terça-feira, 27 de maio de 2008

O espírito do Chão da Lagoa

Há-de ser a notícia política dos próximos dias: o dr. Jardim prepara-se para dramatizar mais uma vez a eterna e, pelos vistos, insolúvel questão das relações entre o estado central e a Madeira. Conforme se pode ler no obrigatório e bem informado "ultraperiferias", a questão está agendada para a próxima reunião da comissão política regional do PSD. E vai, muito provavelmente, acabar por chegar às várias instâncias europeias a que a Madeira pode recorrer em defesa dos seus inalienáveis direitos. Estamos a falar, em suma, da concretização de uma ameaça mil vezes feita e mil vezes adiada: a da internacionalização de um conflito contumaz que muito certamente há-de penalizar a imagem do estado português aquém e além fronteiras (desconte-se o facto de Schengen ter acabado mais ou menos com o conceito).
Sem ironia, e sem qualquer propósito de minimização de um problema que nos traz a todos mortificados, devo dizer que me parece que o dr. Jardim mais não pretende do que começar a criar o "espírito do Chão da Lagoa". Aliás, eu sei que o dr. Jardim sabe que não há ebulição sem prévio processo de aquecimento. De maneira que (com o devido pedido de desculpas pela doméstica comparação culinária) tenho por seguro que, depois do lume brando em que tem andado para o que der e vier, a água vai começar a ser submetida a um calor mais intenso a partir da próxima comissão política social-democrata, para atingir o ponto de fervura plena lá para finais de Julho, quando as atenções do país se voltarem mais uma vez para o palco anual da festa laranja.
(Como as ideias são, tal qual as cerejas, de ligação quase espontânea e aleatória, assaltou-me de súbito uma cena pungente e um pensamento premonitório. A cena: a dra. Manuela Ferreira Leite, fragilmente curvada sob o peso da altitude e dos anos, porém firmemente conduzida e apoiada pelo dr. Jardim, a percorrer as barraquinhas onde se afogam as agruras da vida e se preparam os mais épicos combates. O pensamento: cuidado, eng. Sócrates. A alta dos preços do petróleo não é nada comparada com a fúria incandescente do vulcão que a partir do Chão da Lagoa, ou doutro sítio qualquer, ameaça revolver a política nacional.)
Como disse, não tenho qualquer intenção de minimizar a magnitude do verdadeiro problema de estado em que se transformou a questão das relações (ou, melhor dizendo, da ausência delas) entre o governo central e o governo do dr. Jardim. Independentemente do que cada um possa pensar sobre o maior ou menor artificialismo ou empolamento da coisa, a verdade é que ela a ninguém aproveita (à excepção, é claro, do dr. Jardim). De maneira que acho bem que se admita o recurso a todas as formas legítimas de pressão para se acabar em definitivo com o lamentável folhetim em que está transformado o dossier das relações entre o Funchal e o Terreiro do Paço. Reitero, porém, a convicção de que o dr. Jardim nunca irá além de uma dramatização do problema para consumo exclusivamente interno. Porque mais do que isso não lhe convém. E porque se um dia levasse o problema lá para fora, o seu arsenal de armas estratégicas (que ameaçam sempre mas se usam nunca) ficaria reduzido à estafada e disparatada questão da independência.
Ainda assim, parece-me que o dr. Jardim incorre em riscos escusados cada vez que acena a hipótese de internacionalizar o doméstico problema das suas relações com o eng. Sócrates. Em primeiro lugar, cai no ridículo: a Madeira não é o Kosovo; e a União Europeia não está (ainda) em desagregação (para além de, pelo menos até ver, continuar a assentar no consenso entre estados soberanos). Em segundo lugar, com as suas permanentes ameaças, o dr. Jardim pode dar más ideias aos seus adversários. Ou será que o contencioso democrático interno, de que a oposição madeirense se queixa, não poderá, ele também, ser um dia levado ao conhecimento de todos os fóruns onde o dr. Jardim costuma passear a sua carreira de mais de trinta anos de poder?! Vá dando ideias, vá, e depois queixe-se. Em terceiro lugar, não creio que o dr. Jardim se sinta de facto mandatado (nem tentado) para a suprema descortesia institucional que seria passar por cima dos órgãos políticos nacionais, para os quais em bom rigor nunca recorreu.
É verdade que eu sei que o dr. Jardim vê a festa anual do PPD assim como uma espécie de plebiscito à sua estratégia de sistemático confronto, que, no fundo, receia generalizar a toda a Região. Mas é precisamente por isso que não tenho a mais pequena dúvida de que a ameaça, que a próxima reunião da comissão política do PSD vai novamente reiterar, mais não será do que um fósforo que se acende para começar a aquecer o fogo das emoções da festa anual laranja. De resto, onde é que já se viu um Chão da Lagoa sem uma causa ou ideia mobilizadora?
Bernardino da Purificação

2 comentários:

amsf disse...

Quem é que teremos aqui a defender os inalienáveis direitos do dr. AJJ, a ONU e os seus capacetes azuis ou a OTAN/NATO dirigida pelos americanos!?


Tenho a ideia que a festa do Chão da Lagoa já se realizaria este ano na quinta adquirida pela Fundação SD!

Unknown disse...

tenho a agradecer ao Sr. Dr. pelo dia magnífico que proporciona aos madeirenses que não vão ao Chão da Lagoa. O trânsito flui sem pressas. nota-se mais educação (até porque por essas alturas as laranjas andam mais inflamadas e de vigília e para o bem... estão "lá em cima"), vai-se bem à praia, passear com as crianças pela cidade. Em suma, é fantástico e fica aqui desde já o agradecimento. Deixo uma sugestão para a edição de 2009 " Festa laranja 5 dias nas Selvagens". Isso é que era.