diz que os dois inesperados protestantes estão pouco preocupados com o bolso dos consumidores. Estão, isso sim, é em cuidados com a necessidade de arranjarem mais alguns milhões de receita que possam justificar mais uns tantos milhões de despesa. Mas isso parece ter passado ao lado de Carlos Pereira.
Bernardino da Purificação
Um comentário:
Não me parece equívoco o texto do deputado Carlos Pereira pois percebe-se claramente que ele mostra-se surpreso por este interesse do PSD/M nos combustíveis ignorar todos os outros produtos. Os combustíveis são muito mais baratos nos Açores não por causa de um IVA menor mas porque o governo regional abdicou de uma certa percentagem do ISP. O mesmo pode fazer legalmente o "nosso" governo regional.
Seria capaz de arriscar que o Governo Regional finalmente fará aquilo que o dos Açores já faz há algum tempo pois sentiu que algumas famílias madeirenses já estão com a corda na garganta. O PSD/M sabe que o ser humano tem tendência a valorizar mais aquele que lhe tira a corda da garganta do que aquele que age preventivamente de forma a evitar que ele se depare com essa situação aflitiva. A sua introdução sobre a ditadura mediática é uma verdade evidente que é anulada pelo mito enraizado de que algo sobrenatural garante que os melhores ou os bons triunfam. Os políticos têm que ter consciência de que o factos, as ideias só existem se forem difundidas e esta difusão não garante que os factos, as ideias sejam conhecidas pois a credibilidade do emissor e a empatia do receptor são condicionantes fundamentais.
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