Deixem-me ver se compreendi bem. O serviço de Urgência do Hospital do Funchal passou a ter filas de espera que dão a volta ao edifício e a culpa é de um sistema informático qualquer para o qual ninguém estava preparado? Convenhamos que a justificação é patusca. Tem um suplemento de lata porventura excessivo para o desconfiado gosto dos cépticos. Possui, no entanto, traços daquela ingénua criatividade que, de tão simples (ou será antes simplória?) e pueril quase nos faz chegar às lágrimas.
Nunca tinha pensado que um sistema informático fosse capaz, por si só, de entupir um serviço de urgências hospitalares. E nunca me tinha passado pela cabeça que um doente tomado de aflições urgentes pudesse ficar à espera um par de horas, ou mais, para ser visto por um médico, por causa de um safado de um computador e de um complicado programa que lhe puseram lá dentro.
Admirável. A justificação e este surpreendente mundo novo. Tanto a cara calçada que nem pestaneja quando, com um ar situado algures entre o tecnologicamente deslumbrado e o anedoticamente presumido (ou será simplesmente tolo?), nos explica o que não pode ter explicação. Como a desumana ligeireza com que interpõem uma tecnologia qualquer mal testada e pior instalada entre doentes aflitos e a intervenção pronta dos médicos de um serviço de urgências.
Já agora, deixem-me ver se percebo outra coisa. Um serviço que tem muitas vezes nas mãos a vida ou a morte das pessoas interrompe a actividade à hora de almoço? Isto acontece? Isto é mesmo verdade? E não há consequências? E ninguém é capaz de acabar com semelhante rebaldaria? E permite-se que o mesmo cavalheiro deslumbrado com a tecnologia de ponta dos meios tenha a lata de vir dizer-nos que a culpa da coisa reside na falta de... (como é que eu posso escrever isto sem rir?) uma cantina para médicos? Ó da guardaaaaaa! Socoooorro! Então ninguém vê que esta gente ensandeceu de vez? Ninguém percebe que há limites que não podem ser ultrapassados?
Não sei, mas gostava de saber, o que pensam desta inqualificável indigência o dr. Jardim e todos os artífices do caríssimo e excelente serviço de Saúde que temos, para além, é claro, daquelas apalermadas sentenças ditas à boca pequena a partir da Quinta Vigia. Se fossem pessoas normais, deveriam estar com certeza incomodados. O pior é que são governantes. Responsáveis por serviços obviamente excelentes. Donos arvorados de uma terra evidentemente excelente, tal a excelência de quem a controla. Avalizadores da competência, também ela inquestionavelmente excelente, dos excelentes quadros dirigentes que nomeiam. E, como parece ser igualmente óbvio, muito mais sensíveis à excelência do computador e da cantina do que à maçadora lamuria de um doente aflito que lhes possa lixar as estatísticas e tramar a reputação.
Está visto que, por este andar, e com tanto desenvolvimento tecnológico e estrutural a reforçar-nos a excelência, ainda acabaremos por ter de voltar aos tempos gloriosos da mezinha e do chá. À conta, já se vê, da indiscutível excelência dos mandantes que temos e dos não menos excelentes acólitos que eles têm.
Bernardino da Purificação
3 comentários:
Um par de horas!? Um par de horas parece-me que é quando não há problemas! Há dias era por causa da máquina de raios x! Suponho que todos os doentes são radiografados por razões de segurança! Agora é por ausência cantina. Um almoço de médico (fora) não é um almoço qualquer...por razões médicas deve incluir uma sesta!
Aqui, o ascético Bernardino tem de conceder no entendimento da Ministra da Saúde: o principal problema dos hospitais encontra-se nos seus administradores e nos directores de serviço.
Mais palavras para quê?...
Aquela classe comporta-se, em Portugal,como um bando de .....
....olhe, qualifique-os vc, que tem mais pergaminhos para a escrita...
Politicamente, na sua essência, não vejo grande diferença entre Jardim e Pinto de Sousa. São pássaros da mesma plumagem. A relação crispada entre eles é a típica do mestre que não aceita ter sido ultrapassado pelo aluno.
Sendo assim, não será de estranhar que a Saúde Publica da Madeira esteja a ser alvo do mesmo tratamento que a do Continente.
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