quarta-feira, 14 de maio de 2008

As angústias do director

De acordo com os relatos da imprensa, o director da RTP foi ontem interpelado em Lisboa pelos deputados da comissão de Ética e Cultura da Assembleia da República. Em causa estão, como é sabido, os critérios editoriais da RTP-Madeira. Mas uma vez que o problema subiu agora à Assembleia da República, depois de ter estado duas vezes na Assembleia Legislativa da Madeira, em causa acaba por estar também, em minha opinião, o modelo institucional da nossa televisão pública.
Começando de trás para a frente, devo sublinhar o entendimento, que partilho com muita gente desta terra, de que é preciso dar um passo adiante na discussão sobre como deve exprimir-se entre nós o serviço público de rádio e televisão, e sobre como deve articular-se esse serviço com o que é prestado no restante território nacional. Mas devo sublinhar também a convicção de que, enquanto esse debate organizacional e estrutural estiver contaminado com a discussão dos critérios de selecção das notícias e dos demais conteúdos, nunca será dado qualquer passo que clarifique de uma vez por todas o que é e para que serve um canal público regional de televisão.
Como todos os espectadores comuns, devo humildemente confessar que tenho muito mais opiniões e certezas sobre aquilo que não quero do que sobre a definição concreta do modelo conceptual que possa ou deva ser adoptado. Ainda assim, não resisto à tentação de dizer qualquer coisa. Até porque há experiências para as quais vale a pena olhar com atenção.
Antigamente, e a título de exemplo, falava-se muito da forma como a TVE tinha resolvido os problemas que a emergência e reforço das autonomias espanholas lhe colocava. Só que agora não é preciso ir tão longe. Em meu entender, temos no país um bom exemplo do que pode ser um modelo bem sucedido de televisão de vocação simultaneamente regional e nacional (a autonomia é também enfatizar o particular para o somar ao geral). Refiro-me à RTP-N, que é, como se sabe, da responsabilidade do Centro de Produção do Porto.
Não ignoro que esse canal movimenta meios operacionais e, logo, também financeiros que não estarão porventura ao alcance de um centro regional com a dimensão do existente na Madeira. Mas do modelo, com franqueza, gosto. Pelo que não me chocaria (bem pelo contrário) que, com as devidas adaptações, algo semelhante pudesse vir um dia a ser produzido e editado pelo nosso centro regional. E quem ganharia com isso seria a sociedade madeirense e não as vaidadezinhas dos que se limitam a ocupar a ribalta dos lugares televisivos.
Dito isto, que não passa de um minúsculo subsídio para um debate que tarda, passo ao problema dos critérios. E faço-o tomando como ponto de partida uma situação descrita pelo director da RTP-Madeira no decorrer da audição parlamentar que referi no início. Ora, disse o cavalheiro em questão que teve que acabar com um programa denominado "Estado da Região" porque o PSD se recusou a nele participar. A situação, aliás, parece ter sido de tal modo angustiante que, conforme se pode ler no DN, ainda hoje ele se pergunta: "Devemos fazer debates sem o partido maioritário"? Talvez por não perceber muito do assunto, entendo que sim, que se pode e deve. Basta para tanto que a RTP-M esteja genuinamente interessada em fazê-los. Porque, para além de traduzir uma gritante falta de imaginação e uma notória preguiça mental, considero socialmente errado (e a televisão pública tem óbvias obrigações sociais) que se alimente a ideia de que os partidos têm o monopólio da opinião política. E porque acho intolerável que um programador de televisão aceite ficar refém das estratégias e humores de uma qualquer direcção partidária. De maneira que me angustia a angústia do senhor director. Pelo temor reverencial que ela evidencia relativamente ao poder. E pelo nefasto e preguiçoso entendimento de que não há nem perspectiva nem prospectiva política que valha a pena fora do quadro dos partidos.

Bernardino da Purificação

Um comentário:

amsf disse...

O PSD só se recusa porque sabe que ao fazê-lo está a retirar à oposição a possibilidade de se exprimir publicamente. Se o sr. director não tivesse essa angústia perceberia que após a emissão de alguns programas seria o próprio PSD/M a pedir a sua inclusão no programa!