É impressionante a forma como o dr. Jardim consegue manter refém da sua todo-poderosa vontade o presidente da República e a Assembleia Legislativa da Madeira. Impressionante e, devo dizê-lo, lamentável. Então o presidente da República vem à Madeira em visita oficial, o parlamento não o recebe em sessão solene porque alberga "um bando de loucos", de acordo com as mimosas palavras do chefe do governo madeirense, e o chefe de Estado aceita e nada diz? Estranho. Cavaco Silva engole a afronta de só poder encontrar-se com o tal "bando de loucos" à mesa da informalidade de um jantar. O presidente da Assembleia Legislativa aceita passar pela vergonha de ser apresentado ao chefe de Estado como o homem que dirige o manicómio. Os deputados vergam-se sem um um pio perante a sua pública desconsideração. E quem os elegeu rebola-se de gozo por mais uma demonstração do desconchavo verbal do seu divertido líder.
Estranho? Se calhar, nem por isso. Jardim tem, de facto, um poder imenso. Para além de praticamente inamovível (sem que possa cair-se em rupturas capazes de, no limite dos limites, fazer perigar a unidade do Estado) o presidente do Governo Regional goza de um privilégio que nenhum outro poder eleito detém neste país: governa sem ónus. Para ele a governação só tem benefícios: não há medidas impopulares para aplicar; não há impostos para lançar e cobrar (ainda que a lei o admita); não obstante, há dinheiro suficiente, e ainda bem, para fazer obras e resolver problemas a pessoas eternamente agradecidas.
No caso específico da Madeira, a configuração constitucional da Autonomia permitiu, na verdade, este pequeno monstro democrático: o presidente do Governo regional consegue ter a vida mais facilitada do que um autarca ou do que um membro do governo central. Porque está suficientemente distante da enxurrada e do buraco da estrada para não ter de aturar a indignação popular; porque se encontra suficientemente próximo da grande obra pública para açambarcar louros e méritos que nem sempre são seus; e porque anda alegre e suficientemente à margem das grandes decisões de política económica para poder responsabilizar o estado central por tudo o que de mau nos possa acontecer.
Isto é, o actual figurino constitucional da Autonomia permitiu à Quinta Vigia ter-se transformado numa espécie de bunker dotado de dois preciosos amortecedores de impopularidade: as Câmaras municipais, por um lado, e o Governo central, por outro. Quer isto dizer que Jardim não tem mérito? Nada disso. O que isto quer dizer é que o poder de Jardim se exerce, no plano formal, numa espécie de terra de ninguém (onde não há culpas, responsabilidades, ou pecados originais)que ele soube perceber, ocupar e fazer sua. É por isso que não acredito que fale com grande convicção quando reivindica para a Madeira uma autonomia tendencialmente ilimitada. Não obstante, toda a gente parece recear a chantagem. Até, pelos vistos, o presidente da República. Pelo que ninguém neste país parece sentir-se com suficiente força política e legal para explicar ao dr. Jardim que a democracia tem regras e o seu poder tem limites. E assim vamos andando de desconchavo em desconchavo.
Bernardino da Purificação
4 comentários:
O meu pobre blog (comparado com o seu) tinha por objectivo difundir as "melhores" opiniões encontradas pela blogosfera que versassem a política madeirense e que naturalmente estivessem em consonância com as minhas próprias opiniões. Ao fazê-lo estaria a difundir "posições" coincidentes com as minhas, por serem das mais diversas autorias estaria a credibiliza-las e estaria a simultâneamente a difundir os blogs onde elas teriam sido expressas. No entanto a quase ausência dos referidos comentários obrigou-me a recorrer às Cartas do Leitor do DN. Devo dizer que a sua capacidade de expressão, de síntese, de objectividade e honestidade intelectual não são nada vulgares.
Gostaria que me permitisse publicar no meu blog este seu post. Naturalmente com as devidas referências. Além do motivo óbvio pretendo dar a conhecer a existência do seu blog junto dos "meus" frequentadores.
Aguardo autorização.
Agradeço a sua autorização e desejo que continue a partilhar as suas opiniões e forma de ver a realidade madeirense!
É um privilégio para os madeirenses a oportunidade dada aqui.
Todos podem aproveitar, além do bom português, a análise sintética na expressão de ideias e o sarcasmo irónico, raro por essas bandas!
Vamos ler os próximos ‘capítulos’, sempre aprendendo…
Boa sorte!
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