O nosso orgulho madeirense tem andado em alta nos últimos dias. Cristiano Ronaldo ganhou o título de campeão europeu. Vai provavelmente ganhar o galardão individual de melhor jogador do mundo. E anda na boca de todos os cantos do planeta em virtude dos quase cem milhões de euros que o Real tenciona pôr em cima da mesa para assegurar a sua transferência de Manchester para Madrid. Ao mesmo tempo, Vânia Fernandes mostrava-se na Eurovisão, num interessante concurso de cantigas em que os critérios geográficos e os afectos ou conveniências de vizinhança parecem pesar mais do que as qualidades canoras dos concorrentes, ou do que os méritos das canções cantadas. Gostava de ter conhecimentos cabalísticos e numerológicos para saber se há alguma relação entre o sete da camisola de Cristiano e o treze da posição final de Vânia (ou será que a relação, a existir, é entre entre o dito sete e o sessenta e nove, esse "curioso número", no dizer sonhador do abstinente Mota Amaral, e que, no caso, corresponde ao total de votos atribuídos à nossa mais famosa cantora?). Mas há-de haver com certeza. Os dois têm andado na crista da onda. Para nossa profunda gratidão e enorme proveito deles. E se é verdade que só um deles ganhou qualquer coisa que se visse, o facto é que ambos conseguiram um feito só ao alcance dos verdadeiros eleitos: mercê das suas talentosas performances (gosto mais do bárbaro anglicismo do que da lusa mas deselegante "prestação") elevaram-se ambos muito acima do pequeno quintal regional em que a maioria de nós vai consumindo a sua discreta existência.
Repare-se. Enquanto nós não passamos de vulgares madeirenses, eles já têm garantido o estatuto de portugueses. A pátria adoptou-os como dois dos seus filhos mais distintos. E nós, claro, muito justamente embevecidos com isso. Mas é, acreditem, sem ponta de inveja que observo que há algo de francamente discriminatório nesta adopção. Veja-se o caso do nosso excelso líder (quem já achava que me havia perdido em labirintos distintos dos que são o objecto assumido deste blogue têm agora a oportunidade de mudar de ideias). Por mais que se esforce, nunca há-de passar do "líder madeirense" que é. O dr. Jardim bem quer que a pátria o adopte como um dos portugueses mais portugueses de Portugal. Porém, não consegue. Basta ouvir as notícias e o discurso dos políticos de Lisboa. É o não sei quantos da Madeira; o não sei quantos da ilha; o não sei quantos insular; o não sei quantos madeirense. Faça o que fizer, nunca romperá o cerco paroquial em que deambula. Pelo menos, ao nível do orgulho pátrio e da consideração lusa. E isso, reconheçamo-lo, há-de ser injusto. Mesmo a despeito de o homem não saber cantar nem dar pontapés em bolas. E o mesmo terá de dizer-se em relação a mais um ou dois (no máximo dos máximos) dos nossos políticos mais proeminentes.
Ontem, por exemplo, fiquei a saber que o dr. Cunha e Silva foi a Santana discursar. Tranquilizem-se todos: não citou Séneca nem falou de Camões. Bem ao contrário, comparou a crise nacional com a prosperidade madeirense. Para dizer, no fundo, que enquanto por lá se desgoverna, por cá vai-se governando. E eu, confesso, não resisti à tentação de deter-me um pouco na mais ou menos filosófica reflexão que venho procurando verbalizar neste modesto escrito. Para concluir, no fundo, que também o dr. Cunha é credor de um lugar entre os que deveriam orgulhar os portugueses. Mas não. Tal como acontece com o dr. Jardim, a pátria revela nada querer com ele. O que é um consumado desperdício e um rematado disparate. A pátria nem sonha aquilo que perde. De maneira que eu sugeria (reparem que não peço nada para mim) que se organizasse para aí um movimento capaz de explicar ao luso orgulho peninsular que os drs. Cunha e Jardim são feitos da mesma massa que enformou o Cristiano do nosso comum contentamento e a Vânia da nossa partilhada ternura.
É claro que não ignoro que, se lográssemos convencer a pátria à prática desse seu elementar dever de equidade e justiça, poderíamos ter de vir a pagar um preço insuportável: o da apropriação pura e simples, por parte do rectângulo, de duas pessoas que nos são literalmente caras. Mas quem aceita de bom grado partilhar a Vânia e o Cristiano não aceitaria exportar também as outras duas referidas almas? Cá por mim, façam o favor: sirvam-se à vontade. Em nome até da igualdade de oportunidades.
Bernardino da Purificação
2 comentários:
Pois. Não queria mais nada, pois não? E, já agora, será que a Pátria não quereria também o Secretário da Saúde?
Futebol, fado e fátima!
Os discursos dessas proeminências locais sobre o estado do país e quase nunca da região só são reconhecidos como provenientes de madeirenses devido ao hino regional que os acompanha! Ainda há quem deseje que se toque o hino nacional. Se assim fosse dificílmente se perceberia a proveniência de tais declarações sobre os problemas nacionais e a Madeira perderia o merecido mérito por tais diagnósticos!
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